PROJETO DE LEI 18.07

 

 

“ Proíbe, em qualquer situação, a exigência de depósito prévio de qualquer natureza para internamento de doente em Hospitais, Casas de Saúde e Clínicas da rede privada do Estado do Ceará, seja ou não o mesmo detentor de plano ou seguro de saúde, e dá outras providências.” 

 

 

 

A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ

 

DECRETA:

 

 

 

Art. 1°. Fica proibida, em qualquer situação, a exigência de depósito prévio de qualquer natureza para internamento de doente em Hospitais, Casas de Saúde e Clínicas da rede privada do Estado do Ceará, seja ou não o mesmo detentor de plano ou seguro de saúde.
 
Art. 2°. Na hipótese de descumprimento do disposto no art.1°, o hospital, a Casa de Saúde ou a Clínica ficam obrigados a:
 
I - devolver o valor depositado, em dobro, ao depositante;
 
II - pagar, a título de multa, valor equivalente ao estabelecido no  inciso  I  ao Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor,  consoante o disposto nos arts. 31 e 32, da Lei Complementar Estadual n° 30, de 26.07.2002.
 
Parágrafo único - Em caso de reincidência, a multa a que se refere o inciso II deste artigo será de 10 (dez) vezes o valor exigido para fins de depósito prévio.
 
Art. 3° - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
 
Art. 4° - Revogam-se as disposições em contrário.

 

 

PLENÁRIO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, 14 de Fevereiro de 2007.

 

 

Carlomano Marques

Deputado Estadual

PMDB

 

 

 

JUSTIFICATIVA

 

 

 

A exigência de depósito prévio, para internamento em Hospitais, Casas de Saúde e Clínicas da rede privada tem-se constituído numa forma concreta e imoral de violação do direito à vida, gerando várias situações que configuram omissão de socorro, sendo, inclusive, rechaçada pela Resolução Normativa n° 44, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), de 24 de julho do ano de 2003, que estabelece apenas normas gerais, falecendo o Estado do Ceará, nesse aspecto, de uma legislação que discipline especificamente a matéria.
 
Ademais, o projeto em discussão insere – se no âmbito da competência legislativa concorrente, reconhecida ao Estado do Ceará como entidade federativa, ex vi art. 24, V, § 2°, da Magna Carta, na medida em que visa a coibir a prática abusiva em relação de consumo.

A Constituição Federal reservou um lugar de destaque para a saúde pública, tratando-a como um direito fundamental. Diz o artigo 196 - "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
Evidente que isso é um sonho inatingível. A rede hospitalar brasileira não tem condições de atender, de forma digna e humana, todos que dela necessitam , especialmente os pacientes advindos do SUS (Sistema Único de Saúde).

As ações e os serviços de saúde podem ser prestados pelo poder público, diretamente, pelo particular conveniado ou contratado pelo SUS (Sistema único de Saúde) e, ainda, pelo particular sem relação com o SUS. Nos dois primeiros casos, o serviço prestado é, por força  constitucional, gratuito. Já no último, o serviço prestado pelo particular é cobrado, uma vez que se trata de relação jurídica privada entre o paciente e o hospital, ou seja, RELAÇÃO DE CONSUMO.

O consumidor, aliás, desde muito já discute a ilegalidade dessa exigência (caução), utilizando o CDC - Lei 8078/90 - (arts. 46 e 47), mas as entidades hospitalares, Casas de Saúde e Clínicas particulares não deixam de utilizar essa prática, apesar da boa doutrina entender ser nula a avença precedida de exigência de remuneração para prestação de auxilio a quem esteja em estado de necessidade.

A fim de comprovar em definitivo a ilegalidade da exigência do depósito prévio pelas instituições hospitalares privadas, não é outra a interpretação do art. 156°, do novo Código Civil Pátrio, que trouxe à nova ordem jurídica das relações privadas o instituto do “estado de Perigo ”, que dispõe: “ Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa ”.  No caso noticiado, o estado de perigo é o temor de graves danos à saúde e premida necessidade de salvar a vida de si próprio ou de parente. É nesse momento que compele a pessoa concluir e celebrar negócio jurídico, como emissão de cheque, ou assinatura de uma nota promissória, em favor do hospital ou clinica médica, a titulo de caução depósito, diante da emergência ou urgência do internamento hospitalar.

Isso vicia o negócio jurídico, por não ser uma declaração de livre e espontânea vontade, e a oferta de quem se encontra em estado de perigo não vincula, pois a manifestação da vontade, nesse caso, é defeituosa, porque não atende a função econômica e social do contrato (arts. 421 e 2035 do Novo Cód. Civil Brasileiro).

Com essa disposição normativa, a partir de então, está patente a ilegalidade da exigência de depósito caução para internação hospitalar de emergência ou urgência, e não depende mais da declaração judicial. Agora, em casos de desobediência a essa Resolução Normativa 44 da ANS, a entidade hospitalar exigente da caução, além de não receber o valor caucionado, face o instituto previsto no artigo 156° do Código Civil vigente, poderá sofrer demandas judiciais para reparar danos materiais e morais que essas exigências vierem ocasionar.

A propositura, sem gasto de raciocínio, revela-se importante no cenário social, uma vez que facilita o acesso dos cidadãos ao atendimento médico-hospitalar, dando guarida aos interesses de um consumidor muito  especial, beneficiário de serviços por sua natureza vitais para o desenvolvimento humano.
 
Por isto, a exigência de depósito prévio para permitir a internação de doentes é algo que beira a desumanidade. A saúde é direito de todos e dever do Estado, norma constitucional que sequer deveria necessitar de positivação para valer como um dos fundamentos da ordem jurídica nacional.  Afinal, negar a internação de um doente em situação de gravidade, por falta de depósito prévio, é uma atitude que ofende os mais elementares princípios de justiça social e que, além do mais, aproxima-se, em muito, da omissão de socorro, delito capitulado no art. 135, do Código Penal brasileiro.
 
Infelizmente, esta é a realidade. Com espantosa frieza proíbe-se, em alguns hospitais, casas de saúde e clínicas privadas, independentemente do estado do enfermo, a sua internação. Não é com base numa lógica econômica vil e perversa que o atendimento à saúde deve se basear. Determinadas atividades, em razão de seu profundo caráter social, devem ter suas finalidades econômicas relativizadas. A saúde é caso exemplar.
 
Além de tudo, não custa lembrar que o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90) estabelece que são nulas, de pleno  direito, cláusulas que criem obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o   consumidor  em  desvantagem  exagerada ou  sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.
 
Indubitavelmente, o projeto em exame traduz princípios e diretrizes jurídicas do mais elevado alcance, uma vez que visa a coibir, de forma bem direta e eficaz, essa desprezível prática ainda em vigor em muitos hospitais, casas de saúde e clínicas particulares alencarinas e que merece ser banida, com a máxima urgência, do cotidiano social, a fim de demonstrar que esse Poder Legislativa Estadual não compactua com situações dessa natureza.
 

PLENÁRIO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, 14 de Fevereiro de 2007.

 

 

Carlomano Marques

Deputado Estadual

PMDB