PROJETO DE LEI Nº 90/2006
 
Dispõe sobre normas de acessibilidade em favor dos deficientes visuais, a serem observadas pelas empresas concessionárias de serviço de transporte coletivo rodoviário intermunicipal no Estado do Ceará.
 
 
A Assembléia legislativa do Estado do Ceará decreta:
 
Art. 1º.  Esta lei dispõe sobre normas de acessibilidade em favor dos deficientes visuais, a serem observadas pelas empresas concessionárias de serviço de transporte coletivo rodoviário intermunicipal no Estado do Ceará.
 
Art. 2º.  Fica autorizado o Poder Executivo Estadual a determinar que as empresas concessionárias de serviço de transporte coletivo rodoviário intermunicipal no Estado do Ceará forneçam manual em braille contendo a relação das linhas de ônibus e seus itinerários ao usuário portador de deficiência visual.
 
Art. 3º.  O condutor ou outro profissional habilitado pela empresa de transporte coletivo rodoviário intermunicipal, que esteja no interior do veículo, deverá orientar os seus usuários sobre o itinerário percorrido, comunicando a passagem pelos municípios durante o trajeto, com suas respectivas denominações.
 
Art. 4º. O Poder Executivo Estadual ficará autorizado a cobrar multa de 150 UFIRCES (cento e cinqüenta Unidades Fiscais de Referência do Estado do Ceará) no caso de descumprimento das disposições desta lei. 
 
 
Sala das Sessões, em 31 de maio de 2006.
 
 
 
Deputada Rachel Marques
Líder de Bancada pelo PT
 
 
 
J U S T I F I C A T I V A
 
O projeto de lei em tela visa proporcionar aos deficientes visuais uma maior autonomia e segurança em relação as informações que lhes são prestadas, instrumentalizando dessa forma seu direito a informação, de ir e vir e os princípios da cidadania e dignidade humana. 
 
Segundo afirmação do presidente da Associação dos Cegos do Estado do Ceará, senhor Francisco Josué Felício de Oliveira, em audiência concedida a parlamentar aos dias, “ao  deficiente visual  devem ser asseguradas as condições necessárias para exercer o seu direito de ir e vir com segurança e autonomia, evitando constrangimentos. É comum o passageiro com deficiência visual que viaja sem a presença de um acompanhante se sentir deslocado por não saber o trajeto percorrido pelo ônibus, não tendo o mesmo senso de orientação das pessoas que enxergam. Eu mesmo quando viajei desta forma, fiquei receoso de haver passado do município onde tinha intenção de parar...”. E continuou: “nem sempre quando o veículo pára o motorista avisa aonde chegamos e às vezes ele também desce.” [1]
 
O fato é que os deficientes visuais ficam dependentes de terceiros que nem sempre estão disponíveis a ajudá-los. E mesmo que o sejam, quando o condutor do veículo não está presente, é no mínimo constrangedor perguntar a esmo uma informação, sem dirigir-se a uma pessoa determinada, por estar privado da capacidade de enxergar.
 
Em outros entes da federação já existem normas que garantem ao portador de deficiência visual uma maior autonomia em seu dia-a-dia, como a disposição de cardápios em Braille nos restaurantes, adaptação da referida linguagem aos caixas eletrônicos de bancos e, guardando semelhança com o projeto apresentado,  até mesmo leis que determinam a instalação de placas em braille contendo a relação das linhas de ônibus e seus itinerários nos terminais rodoviários estaduais, como ocorre no Estado de Santa Catarina. 
 
A  Constituição  da  República foi eloqüente e ampla  ao  declarar direitos   das   pessoas   portadoras de deficiência, sendo vasto o painel em  que  se incluem regras de sua proteção e inserção social. No texto constitucional a matéria  se apresenta já no inciso IV do art. 3º, como salienta Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, recordando “que os carentes, minorias e desfavorecidos - os hipossuficientes de uma maneira geral – merecem tutela especial condição para que se lhes assegure a garantia constitucional  da ‘igualdade perante a lei’”. Esclarece  que,  em cumprimento à Lei Fundamental, “ao portador de deficiência deve-se garantir acesso físico aos lugares públicos, facilitando-se a  sua locomoção.”  (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos.  “A  tutela das  pessoas  portadoras de deficiência pelo Ministério  Público”, “in”  FIGUEIREDO, G. J. P. de (org.). Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 17-29).
 
   A  preocupação do constituinte com a proteção ao  portador  de deficiência se apresenta não só por regras e princípios abstratos, mas  por  uma  formulação  que  induz  a  concretização  da  norma constitucional  na sociedade. É uma exigência que  se  reporta  ao reconhecimento desses indivíduos como sujeitos de  direitos  e  se soma  à  constatação  da  presença  significativa  da  pessoa  com deficiência no meio social. Assinale-se que a Organização  Mundial de  Saúde estima que 10% da população mundial tenha algum tipo  de deficiência  física,  mental ou sensorial (“apud”  ALMEIDA  PRADO, Adriana   Romero.   “O  direito  à  cidadania   do   portador   de deficiência”, “in” Informativo Jurídico CEPAM. V. 11.  N.  9.  São Paulo, 1994, p. 53).
 
 A  matéria  em  debate  está inserida no rol  de  competências deferidas ao Estado membro pela Constituição da República. O  art. 24, XIV, estabelece que caberá ao Estado legislar concorrentemente sobre  “proteção  e  integração social das pessoas  portadoras  de deficiência”,  cumprindo-lhe,  ainda,  a  tarefa  de  concretizar, mediante  políticas públicas, a “proteção e garantia  das  pessoas portadoras de deficiência”, nos termos do art. 23, II, do  Diploma Legal. O texto constitucional prevê, também, no art. 227,  §  2º, c/c  o  art.  244,  que lei disporá sobre normas de  construção  e adaptação  dos  logradouros e dos edifícios de uso  público  e  de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir o acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.   
 
 Cumpre  recordar que, embora represente intervenção  do  poder público  na esfera privada, o objeto da proposta sob apreciação  é respaldado pela própria Constituição da República, que  submete  a propriedade  privada  à realização de sua função  social,  segundo balizas  que  o mesmo Diploma Legal traça. Também a  livre iniciativa, os  princípios da  ordem  econômica,  não são aplicáveis isoladamente,  mas  devem conjugar-se,  a  outros  que garantam à população uma existência digna, conforme os ditames  da justiça social. No caso de  intervenção com  a  finalidade de promoção dos direitos do portador de  deficiência,  a Constituição de 1988 o permite  expressamente, como acima mencionamos, além dos vários diplomas legais, sejam de ordem Federal, Estadual ou Municipal que concedem benefícios àquelas pessoas, intervindo no domínio econômico. 
 
De mais a mais, segundo informações obtidas com o presidente da Associação dos Cegos, senhor Francisco Josué Felício de Oliveira, uma folha resma de papel especial para impressão em Braille, com mil e quinhentas folhas,  tem um custo estimado em R$ 280, 00 
 
(duzentos e oitenta reais), e uma folha já impressa é vendida no valor de R$ 1, 00 (um real).  O numerário a ser despendido é irrisório, em especial quando posto em cotejo com os benefícios proporcionados ao portador de deficiência visual caso a presente proposta legislativa seja aprovada. Quanto às informações a serem prestadas aos passageiros pelo condutor do veículo ou outro profissional habilitado, entendemos ser desnecessária qualquer tipo de argumentação quanto a uma provável repercussão financeira.
 
No plano legal, atendendo os preceitos da CF/88,  foi  editada  a   Lei Federal  nº 10.098/2000, que estabelece normas gerais e  critérios básicos  para a promoção da acessibilidade das pessoas  portadoras de  deficiência ou com mobilidade reduzida. A citada norma abrange as  hipóteses  de  supressão de barreiras  e  obstáculos  para  os portadores   de  deficiência  em  vias  e  espaços  públicos,  no mobiliário urbano e nos meios de transporte e comunicação. Prevê a mesma lei que, em determinados casos, o meio a ser utilizado  para alcançar seus objetivos será a “ajuda técnica”, definida  no  art. 2º,  VI,  como “qualquer elemento que facilite a autonomia pessoal ou  possibilite o acesso e o uso de meio físico”.  
 
Na regulamentação do mencionado diploma legal pelo decreto n.º 5.626, de 22 de dezembro de 2005 constam as seguintes disposições:
 

Art. 32. Os serviços de transporte coletivo terrestre são:

I - transporte rodoviário, classificado em urbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual;

 

Art. 37. Cabe às empresas concessionárias e permissionárias e as instâncias públicas responsáveis pela gestão dos serviços de transportes coletivos assegurar a qualificação dos profissionais que trabalham nesses serviços, para que prestem atendimento prioritário às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

 

Art. 8º. Para os fins de acessibilidade, considera-se:

V - ajuda técnica: os produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia adaptados ou especialmente projetados para melhorar a funcionalidade da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou assistida;

Também  a  Lei Federal    10.048, de 8/11/2000, estipula que as empresas concessionárias de serviços públicos estão obrigadas a dispensar atendimento prioritário, por meio de serviços individualizados que assegurem tratamento diferenciado e atendimento imediato às pessoas portadoras de deficiência.

Verificamos  que  a Constituição Cearense estabelece,  em seu  art. 329, que o Estado promoverá programa de prevenção, integração social e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, mediante treinamento para o trabalho e a convivência e a facilitação de acesso aos bens e serviços coletivos com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.

 Vê-se  que  a  proposta ora debatida é coerente  com  a  ordem jurídico-constitucional e a própria legislação federal que  trata  do  acesso., suplementado inclusive esta última
 
 Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, cumpre dizer que a proposição não impõe dever ao Poder Executivo, e que segundo parecer nº 527 de 1998,  da Comissão de Constituição e Justiça do Senado federal, relatado pelo Senador Josaphat Marinho, “descabe a impugnação de toda e qualquer lei dita autorizativa, em geral, sob a análise de sua constitucionalidade e juridicidade. As leis autorizativas administrativas, orçamentárias e tributárias têm apoio doutrinário, jurídico e legal, encontrando confirmação jurisprudencial quanto á sua essência, à sua formação, motivo pelo qual se recomenda a sua admissibilidade”. 
 
Em relação à redação do art. 3º da proposta legislativa não conter verbo autorizativo, vale ser salientado que no ano de 2004 foi aprovado nesta Casa o projeto de lei no. 15/04, de autoria do deputado Marcos Tavares, que encerrava a seguinte disposição:
 
“Art. 1º. Fica obrigado o condutor do ônibus de empresa de transporte coletivo, que trafegar nos limite do território do Estado do Ceará e que fizer condução de passageiros nos terminais rodoviários, a orientar os seus usuários sobre normas de segurança na viagem, destacando, principalmente, a rota de fuga em caso de acidente com o veículo, sempre que for iniciado um novo percurso e houver embarque de passageiro.”
 
O dispositivo, como visto, prescinde do verbo “autorizar”, e mesmo assim foi devidamente aprovado pela Assembléia Legislativa do Estado do Ceará.
 
 Em vista do exposto e tendo a certeza que se aprovado o presente projeto de lei irá, sobremaneiramente, instrumentalizar as normas principiológicas que fundamentam a República Federativa do Brasil, quais sejam, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, é que esperamos que se dê andamento à presente proposta, com sua aprovação ao final do trâmite legislativo.
 
Sala das Sessões, em 31 de maio de 2006.
 
 
Deputada Rachel Marques
Líder de Bancada pelo PT


[1] [1] A declaração descrita no texto da presente justificativa foi devidamente autorizada pelo Presidente da Associação do Cegos do Estado do Ceará, senhor Francisco Josué Felício de Oliveira.