O Estado do
Ceará fica autorizado a oferecer transporte intermunicipal aos estudantes das
universidades e faculdades públicas cearenses.
Art. 1º. O
Estado do Ceará fica autorizado a oferecer transporte intermunicipal aos
estudantes das universidades e faculdades públicas cearenses para garantir-lhes
o acesso aos campus dessas instituições de ensino superior.
Art. 2º. O meio de transporte que trata o artigo anterior
deve atender todos os requisitos exigidos pela Lei Federal nº. 9.503/97 (Código
de Trânsito Brasileiro) para o transporte de estudantes.
Art. 3º. O Poder Executivo Estadual regulamentará a
presente Lei.
Art. 4º. A presente Lei entrará em vigor na data de sua
publicação, revogando-se as disposições que a contrariem.
SALA DAS
SESSÕES DA ASSMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, em 17 de maio de 2005.
Sineval Roque
Deputado Estadual
JUSTIFICATIVA
A princípio
cumpre indagar acerca da competência para prestação de serviço público de
transporte de estudantes de universidades públicas estaduais que não residem no
município onde se encontra instalada a universidade. Em outras palavras: qual
dos entes federados (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios)
seria responsável para instituir o serviço público de transporte intermunicipal
de universitários?
A Constituição
Federal estabelece a repartição de competências entre a União, Estados,
Distrito Federal e Municípios. Nada obstante, há que se distinguir a
competência executiva da competência legislativa. A primeira trata-se da
competência material para execução dos serviços. A outra, competência
legislativa, diz respeito à capacidade para inovar a ordem jurídica através da
criação de leis.
No tocante à competência executiva, cabe anotar que
a Constituição distribuiu os serviços em privativos e comuns. Serviços
privativos são aqueles atribuídos exclusivamente a apenas um dos entes
políticos. Já os serviços comuns, diferentemente, podem ser prestados por mais
de um dos entes federados, uma vez que existe a coincidência de interesses –
áreas comuns de atuação administrativa paralela (geral, regional e local) -
entre esses entes políticos.
Segundo o
constitucionalista Raul Machado Horta, “A competência comum condensa preceitos
e recomendações dirigidas à União, aos Estados, ao Distrito federal e aos
Municípios, traduzindo intenções programáticas do constituinte (...)
São
regras não exclusivas, não dotadas de privatividade e que deverão constituir objeto
da preocupação comum dos quatro níveis de Governo,
dentro dos recursos e das peculiaridades de cada um”. (Raul Machado Horta: Direito
Constitucional, Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 355)
Averbe-se que a
Constituição Federal, ao distribuir a competência para instituição dos serviços
públicos[1],
pelo menos os expressos, conferiu à União, privativamente, entre outros, os
elencados no art. 21, a exemplo do serviço postal, do transporte interestadual
e internacional de passageiros.
Aos municípios
reservou, privativamente, a instituição dos serviços públicos de interesse
local. “O critério do interesse local é sempre relativo ao das demais entidades
estatais. Se predomina sobre determinada matéria o interesse do município em
relação ao do estado-membro e ao da Federação, tal matéria é da competência do
Município; se seu interesse é secundário comparativamente ao das demais pessoas
político-administrativas, a matéria refoge de sua competência privativa,
passando para a que tiver interesse predominante a respeito do assunto. A
aferição, portanto, da competência municipal sobre serviços públicos locais há
de ser feita em cada caso concreto, tomando-se como elemento aferidor o
critério da predominância do interesse, e não o da exclusividade, em face das
circunstâncias de lugar, natureza e finalidade do serviço”. (Hely Lopes
Meirelles: Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 28º
ed., p. 329)
Já aos Estados-membros a Carta Magna atribuiu
a instituição dos serviços públicos remanescentes, isto é, dos serviços
públicos não reservados constitucionalmente à União e nem atribuídos aos
Municípios pelo critério do interesse local. “Por exclusão (...) cabem ao
Estado os serviços e obras que ultrapassem as divisas de um município ou afetam
interesses regionais. Pela mesma razão, compete
ao Estado-membro a realização de
serviços de interesse geral, ou de grupos ou categorias de habitantes
disseminados pelo seu território, e em relação aos quais não haja predominância
do interesse local sobre o estadual”. (Hely Lopes Meirelles: Direito
Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 28º ed., p. 328)
“Importante
assinalar a relevância do critério relativo à extensão territorial dos
interesses a serem alcançados pela prestação do serviço. De fato, tratando-se
de serviço que abranja toda a extensão territorial do país, deverá ele ser
prestado pela União. Se abranger todo o Estado, ultrapassando, pois, os
limites municipais, deve ser prestado por aquele. E aos
Municípios caberá prestar aqueles que sejam de interesse local e, portanto,
dentro dos seus limites territoriais”. (José dos Santos Carvalho Filho: Curso de
Direito Administrativo, Rio de janeiro: Lúmen Júris, 5ª ed., 1999,
p. 230)
No que pertine
a competência comum, a Constituição Federal dispõe que são comuns aos entes
políticos, os serviços estatuídos no art. 23, dentre outros, cuidar da saúde e
assistência pública, proteger documentos, obras e outros bens de valor
artísticos e proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência.
No caso
particular do serviço de educação, é imprescindível transcrever, literalmente,
os dispositivos constitucionais de distribuição de competência que lhes são
pertinentes. Assim, estabelece a Carta Magna, especificamente no art. 211, caput,
e seus §§ 1º, 2º e 3º, que:
Art. 211. A
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de
colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º. A União
organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as
instituições de ensino públicas federais...
§ 2º. Os
Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamenta (alfabetização a 4ª
Série; e 5ª a 8ª Séries) e na educação infantil (creche e pré-escola).
§ 3º. Os Estados
e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio (2ª
Grau/Científico).
Como se
observa, o serviço de ensino superior é dever da União, a educação média
(segundo grau) é obrigação dos Estados, o ensino fundamental é obrigação dos
Estados e dos Municípios, e, por fim, a educação infantil é também dever dos
Municípios.
Todavia, sendo
a educação um direito público subjetivo (individual) de todos e dever do Estado
– em consonância com a competência comum – ficam todos os entes públicos
autorizados a também atuar em áreas que, em tese, são reservadas
prioritariamente aos demais entes federados.
Assim é que,
apesar da obrigação de prestar educação superior pertencer à União, poderão os
Estado e Municípios instituírem seus próprios estabelecimentos de nível
educacional superior, como atualmente se verifica em vários estados e
municípios do Brasil.
Com efeito,
prescrevendo a Constituição que é competência comum da União, dos Estados,
Distrito Federal e Municípios “PROPORCIONAR OS MEIOS DE ACESSO À CULTURA, À EDUCAÇÃO
E À CIÊNCIA” (art. 23, V, CF/88)[2],
poder-se-ia concluir,
em princípio, que quaisquer dessas pessoas políticas
mencionadas poderiam, oferecer o serviço de transporte público para os
estudantes que moram fora do município no qual está instalada a universidade,
independentemente de ser o ente que criou a instituição superior ou que tem
prioritariamente o dever constitucional de instituí-la, como é o caso da
União.
É verdade que,
pela competência comum, no caso em exame, poderia até mesmo por um certo
cooperativismo federativo, e desde que o município dispusesse de receita extra
(ou seja, de sobra orçamentária depois de cumprida as obrigações que lhe são
impostas pela Constituição Federal, valer repetir, de prestar prioritariamente
educação infantil e fundamental), o município implementar o serviço de
transporte de estudantes universitários.
Assim, no caso
particular em análise, sendo a universidade pertencente ao poder público
estadual, cabe primeira e obrigatoriamente ao Governo Estadual, a instituição
do serviço de transporte intermunicipal dos estudantes universitário.
Nessa mesma
ordem de idéias, convém registrar que o serviço público de transporte
rodoviário interestadual e internacional de passageiros é por determinação
constitucional expressa da alçada do poder público federal (art. 21, XII, “e”).
“Simetricamente, o transporte coletivo rodoviário intermunicipal de
passageiros é serviço público estadual e o transporte municipal
é da alçada do Município; este último, aliás, está expressamente previsto no
art. 30,V”. (Celso Antônio bandeira de Mello: Curso de Direito Administrativo,
São Paulo: Malheiros, 14ª ed., 2001, p. 613)
Realmente, sendo
o transporte intermunicipal de estudantes universitários matéria que toca
diretamente o interesse de todo o Estado-membro, é forçoso concluir que
exorbita da esfera de legitimidade jurídica e política a obrigação de
instituição desse serviço pelos municípios.
“Portanto, sem
qualquer esforço exegético, vê-se que nenhuma competência legislativa tem o
município em matérias que não atinam com o interesse local, como o transporte
coletivo intermunicipal, correios e telégrafos, mesmo que realizados no
interior de seu território. Também e pela mesma razão, não lhe cabe legislar ou
mesmo prestar os serviços de polícia ostensiva e de preservação da ordem
pública. Entre os serviços municipais destacam-se os de transporte de
passageiros, por meio de ônibus ou táxis, que se realizam no interior do
território municipal, os funerários e os de cemitérios”. (Diógenes
Gasparini: Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 5ª ed., 2000, pp.
251-252)
Pelas razões expostas, é evidente que se
impõe constitucionalmente ao Estado-membro o encargo da instituição e execução do serviço de transporte entre
municípios de estudantes universitários.
Chega-se também
à conclusão acima por via de outros raciocínios lógicos.
Primeiro, veja
que - conforme o princípio constitucional implícito de que “quem quer
os fins concede os meios aptos a sua realização” - na obrigação
assumida pelo Estado-membro de oferecer ensino superior público e gratuito
estão contidos todos ônus necessários ao acesso dos estudantes à universidade.
Porquanto, em outras palavras, quem se obrigou para com um fim determinado – no
caso, prestar ensino de terceiro grau – deve obrigatória e necessariamente
fornecer todos os meios – no caso, serviço público de transporte - aptos e
apropriados para sua consecução.
Em última
análise, não soa razoável que o Governo Estadual assuma a responsabilidade de
prestar ensino superior, mas não queira arcar com as despesas de implementação
do serviço que viabilize o deslocamento dos estudantes até à universidade dos
municípios não beneficiados com instituição pública de ensino superior.
Segundo,
há que se averbar que em relação aos serviços comuns, havendo inteiramente
coincidência quanto aos aspectos da prestação, deve prevalecer o da esfera
superior por serem excludentes[3].
Destarte, em
princípio, caberia ao Estado-membro a instituição do serviço de
transporte intermunicipal de universitários, já que é um ente federal
“superior” ao Município.
De
todo o exposto, é forçoso concluir que, à luz da Constituição Federal e da
melhor doutrina publicista pátria, pertence ao Estado-membro a competência para
instituir, regulamentar e executar o serviço público de transporte de
estudantes de universidades públicas estaduais que não residem no município
onde se encontra instalada a universidade.
Há
que se anotar que o Estado do Ceará possui três universidades públicas – URCA,
UVA e UECE, responsáveis pela maior parte do ensino superior no nosso Estado.
Todavia, em
virtude da concentração dos campus dessas universidades em alguns
municípios cearenses, uma parte significativa do corpo discente tem que se
deslocar diariamente de suas cidades para os municípios onde estão instaladas
essas universidades.
Saliente-se que
em muitos casos a distância que separa a residência dos universitários da
cidade na qual estudam dista de mais de 200 quilômetros, fato que inviabiliza o
início e/ou continuidade do curso, principalmente pelo dispêndio financeiro
exigido para viabilizar o deslocamento deles até à universidade.
Em razão dessa
problemática, faz-se mister que o Estado do Ceará disponibilize transporte
intermunicipal para os estudantes universitários, de sorte que o fator
distância não seja um empecilho para concretização do grande sonho de concluir
um curso de nível superior.
Finalmente, em virtude do alto teor de
importância da matéria para o aperfeiçoamento do ensino superior público no
nosso Estado, é que rogamos aos nossos Pares o necessário apoio para aprovação
deste presente Projeto de Indicação.
SALA DAS SESSÕES DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO
DO CEARÁ,
em 17 de maio de 2005.
Deputado Estadual
[1] Lembre-se de que a entidade política que tem a competência para instituir o serviço público também tem para regulamentá-lo e executá-lo. Assim sendo, qualquer interferência de uma das entidades políticas na competência para instituir, regulamentar e executar os serviços públicos de outra será inconstitucional.
[2]
Lembra Celso Antônio Bandeira de Mello que “muitos serviços públicos serão da
alçada exclusiva de Estados, Distrito federal ou dos municípios, assim como
outros serão comuns à União e a estas diversas pessoas. Por exemplo:
...‘proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência’”. (Celso Antônio
bandeira de Mello: Curso de Direito Administrativo, São Paulo:
Malheiros, 14ª ed., 2001, p. 613)
[3] Cf. Hely Lopes Meirelles apud José dos Santos Carvalho Filho: Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 5ª ed., 1999, nota de rodapé nº. 12, p. 230.