PROJETO DE INDICAÇÃO Nº. 31 /2005

 

 

O Estado do Ceará fica autorizado a oferecer transporte intermunicipal aos estudantes das universidades e faculdades públicas cearenses.

 

 

Art. 1º. O Estado do Ceará fica autorizado a oferecer transporte intermunicipal aos estudantes das universidades e faculdades públicas cearenses para garantir-lhes o acesso aos campus dessas instituições de ensino superior.

 

Art. 2º. O meio de transporte que trata o artigo anterior deve atender todos os requisitos exigidos pela Lei Federal nº. 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) para o transporte de estudantes. 

 

Art. 3º. O Poder Executivo Estadual regulamentará a presente Lei.

 

Art. 4º. A presente Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições que a contrariem.

 

 

SALA DAS SESSÕES DA ASSMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, em 17 de maio de 2005.

 

 

Sineval Roque

Deputado Estadual

 

 

 

 

 

JUSTIFICATIVA

 

 

DA COMPETÊNCIA

 

A princípio cumpre indagar acerca da competência para prestação de serviço público de transporte de estudantes de universidades públicas estaduais que não residem no município onde se encontra instalada a universidade. Em outras palavras: qual dos entes federados (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) seria responsável para instituir o serviço público de transporte intermunicipal de universitários?

 

A Constituição Federal estabelece a repartição de competências entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Nada obstante, há que se distinguir a competência executiva da competência legislativa. A primeira trata-se da competência material para execução dos serviços. A outra, competência legislativa, diz respeito à capacidade para inovar a ordem jurídica através da criação de leis.

 

No tocante à competência executiva, cabe anotar que a Constituição distribuiu os serviços em privativos e comuns. Serviços privativos são aqueles atribuídos exclusivamente a apenas um dos entes políticos. Já os serviços comuns, diferentemente, podem ser prestados por mais de um dos entes federados, uma vez que existe a coincidência de interesses – áreas comuns de atuação administrativa paralela (geral, regional e local) - entre esses entes políticos.

 

Segundo o constitucionalista Raul Machado Horta, “A competência comum condensa preceitos e recomendações dirigidas à União, aos Estados, ao Distrito federal e aos Municípios, traduzindo intenções programáticas do constituinte (...) São regras não exclusivas, não dotadas de privatividade e que deverão constituir objeto da preocupação comum dos quatro níveis de Governo,

 

dentro dos recursos e das peculiaridades de cada um”. (Raul Machado Horta: Direito Constitucional, Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 355)

 

Averbe-se que a Constituição Federal, ao distribuir a competência para instituição dos serviços públicos[1], pelo menos os expressos, conferiu à União, privativamente, entre outros, os elencados no art. 21, a exemplo do serviço postal, do transporte interestadual e internacional de passageiros.

 

Aos municípios reservou, privativamente, a instituição dos serviços públicos de interesse local. “O critério do interesse local é sempre relativo ao das demais entidades estatais. Se predomina sobre determinada matéria o interesse do município em relação ao do estado-membro e ao da Federação, tal matéria é da competência do Município; se seu interesse é secundário comparativamente ao das demais pessoas político-administrativas, a matéria refoge de sua competência privativa, passando para a que tiver interesse predominante a respeito do assunto. A aferição, portanto, da competência municipal sobre serviços públicos locais há de ser feita em cada caso concreto, tomando-se como elemento aferidor o critério da predominância do interesse, e não o da exclusividade, em face das circunstâncias de lugar, natureza e finalidade do serviço”. (Hely Lopes Meirelles: Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 28º ed., p. 329)

 

 Já aos Estados-membros a Carta Magna atribuiu a instituição dos serviços públicos remanescentes, isto é, dos serviços públicos não reservados constitucionalmente à União e nem atribuídos aos Municípios pelo critério do interesse local. “Por exclusão (...) cabem ao Estado os serviços e obras que ultrapassem as divisas de um município ou afetam interesses regionais. Pela mesma razão, compete

 

ao Estado-membro a realização de serviços de interesse geral, ou de grupos ou categorias de habitantes disseminados pelo seu território, e em relação aos quais não haja predominância do interesse local sobre o estadual”. (Hely Lopes Meirelles: Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 28º ed., p. 328)

 

“Importante assinalar a relevância do critério relativo à extensão territorial dos interesses a serem alcançados pela prestação do serviço. De fato, tratando-se de serviço que abranja toda a extensão territorial do país, deverá ele ser prestado pela União. Se abranger todo o Estado, ultrapassando, pois, os limites municipais, deve ser prestado por aquele. E aos Municípios caberá prestar aqueles que sejam de interesse local e, portanto, dentro dos seus limites territoriais”. (José dos Santos Carvalho Filho: Curso de Direito Administrativo, Rio de janeiro: Lúmen Júris, 5ª ed., 1999, p. 230)

 

No que pertine a competência comum, a Constituição Federal dispõe que são comuns aos entes políticos, os serviços estatuídos no art. 23, dentre outros, cuidar da saúde e assistência pública, proteger documentos, obras e outros bens de valor artísticos e proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência.

 

No caso particular do serviço de educação, é imprescindível transcrever, literalmente, os dispositivos constitucionais de distribuição de competência que lhes são pertinentes. Assim, estabelece a Carta Magna, especificamente no art. 211, caput, e seus §§ 1º, 2º e 3º, que:

 

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.

 

§ 1º. A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais...

 

§ 2º. Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamenta (alfabetização a 4ª Série; e 5ª a 8ª Séries) e na educação infantil (creche e pré-escola).

 

§ 3º. Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio (2ª Grau/Científico).

 

Como se observa, o serviço de ensino superior é dever da União, a educação média (segundo grau) é obrigação dos Estados, o ensino fundamental é obrigação dos Estados e dos Municípios, e, por fim, a educação infantil é também dever dos Municípios.

 

Todavia, sendo a educação um direito público subjetivo (individual) de todos e dever do Estado – em consonância com a competência comum – ficam todos os entes públicos autorizados a também atuar em áreas que, em tese, são reservadas prioritariamente aos demais entes federados.

 

Assim é que, apesar da obrigação de prestar educação superior pertencer à União, poderão os Estado e Municípios instituírem seus próprios estabelecimentos de nível educacional superior, como atualmente se verifica em vários estados e municípios do Brasil.

 

Com efeito, prescrevendo a Constituição que é competência comum da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios “PROPORCIONAR OS MEIOS DE ACESSO À CULTURA, À EDUCAÇÃO E À CIÊNCIA” (art. 23, V, CF/88)[2], poder-se-ia concluir,

 

em princípio, que quaisquer dessas pessoas políticas mencionadas poderiam, oferecer o serviço de transporte público para os estudantes que moram fora do município no qual está instalada a universidade, independentemente de ser o ente que criou a instituição superior ou que tem prioritariamente o dever constitucional de instituí-la, como é o caso da União. 

 

É verdade que, pela competência comum, no caso em exame, poderia até mesmo por um certo cooperativismo federativo, e desde que o município dispusesse de receita extra (ou seja, de sobra orçamentária depois de cumprida as obrigações que lhe são impostas pela Constituição Federal, valer repetir, de prestar prioritariamente educação infantil e fundamental), o município implementar o serviço de transporte de estudantes universitários.

 

Assim, no caso particular em análise, sendo a universidade pertencente ao poder público estadual, cabe primeira e obrigatoriamente ao Governo Estadual, a instituição do serviço de transporte intermunicipal dos estudantes universitário.

 

Nessa mesma ordem de idéias, convém registrar que o serviço público de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros é por determinação constitucional expressa da alçada do poder público federal (art. 21, XII, “e”). “Simetricamente, o transporte coletivo rodoviário intermunicipal de passageiros é serviço público estadual e o transporte municipal é da alçada do Município; este último, aliás, está expressamente previsto no art. 30,V”. (Celso Antônio bandeira de Mello: Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 14ª ed., 2001, p. 613)

 

Realmente, sendo o transporte intermunicipal de estudantes universitários matéria que toca diretamente o interesse de todo o Estado-membro, é forçoso concluir que exorbita da esfera de legitimidade jurídica e política a obrigação de instituição desse serviço pelos municípios.

 

“Portanto, sem qualquer esforço exegético, vê-se que nenhuma competência legislativa tem o município em matérias que não atinam com o interesse local, como o transporte coletivo intermunicipal, correios e telégrafos, mesmo que realizados no interior de seu território. Também e pela mesma razão, não lhe cabe legislar ou mesmo prestar os serviços de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública. Entre os serviços municipais destacam-se os de transporte de passageiros, por meio de ônibus ou táxis, que se realizam no interior do território municipal, os funerários e os de cemitérios”. (Diógenes Gasparini: Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 5ª ed., 2000, pp. 251-252)

 

  Pelas razões expostas, é evidente que se impõe constitucionalmente ao Estado-membro o encargo da instituição e  execução do serviço de transporte entre municípios de estudantes universitários.

 

Chega-se também à conclusão acima por via de outros raciocínios lógicos.

 

Primeiro, veja que - conforme o princípio constitucional implícito de que “quem quer os fins concede os meios aptos a sua realização” - na obrigação assumida pelo Estado-membro de oferecer ensino superior público e gratuito estão contidos todos ônus necessários ao acesso dos estudantes à universidade. Porquanto, em outras palavras, quem se obrigou para com um fim determinado – no caso, prestar ensino de terceiro grau – deve obrigatória e necessariamente fornecer todos os meios – no caso, serviço público de transporte - aptos e apropriados para sua consecução.

 

Em última análise, não soa razoável que o Governo Estadual assuma a responsabilidade de prestar ensino superior, mas não queira arcar com as despesas de implementação do serviço que viabilize o deslocamento dos estudantes até à universidade dos municípios não beneficiados com instituição pública de ensino superior.

 

         Segundo, há que se averbar que em relação aos serviços comuns, havendo inteiramente coincidência quanto aos aspectos da prestação, deve prevalecer o da esfera superior por serem excludentes[3]. Destarte, em princípio, caberia ao Estado-membro a instituição do serviço de transporte intermunicipal de universitários, já que é um ente federal “superior” ao Município. 

 

         De todo o exposto, é forçoso concluir que, à luz da Constituição Federal e da melhor doutrina publicista pátria, pertence ao Estado-membro a competência para instituir, regulamentar e executar o serviço público de transporte de estudantes de universidades públicas estaduais que não residem no município onde se encontra instalada a universidade.

 

 

DO MÉRITO

 

        

         Há que se anotar que o Estado do Ceará possui três universidades públicas – URCA, UVA e UECE, responsáveis pela maior parte do ensino superior no nosso Estado.

 

Todavia, em virtude da concentração dos campus dessas universidades em alguns municípios cearenses, uma parte significativa do corpo discente tem que se deslocar diariamente de suas cidades para os municípios onde estão instaladas essas universidades.

 

Saliente-se que em muitos casos a distância que separa a residência dos universitários da cidade na qual estudam dista de mais de 200 quilômetros, fato que inviabiliza o início e/ou continuidade do curso, principalmente pelo dispêndio financeiro exigido para viabilizar o deslocamento deles até à universidade.

 

Em razão dessa problemática, faz-se mister que o Estado do Ceará disponibilize transporte intermunicipal para os estudantes universitários, de sorte que o fator distância não seja um empecilho para concretização do grande sonho de concluir um curso de nível superior.

 

  Finalmente, em virtude do alto teor de importância da matéria para o aperfeiçoamento do ensino superior público no nosso Estado, é que rogamos aos nossos Pares o necessário apoio para aprovação deste presente Projeto de Indicação.

 

 

 

SALA DAS SESSÕES DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, em 17 de maio de 2005.

 

 

Sineval Roque

Deputado Estadual

 



[1] Lembre-se de que a entidade política que tem a competência para instituir o serviço público também tem para regulamentá-lo e executá-lo. Assim sendo, qualquer interferência de uma das entidades políticas na competência para instituir, regulamentar e executar os serviços públicos de outra será  inconstitucional.

[2] Lembra Celso Antônio Bandeira de Mello que “muitos serviços públicos serão da alçada exclusiva de Estados, Distrito federal ou dos municípios, assim como outros serão comuns à União e a estas diversas pessoas. Por exemplo: ...‘proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência’”. (Celso Antônio bandeira de Mello: Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 14ª ed., 2001, p. 613)

 

[3] Cf. Hely Lopes Meirelles apud José dos Santos Carvalho Filho: Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 5ª ed., 1999, nota de rodapé nº. 12, p. 230.