PROJETO INDICATIVO DE LEI Nº_25/2003
"INSTITUI O PROGRAMA DE APROVEITAMENTO DE ALIMENTOS NÃO CONSUMIDOS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS"
A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º. - Fica instituído o Programa de Aproveitamento de Alimentos não Consumidos, coordenado pelo Governo do Estado do Ceará, por órgão indicado para este fim, com o objetivo de fomentar a atividade de captação e distribuição de alimentos, diretamente ou por meio de entidades previamente cadastradas, conforme disposto na lei, às pessoas, aos grupos ou às famílias em estado de vulnerabilidade nutricional.
Parágrafo único – O programa terá como objetivo arrecadar junto às indústrias, às cozinhas industriais, aos restaurantes, aos mercados, às feiras, aos sacolões ou assemelhados, alimentos, industrializados ou não, preparados ou não, que, por qualquer razão, tenham perdido sua condição de comercialização, sem terem sido alteradas as propriedades que garantam condições plenas e seguras para o consumo humano, segundo o órgão estadual competente.
Art. 2º. - A coleta e a distribuição dos alimentos doados deverão ocorrer em condições adequadas e devidamente autorizadas pela autoridade sanitária estadual ou municipal, mediante solicitação do doador.
Parágrafo único – Poderão habilitar-se como doadores pessoas físicas ou jurídicas, responsáveis pelos estabelecimentos referidos no artigo anterior.
Art. 3º. - A coleta e a distribuição dos alimentos aos beneficiários, previstas no art, 1º., ocorrerão por meio de instituições públicas ou privadas sem
fins lucrativos, previamente cadastradas, conforme critérios a serem definidos pelo Poder Executivo.
Parágrafo único – As Instituições públicas ou privadas que promoverem a coleta e a distribuição de alimentos deverão informar periodicamente o número de pessoas e famílias atendidas com as doações, preservando a identidade das pessoas físicas beneficiadas.
Art. 4º. - O Poder Executivo fomentará o Programa, buscando racionalizar a coleta e a distribuição, devendo incentivar as ações previstas nesta lei nos municípios do Estado, que serão responsáveis pela sua execução.
Parágrafo único – O Poder Executivo poderá celebrar convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres com órgãos e entidades públicas ou privadas, objetivando a operacionalização das ações previstas nesta lei.
Art. 5º. - O Poder Executivo deverá promover campanhas de esclarecimento e estímulo à doação, à redução de desperdício, ao aproveitamento integral de alimentos e às demais atividades de educação para o consumo.
Art. 6º. - O Poder Executivo regulamentará a presente lei no prazo de 30(trinta) dias a partir da data de sua publicação. .
Art. 7º. - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 8º. - Revogam-se as disposições em contrário.
PAÇO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ,EM 22 DE MAIO DE 2003.
DEPUTADO FRANCISCO CAMINHA
LIDER DO PHS
J U S T I F I C A T I V A
"O Direito à alimentação é um direito humano básico. Sem ele, não podemos discutir os outros. Sem uma alimentação adequada, tanto do ponto de vista de quantidade como de qualidade, não há o direito à vida. Sem uma alimentação adequada, não há o direito à humanidade, entendida aqui como direito de acesso à riqueza material, cultura, científica e espiritual produzida pela espécie humana." (Flávio Valente, Coordenador – Geral da ÁGORA – Segurança Alimentar e Cidadania)
O projeto de lei que ora apresentamos objetiva criar o Programa de Aproveitamento de Alimentos não Consumidos. Deve-se, neste contexto, considerar que a promoção da saúde e da assistência social é competência do Estado, conforme prevê a Constituição Federal.
O projeto de lei que estamos apresentando estabelece critérios mínimos para a garantia da qualidade dos alimentos a serem consumidos, observando exigências de vigilância sanitária, bem como a ampliação das doações, a partir da maior segurança para os doadores.
Ao mesmo tempo, para a solução do problema da fome, nessecita-se de uma reorientação do projeto de desenvolvimento do Estado, objetivando uma melhor aplicação de recursos que são naturalmente desperdiçados pela população, o que pode se tornar expressivo na área social, com a intermediação estatal, e ações indispensável à construção da cidadania.
A fome exige um compromisso urgente de todos, governo e sociedade, além da doação de políticas e estratégias para erradicação da pobreza global. E o conceito de segurança alimentar a nutricional pressupõe tudo isso, a começar pela garantia do direito à alimentação. Esse compromisso foi firmado pela Cúpula Mundial da Alimentação, realizada em Roma, em 1996. Na ocasião, ficou estabelecido como meta que até 2015 esse número de 800milhões de famintos no mundo seja reduzido à metade.
O Brasil elaborou seu próprio conceito na I Conferência Nacional de Segurança Alimentar, realizada em julho de 1994. Esse conceito presume garantia de acesso aos alimentos para todas as pessoas, todos os dias, em quantidade suficientes (incluindo lipídios, proteínas e micronutrientes) para assegurar uma vida ativa e saudável. Tudo isso em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana.
Nós, brasileiros, perdemos mais de R$ 12.000.000.000.00 por ano com o desperdício de alimentos. Os supermercados jogam fora milhões de toneladas de alimentos por ano. Nas feiras livres toneladas de alimentos vão para o lixo todos os dias. Um quarto de toda produção nacional de frutas, verduras e legumes não são aproveitados. Todo esse desperdício daria para alimentar mais de 30 milhões de pessoas durante um ano. Quase o suficiente para acabar com a fome no Brasil: mais de 32 milhões de brasileiros vivem em situação de miséria, sem uma alimentação adequada. Mais de 3 milhões de criança não têm comida suficiente.
Segundo o relator das Nações Unidas para a alimentação, Jean Ziegler, cinquenta e seis milhões de pessoas passam fome no Brasil. Para o Partido Trabalhista, são quarenta e seis milhões. Para o ex-presidente FHC, são vinte e dois milhões.
Estes números ganharam importância depois que o Presidente Lula elegeu o combate a fome como prioridade de sua administração.
Estima-se que uma média de 30% de tudo o que se produz em solo brasileiro deixa de ser aproveitado devido a uma série de danos que os produtos sofrem ao longo da cadeia produtiva. Os problemas começam nas plantações e prosseguem nas gôndolas dos supermercados, barracas das feiras livres e até nas residências. É no varejo que o desperdício fica mais visível.
São milhões de toneladas de alimento sem bom estado que deveriam estar na mesa do consumidor mas vão parar no lixo. Tudo o que é jogado fora por ano equivale a 1,4% do Produto Interno Bruto – PIB. A estimativa foi feita em 1992, por iniciativa da Coordenadoria de Abastecimento da Secretária de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Apesar das mudanças e das melhorias ocorridas no setor agrícola, principalmente a partir da criação de programas voltados para a redução das perdas, a porcentagem de 1,4% do PIB teima em manter-se.
Há diariamente perdas nacionais na área de frutas, legumes e verduras: 23%. De uma produção estimada em 55 milhões de toneladas por ano, cerca de 13 milhões de toneladas de produtos hortifrutícolas não chegam à mesa dos consumidores. O nível aceitável de perda para esse tipo de produto é de 7% a 9%.
Por sua própria natureza, frutas e legumes perdem o viço muito rapidamente. Se a aparência não agrada, os produtos não servem para comercialização. E encalham não só nos centros de abastecimento, mas também nos supermercado e nas feiras livres, mesmo estando perfeitos para o consumo.
Isso também vale para os demais gêneros alimentícios. Biscoitos quebrados, pacotes violados, iogurtes e queijos com o prazo de validade prestes a vencer têm o mesmo destino. E esses são apenas alguns exemplos de desperdícios. Grandes quantidades de alimentos em bom estado são descartadas pelos comerciantes sempre que é preciso dar lugar a novos estoques de mercadorias. Resultado: se ninguém aproveita, esses alimentos vão parar no lixo.
Os alimentos não estão nos campos, mas aqui, próximo aos indivíduos. É uma colheita urbana, diretamente dos comerciantes para as mesas.
Diversas creches e instituições do nosso Estado recebem hoje legumes e verduras advindas de doações sem programa.
É uma questão de solidariedade, e acreditamos que, a partir daí, da solidariedade, poderemos resgatar de fato alguns valores que são essenciais no mundo de hoje, sobretudo a dimensão da humanidade.
A idéia do reaproveitamento dos alimentos surgiu no Brasil, em 1992 e 1993, com o Betinho, o saudoso Betinho, mineiro de Bocaiúva, irmão do Henfil. Foi ele que começou a lançar para o País a preocupação com a fome e o desperdício.
Como exemplo, podemos citar o Município de São Paulo pois lá são mais de 89 empresas e 156 instituições participando de um programa de arrecadação e doação de alimentos, com quase 26 mil pessoas atendidas nessas instituições.
Tendo como inspiração a campanha do sociólogo Betinho contra a fome, e com o programa do nosso Governo Federal com "fome zero", o Estado do Ceará partirá na frente alimentando centenas de pessoas que passam fome e que estão em situação de miséria.
Este programa pode complementar as refeições em orfanatos, asilos e associações beneficentes cadastradas.
Este Projeto de Lei pode viabilizar parcerias entre quem doa e quem recebe.
A situação de desperdício de alimentos não é muito diferente nos demais países do mundo. As estatísticas da pobreza, nos Estados Unidos, apontam aproximadamente 30 milhões de americanos que não se alimentam regularmente nem adequadamente. Destes, 13,6 milhões são crianças menores de 12 anos. Mas, nesse país, o número de programas de combate à fome – vinculados à redução do desperdício – não pára de se multiplicar. Hoje, nos EUA, existem inúmeras entidades comprometidas com a alimentação de quem não tem acesso aos alimentos. Essas organizações dão suporte a milhares de agências
filantrópicas espalhadas por todos os cantos do País, que desenvolvem programas de alimentação. Os bancos de alimentos funcionam como centros de distribuição de alimentos e de produtos secos e molhados. São grandes armazéns, equipados com câmaras frigoríficas, empilhadeiras e veículos refrigerados para conservar melhor os alimentos. Além disso, contam com um suporte administrativo informatizado e muito bem – estruturado. Ali, são estocadas as grandes doações feitas por empresas do ramo alimentício de todo o país. No início, seus estoques limitavam-se a mercadorias enlatadas e gêneros secos, até mesmo fraldas, produtos de limpeza e medicamentos. Atualmente, muitos desses bancos já trabalham com alimentos perecíveis e preparados, e alguns até recebem doações de produtos de higiene pessoal.
A experiência dos bancos de alimentos já está disseminada em vários países. Existem organizações na Bélgica, na Espanha, na França, na Grécia, na Irlanda, em Israel, na Itália, no México, na Polônia, em Portugal, na República Tcheca e na Rússia. O Banco Alimentar de Lisboa, inspirado no modelo francês, tem sua estrutura formada basicamente pelo trabalho voluntário. Aceita doações de todos os tipos, de leite e maionese, de salmão a molhos, passando por frutas, legumes e até sorvetes. Os alimentos são distribuídos a instituições que fornecem refeições gratuitas ou doam alimentos em cestas básicas.
A fome no nosso povo provoca danos irreversíveis.
Os dados alarmantes sobre a fome nos obrigam a ações enérgicas e urgentes. Se não tomamos medidas rápidas para melhorar a alimentação de nossas crianças, nada adiantará todo o esforço despedido com educação, transportes, moradia, etc.
Pelo exposto, devido ao grande alcance social da medida, contamos com o apoio dos nobres pares para sua aprovação, esperando que, com esta contribuição do Legislativo Cearense, com o apoio Executivo e de todos os demais entes da sociedade, possamos minorar em pouco o sofrimento humano em nosso Estado.
Fortaleza, Ce., 22 de maio de 2003.
DEPUTADO FRANCISCO CAMINHA
LIDER DO PHS