Projeto Indicativo de Lei nº 32/2006.

 

 

Indica a criação de Delegacia especializada para o atendimento a homossexuais, e dá outras providências.

 

 

Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a criar e implementar uma Delegacia Especializada no Atendimento à população que compõe o segmento de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros -  GLBTT no Estado do Ceará.

Parágrafo Único – A Delegacia Especial deverá ser implementada na Capital.

Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

 

Sala das Sessões, aos

 

 

 

Justificativa

 

 

O presente projeto de indicação ora submetido à apreciação nesta Assembléia Legislativa é o encaminhamento de demanda da população GLBTT do Estado do Ceará que, através de suas entidades representativas, anseiam por reconhecimento e cidadania através, principalmente, da superação do preconceito.

 

De acordo com Luiz Mott, Presidente do Grupo Gay da Bahia, o Brasil é o país onde mais se mata homossexuais: em 2001 foram 132, sendo que 72% dessas vítimas eram afro-descendentes.

 

Hoje, a cada 48 horas  um homossexual é assassinado no País, além das violências correlatas como expulsão de casa, extorsão policial, abandono escolar, discriminação no trabalho, mutilações e outras violações dos direitos humanos.

 

Ele revela, ainda, um dado muito assustador: 11% dos assassinatos de homossexuais são praticados por policiais; aqueles que devem ser treinados para defender e proteger a população sem discriminação ou preconceito de qualquer natureza.

 

O Governo federal, no seu PPA 2004-2007 definiu, no âmbito do Programa Direitos Humanos, Direito de Todos, a ação denominada “Elaboração do Plano de Combate à Discriminação contra Homossexuais”.

Para efetivar este compromisso, a Secretaria Especial de Direitos Humanos lançou o programa Brasil sem Homofobia – Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLBT e de Promoção da Cidadania Homossexual, com o objetivo de promover a cidadania desses grupos populacionais, a partir da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação homofóbicas de cada um desses grupos.

O Programa possui os seguintes princípios:

 

·         A inclusão da perspectiva da não-discriminação por orientação sexual e de promoção dos direitos humanos de gays, lésbicas, transgêneros e bis­sexuais, nas políticas públicas e estratégias do Governo Federal, a serem implantadas (parcial ou integralmente) por seus diferentes Ministérios e Secretarias.

·         A produção de conhecimento para subsidiar a elaboração, implantação e avaliação das políticas públicas voltadas para o combate à violência e à discriminação por orientação sexual, garantindo que o Governo Brasileiro inclua o recorte de orientação sexual e o segmento GLTB em pesquisas  nacionais a serem realizadas por instâncias governamentais da adminis­tração pública direta e indireta.

·         A reafirmação de que a defesa, a garantia e a promoção dos direitos huma­nos incluem o combate a todas as formas de discriminação e de violência e que, portanto, o combate à homofobia e a promoção dos direitos huma­nos de homossexuais é um compromisso do Estado e de toda a sociedade brasileira.”

 

Dentro do trabalho para minimizar o quadro de violência contra homossexuais, o então Secretário Interino de Direitos Humanos, Mário Mamede, assinou convênio com o Ministério da Justiça para a instalação, no decorrer de 2006, de 20 Centros de Referência em Direitos Humanos (CRDHS) de GLBT em todas as regiões do Brasil, com recursos financeiros, tanto para a estruturação, como para a contratação de profissionais especializados (advogados e psicólogos, por exemplo).

Essa ação é considerada como fundamental para o movimento homossexual no combate à homofobia especialmente no Nordeste, região que contará com o maior número de centros, uma vez que é, também, a que conta com o maior número de notificações de violência contra GLBT.

 

No caso do Ceará, segundo Orlaneudo Lima, presidente do Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB), o preconceito ainda é muito grande e “Fortaleza lidera o ranking da homofobia nas escolas públicas em todo o País”.

O Centro de Referência cearense chama-se Janaína Dutra e conta com   07 (sete) profissionais, sendo 1 Coordenador, 01 advogado e 01 estagiário, 01 psicólogo 02 apoios para o atendimento ao disque-denúncia e 01 assistente, tendo realizado, desde o início do seu funcionamento 45 atendimentos, nas áreas propostas,  apresentando resultados práticos importantes para esse segmento da população cearense.

 

De acordo com a Dra. Tassiana Alves, advogada do Centro de Referência Janaína Dutra, em 2002 foi feita pesquisa em todas as delegacias de Fortaleza, que constatou fatos importantes que justificam plenamente a implantação da delegacia especializada, ora pleiteada. Entre outros, destacam-se:

 

O despreparo dos profissionais que trabalham nas delegacias, uma vez que eles  não recebem treinamento específico para atuar com esse público e acabam por discriminar e tratar de forma diferenciada, inclusive desconsiderando as denúncias das vítimas, como aconteceu com a travesti Tina, presidente da ATRAC – Associação dos Travestis do Ceará que, agredida fisicamente por seu companheiro, foi expulsa da delegacia sob ameaça de levar uma surra, caso insistisse na queixa;   foi denegrida moralmente pelo delegado titular, que ordenou ao escrivão rasgar o Boletim  de Ocorrência imediatamente, numa clara demonstração de despreparo para o exercício da sua função;

 

A falta de infra-estrutura física para acomodar esse segmento da sociedade, quando da necessidade de detenção, pois, são alojados em celas com outros   detentos do mesmo sexo e, no caso principalmente dos travestis, são  obrigados a servir sexualmente os outros presos como forma de evitar apanhar.

 

A seguir, transcrevemos trechos da monografia jurídica “Brasil, 500 anos de exclusão”, de autoria do Dr. Romualdo Dropa, advogado no Paraná e professor de Direito Constitucional, Ciência Política e Teoria Geral do Estado:

 

“Homofobia

 

             Confesso que a homofobia sempre me assustou. Seja escrevendo sobre Direitos Humanos, como advogado

 

pesquisador ou como cidadão, este gênero de ódio humano nunca foi muito bem compreendido pelo meu espírito. O que mais me espantou e ainda me perturba é o fato de que inúmeras pessoas que freqüentam igrejas, chamam a si mesmas de servas de Deus, são as primeiras a lançarem as pedras, sem ao menos avaliar se estão em condições de atirar a primeira delas. Mais que um ódio, a homofobia deve ser vista como um crime. E um crime grave, passível de prisão. A partir do momento que se nutre ódio e aversão por um indivíduo, e este ódio configura-se como um ato positivo, já ocorre o crime. Mas, infelizmente, esta configuração de crime, dentro da legislação brasileira, não está amplamente amparada pela total inércia de nossos legisladores diante de um problema crescente e do qual não se pode mais fugir. A homossexualidade convive conosco, no nosso dia-a-dia e ninguém pode fechar os olhos para isso. E fechar os olhos é demonstrar ignorância diante de um fato que permeia a vida social desde os primórdios da humanidade. Indivíduos homossexuais sempre existiram e existirão. Seja no trabalho, na vida social ou mesmo no seio familiar, a homossexualidade precisa ser encarada como algo natural e livre para se expandir. Sim, expandir-se, pois sua expressão natural passou a ser severamente reprimida a partir do advento do Cristianismo. As idéias preconceituosas e errôneas noções religiosas são as principais vilãs neste problema que toma aberta discussão no fim do século XX. Infelizmente, muito ainda há que ser discutido, seja social ou juridicamente, mas o importante é que já existe uma pré-disposição da sociedade para discutir este tema tão polêmico para alguns, mas tão natural para outros. Uma pena que a visão positiva da homossexualidade esteja ofuscada pelo medo e ódio infundados e baseados em mero preconceito. A literatura está repleta de pessoas que afirmaram admirar um parente ou amigo até o dia em que descobriram se tratar de um indivíduo homossexual. De repente, todos os valores e qualidades daquele ente querido desapareceram, num passe de mágica, simplesmente porque sua orientação sexual revelada não "condizia com os princípios da sociedade".

 

             É neste sentido que surge uma segunda questão: o que é condizente com os princípios sociais? Matar e roubar não é condizente. Mas nosso Código Penal ampara aquele que mata para se proteger e dá como atenuante o fato de alguém roubar para sobreviver, como o roubo de alimentos, por exemplo. Então, proibir o indivíduo de matar e roubar não pode ser visto como algo perfeito, acabado e não mais discutível. Pelo contrário, surge a discussão em torno da ética humana, avaliando até que ponto algo pode ou não ser aceitável. A dúvida que prevalece é por quê matar ou roubar é aceitável, até determinado ponto, na esfera social, mas não a homossexualidade? Por quê um indivíduo que manifesta uma orientação sexual distinta da orientação dita como "natural" deve ser visto como um indivíduo à margem da sociedade? Que crime cometeu um homossexual por ter se desenvolvido como tal? Quantos excelentes médicos, advogados, artistas, estudiosos não brindaram o mundo com seu talento, mesmo sendo homossexuais, e nem por isso deixaram de ser menos humanos? Até que ponto a hipocrisia de alguns vai ditar as regras da vida em sociedade? Difícil responder nestes dias turbulentos em que a falta de informação e a ignorância ainda prevalecem no meio em que vivemos, não apenas no Brasil, mas no mundo todo.

 

             Hoje, a liberação sexual toma corpo e ganha terreno numa busca frenética para alcançar uma ordem social. Na verdade, não são os valores que estão perdidos, como pregam alguns, mas o senso de direção dos homens encontra-se alterado. Sente-se, neste fim de milênio, uma necessidade do homem se encontrar. E não é reprimindo ou liberando sua sexualidade que isso se dará, mas dar a ele a liberdade de ser o que é, realmente.

 

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Violência contra homossexuais

 

             Em 1997, o sociólogo baiano e fundador do Grupo Gay da Bahia, divulgou um triste relatório (1) sobre a situação dos homossexuais no Brasil. Este trabalho, para nossa vergonha, teve repercussão internacional e revelou o Brasil como o país que mais desrespeita os direitos dos homossexuais em todo o mundo. Segundo Luiz Mott, a cada três dias, pelo menos um gay, travesti ou lésbica é brutalmente assassinado no país. Como não existe qualquer estatística oficial, os dados apresentados pelo GGB são a única fonte de informação capaz de nos fazer encarar esta realidade de frente: o Brasil é o campeão mundial de assassinatos de homossexuais. De acordo com as estatísticas do GGB, nos últimos 20 anos foram assassinados 1661 homossexuais, com uma média de 80 homossexuais por cada ano da década de 80, subindo esta estatística para 120 por cada ano da década de 90. Em dados mais recentes, levantados pelo Grupo Gay da Bahia, foram 116 assassinatos de homossexuais, só em 1998, dos quais 73 eram gays, 36 eram travestis e 07 eram lésbicas. Os travestis são, segundo o relatório, o grupo mais visado e vulnerável. O número total de travestis no Brasil está abaixo dos 10.000 indivíduos, ainda que gays e lésbicas excedam 15 milhões, 10% da população total. A maioria dos homens homossexuais foram assassinados dentro de suas próprias casas e apartamentos, enquanto que os travestis são mortos, principalmente, nas ruas. Muitos destes crimes são cometidos com requintes de crueldade, principalmente facadas, estrangulamento e tortura do indivíduo. (grifo nosso)

 

             A violência contra minorias sexuais vem ganhando atenção crescente por parte de um grande número de setores que incluem estudiosos, ativistas, advogados e até mesmo autoridades policiais. Não deixa de ser algo curioso ver alguns (poucos, evidentemente) fiscais da lei trabalhando em prol da defesa dos homossexuais, visto que, no passado de nosso país, estas mesmas instituições e agências perseguiram as

minorias sexuais e reprimiam com violência a expressão da homossexualidade. Nada mais justo que a polícia ofereça seu rosto para bater, pois agiu contrariamente aos princípios para os quais foi institucionalizada.

 

             Evidentemente que estes casos são raros. O que realmente ocorre neste país é um total descaso por parte das autoridades no que diz respeito a proteger homossexuais da violência cruel que corre à solta. Este descaso não é nenhuma novidade quando o cenário se chama Brasil, o país da impunidade. (grifo nosso)

 

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A homossexualidade no Brasil – breve relato

 

             A violência contra homossexuais não é um problema novo na América Latina ou, no caso deste estudo, no Brasil. Quando os portugueses aqui chegaram, ficaram horrorizados com as práticas homossexuais praticadas com naturalidade entre os índios. Posteriormente, o mesmo escândalo se deu quando da chegada dos negros escravos, oriundos de tribos onde a prática homossexual era um fator cultural e aceito como algo natural. Em 1593, uma mulher brasileira chamada Felipa de Souza foi torturada pela Inquisição portuguesa, acusada de praticar lesbianismo. Colonizadores franceses que chegaram ao Maranhão em 1616 ficaram, igualmente, estupefatos quando encontraram índios tupinambás praticando atos homossexuais. Conta-se que um destes índios foi amarrado à boca de um canhão e estraçalhado pela bala em repúdio ao seu ato homossexual.

 

             Finalmente, em 1824, pouco mais de 300 anos depois da chegada dos portugueses à estas terras, que a homossexualidade deixou de ser considerada crime. Findo o jugo português, a lei brasileira prevaleceu, à luz das novas

idéias que chegavam da Europa. Infelizmente, a lei não foi o bastante para modificar a mentalidade das pessoas, fazendo parte de nossa cultura que o homossexual deve ser eliminado da vida social, herança de uma sociedade patriarcal embasada nos valores de nossos colonizadores.

 

 

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A homossexualidade e a violência

 

             O brasileiro não se sente à vontade com relação à homossexualidade, muito menos a polícia ou as autoridades investidas de poder para manter a ordem. Muitos dos que se vêem no dever de prevenir, evitar e punir a violência também temem a homossexualidade como uma espécie de ameaça. Esquecem-se de que estão agindo com seres humanos, cidadãos que pagam seus impostos, muitos deles, inclusive, uma grande força produtiva para o país. As razões para o preconceito estão na nossa herança cultural européia tipicamente secular, somadas às convicções religiosas e um curioso machismo latino, não muito saliente. É ilógico ver as mesmas pessoas que aplaudem homossexuais desfilando durante o Carnaval, por exemplo, jogando pedras contra a homossexualidade nos outros meses do ano. O brasileiro, pelo simples motivo de não deter uma personalidade cultural própria, sendo uma mistura de tantas etnias, descobre-se amigo, outras vezes hostil, aberto e outras vezes fechado para aquilo que não consegue entender em sua plenitude.

 

             Como os homossexuais vem sendo cada vez mais marginalizados no Brasil, em grande parte por causa da AIDS, estes indivíduos também se tornaram alvo das investidas dos policiais, posto que no Brasil existe um esforço conjunto para "eliminar" marginais da sociedade, como mendigos, menores de

rua, negros que praticam assaltos e, evidentemente, os homossexuais, caracterizados por alguns como "disseminadores de doenças". Em outros casos, a polícia apenas fecha os olhos para situações de violência vitimando homossexuais, um comportamento já bastante conhecido, principalmente pelos negros e pessoas menos abastadas. Existe uma idéia pré-concebida de que quando alguém mata um homossexual, praticou apenas um "serviço de limpeza" na sociedade, como se matar fosse a solução para os problemas do mundo e, pior do que isso, como se homossexuais fossem um mal passível de eliminação. O que deve ser eliminada é esta visão cruel, desumana e animalizada de algumas pessoas que vêem em seu próximo a extensão de um tipo de ódio ou revolta particular que não são capazes de resolver.

 

             Demonstrações de violência não faltam, um verdadeiro prato cheio para a mídia nacional e internacional. Recentemente, o adestrador de cães Edson Neris da Silva, de 35 anos, morreu depois de ter sido espancado por uma gangue de skinheads – conhecidos como "cabeças raspadas - na praça da República, em São Paulo. Por volta das zero horas do dia 06 de fevereiro de 2000, um grupo de 30 jovens carecas vestidos com roupas pretas se aproximou de Edson e de um amigo, Dario Pereira Netto, que estava com ele. Ao perceberem que seriam abordados pela gangue, Edson e o amigo, saíram correndo em direções opostas. Netto foi agredido, mas conseguiu escapar. Silva foi alcançado pelos skinheads. De acordo com testemunhas, a agressão contra Silva durou cerca de 20 minutos. Edson foi espancado até a morte e seu corpo foi abandonado em plena praça. A polícia conseguiu prender 18 jovens que estavam reunidos num bar, sendo 16 homens e duas mulheres, os quais foram indiciados por formação de quadrilha e como suspeitos do homicídio. Para vergonha nossa, este caso vem sendo acompanhado de perto pela comunidade internacional interessada na fiscalização da aplicação dos direitos humanos.

 

             Outro caso que vem chamando a atenção internacional é a violência sofrida por Rosana Lage Ligero e Marli José da Silva Barbosa, em Pernambuco. Em junho de 1996, depois de uma investigação aparentemente parcial, a polícia local de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, prendeu as duas mulheres que mantinham, abertamente, uma vida em comum. As duas foram acusadas de "autoras intelectuais" do assassinato da senhora Sra. Joseth Pessoa de Siqueira, acusação baseada num único testemunho - o de uma mulher que vive no mesmo prédio de Marli e Rosana - que contou à polícia que Marli e Rosana haviam pago dois homens para matarem a senhora Siqueira. A polícia solicitou uma ordem judicial para prender as mulheres, mas tal ordem foi emitida apenas dois dias depois das mulheres já estarem sob custódia policial. Nesse meio tempo, as duas foram açoitadas com um chicote de borracha e foram ameaçadas de estupro. Também foram agredidas verbalmente. De acordo com uma das vítimas, dois oficiais da polícia que participavam do interrogatório forçaram-nas a praticar sexo oral com eles a fim de "perceberem o que estavam perdendo por não praticarem sexo com homens". A polícia nominou-as como sendo "lésbicas homicidas" perante a imprensa local, e continuaram a bater nelas quando se recusaram a ser fotografadas por repórteres de jornal.

 

             Ao recusarem a assinar uma confissão escrita e pagar um suborno exigido pela polícia, as duas foram transferidos para vários centros de detenção até que foram transferidas para uma prisão onde permaneceram encarceradas durante onze meses. Embora temessem uma nova vingança por parte da polícia, as mulheres concordaram em ser examinadas pelo Instituto Médico Legal do Estado de Pernambuco, o qual confirmou os danos físicos sofridos por elas como resultado da violência policial. Após uma audiência pública, em 1997, um juiz ordenou a transferência delas para uma prisão temporária. Durante a audiência, tanto o tribunal, quanto as autoridades policiais se referiram à Marli e Rosana como "as homossexuais".

 

             Apesar destas duas mulheres nunca terem conhecido, encontrado ou falado com os outros dois acusados, senhores Paulo Fernando e José Augusto, e muito menos terem pago a eles qualquer quantia em dinheiro, as mesmas foram indiciadas como co-autoras do crime, conforme determinação da Justiça.

 

             Apesar da evidência de má conduta policial, Marli e Rosana continuam esperando uma revisão de seu caso pelo Supremo Tribunal. Em 25 de agosto de 1999, Marli e Rosana participaram de uma audiência, na Comissão Nacional de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, sendo recebidas por deputados federais que ouviram suas denúncias de tortura, discriminação, preconceito e racismo da polícia e da justiça.

 

             O caso de Marli e Rosana demonstra o grau de violência anti-homossexual praticado pela nossa polícia. Justamente aqueles que são pagos para, à princípio, salvaguardar a população, são os principais agentes na violação dos direitos humanos.

 

             O relatório de Luiz Mott, anteriormente citado, enumera, ainda, inúmeras outras formas de violência contra indivíduos homossexuais no Brasil. Além dos famoso insultos verbais, consagrados pelo lado negro da cultura popular, homossexuais são discriminados nas escolas, onde ocorre a expulsão de alunos quando se evidencia sua homossexualidade e trabalhadores perdem seus empregos por assumirem publicamente sua orientação sexual. É preciso conscientizar a população de que a Constituição Federal garante o direito de todos à dignidade e ao respeito de sua integridade física, moral e psicológica. Enquanto este país nutrir ódios e selvagerias como estes, jamais será chamado de nação justa. A causa maior de tanta hostilidade se encontra, basicamente, em nossa formação cultural, como já foi descrito. Vamos esperar que o amanhecer do século XXI renove as esperanças que temos num país mais digno e justo para se viver.

 

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Situação legal

 

             No que se refere à legislação nacional tutelando os interesses dos homossexuais, não existe nada de concreto. Salvo para militares, não existem leis proibindo a prática da homossexualidade em nosso país. O que ocorrem são leis regionais, principalmente de âmbito municipal, que protegem alguns interesses, como ocorrem em cidades no Distrito Federal, Bahia, Sergipe, Mato Grosso, São Paulo e Rio de Janeiro, proíbe-se qualquer forma de discriminação baseada na orientação sexual do indivíduo.

 

             No Congresso Nacional, um projeto de lei visando garantir alguns direitos à parceria civil entre pessoas do mesmo sexo ainda não foi votada, apesar das pressões de alguns grupos organizados interessados em sua aprovação. Se isso ocorrer, o Brasil, a exemplo de muitas nações desenvolvidas, como Holanda, Dinamarca e, recentemente, a França, se tornará um dos poucos países do mundo a institucionalizar a parceria civil entre indivíduos do mesmo sexo.

 

             Vamos torcer para que a boa vontade de nossos legisladores, não somente no que se refere à parceria civil, mas na salvaguarda de outros direitos dos homossexuais, como o direito à sua liberdade de expressão, por exemplo, ou o direito de salvaguardar seu emprego de toda forma de preconceito, sejam observados e assistidos. Assim como no caso dos negros, crianças e índios, o que ocorre é falta de interesse político, o grande mal deste país.”

 

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Íris Tavares

Deputada Estadual - PT