PROJETO DE LEI N.° 96/2023
“DISPÕE SOBRE A IMPLANTAÇÃO DE MEDIDAS DE INFORMAÇÃO À GESTANTE E À PARTURIENTE SOBRE A POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO OBSTÉTRICA E NEONATAL, VISANDO À PROTEÇÃO DELAS CONTRA A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO ÂMBITO DO ESTADO DO CEARÁ, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.”
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ RESOLVE:
Art. 1º A presente Lei tem por objetivo a divulgação da Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, no Estado do Ceará, visando à proteção das gestantes e das parturientes contra a violência obstétrica.
Art. 2º Considera-se violência obstétrica todo ato praticado por profissionais de medicina, pela equipe do hospital, da maternidade, da casa de parto, das unidades de saúde e congêneres, por um familiar ou acompanhante que ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres durante a gestação, o trabalho de parto ou o pós-parto.
Parágrafo único. As mulheres em situação de abortamento espontâneo ou nas hipóteses previstas em lei também são público beneficiário desta Lei.
Art. 3º Para efeitos da presente Lei, considera-se ofensa verbal ou física, dentre outras, as seguintes condutas:
I – Recusar atendimento de parto, haja vista este ser uma emergência médica;
II – Tratar a gestante ou a parturiente de forma agressiva, não empática, grosseira ou de qualquer outra forma que a faça sentir-se mal pelo tratamento recebido;
III – Tratar a gestante ou a parturiente com preconceito ou discriminação por questão de classe, etnia, credo, religião, orientação sexual, idade e estado civil ou recusar-se a atendê-las por alguma dessas questões;
IV – Recriminar a parturiente por qualquer comportamento, como gritar, gemer, chorar, expressar medo, insegurança, vergonha ou dúvidas, bem como por características ou ato físico, por exemplo, obesidade, evacuações, dentre outros;
V – Realizar procedimentos incidentes sobre o corpo da mulher que interfiram ou causem dor ou dano físico, com o intuito de acelerar o parto por conveniência médica;
VI - Submeter a mulher a procedimentos, como episiotomia e uso de ocitocina, os quais só devem ser feitos em última hipótese, sem a devida e clara comunicação a ela e/ou acompanhante;
VII – Induzir a gestante ou parturiente a realização de cirurgia cesárea, quando esta não se faz necessária ou quando não pretendida pela mulher, fazendo uso de riscos imaginários ou hipotéticos não comprovados e sem a devida explicação dos riscos a que são submetidos ela e o recém-nascido;
VIII – Submeter a mulher a procedimentos dolorosos, desnecessários ou humilhantes;
IX – Impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua preferência antes, durante e após o trabalho de parto;
X – Opor-se a aplicar anestesia quando na parturiente, quando esta assim o requerer;
XI – Recusar-se a responder às perguntas feitas pela mulher;
XII – Manter algemadas as detentas em trabalho de parto;
XIII – Fazer qualquer procedimento sem, previamente, pedir permissão ou explicar, com palavras simples, a necessidade do que está sendo oferecido ou recomendado;
XIV – Após o trabalho de parto, demorar, injustificadamente, para acomodar a mulher no quarto;
XV – Retirar da mulher, depois do parto, o direito de ter o bebê ao seu lado e de amamentar em livre demanda, salvo se pelo menos um deles, mulher ou bebê, necessitar de cuidados especiais;
XVI – Promover a transferência de internação da gestante ou parturiente sem a análise e a confirmação prévia de haver vaga e garantia de atendimento, bem como tempo suficiente para que ela chegue ao local;
XVII – Obstar ao pai do bebê o livre acesso para acompanhar a parturiente e o bebê a qualquer hora do dia;
XVIII – Submeter a mulher e/ou o bebê a procedimentos feitos exclusivamente para treinar estudantes;
XIX – Submeter o bebê saudável à aspiração de rotina, injeções ou procedimentos na primeira hora de vida, sem que antes tenha sido colocado em contato com a mãe;
XX – Não informar a mulher, com mais de 25 (vinte e cinco) anos ou com mais de 2 (dois) filhos, sobre seu direito à realização da laqueadura ou ligadura de tubas uterinas, gratuitamente, nos hospitais públicos e conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Art. 4º Os estabelecimentos públicos e privados de saúde que atendem gestantes e parturientes, bem como as empresas operadoras de planos de saúde no Estado do Ceará deverão elaborar e confeccionar cartilhas contendo, de forma clara, os incisos do art. 3º desta Lei, garantindo a todas as mulheres as informações e os esclarecimentos necessários para um atendimento hospitalar digno, qualificado e humanizado, visando à erradicação da violência obstétrica e a preservação dos direitos da gestante e da parturiente.
§ 1º A cartilha será elaborada com linguagem simples e acessível a todos os níveis de escolaridade.
§ 2º A cartilha referida no caput deste artigo trará a integralidade do texto da Portaria nº 1.067/GM de 2005, que institui a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, e dá outras providências.
Art 5º Os estabelecimentos hospitalares que atendem gestantes e parturientes deverão expor cartazes informativos contendo as condutas elencadas nos incisos I a XX do art. 3º, bem como disponibilizar às mulheres um exemplar da cartilha referida no art. 4º desta Lei.
§ 1º Equiparam-se aos estabelecimentos hospitalares, para os efeitos desta Lei, os postos de saúde, as unidades básicas de saúde e os consultórios médicos especializados no atendimento da saúde da mulher.
§ 2º Os cartazes devem informar, ainda, os órgãos e trâmites para a denúncia nos casos de violência, conforme as seguintes disposições:
a) exigir o prontuário da gestante e da parturiente no hospital, o qual deve ser entregue sem questionamentos e custos;
b) escrever, a gestante ou parturiente, uma carta narrando detalhadamente o tipo de violência sofrida e como se sentiu;
c) se o parto acontecer no Sistema Único de Saúde (SUS), enviar a carta para a ouvidoria do hospital, com cópia para a diretoria clínica, para a Secretaria Municipal de Saúde e para a Secretaria Estadual de Saúde;
d) se o parto ocorrer em hospital da rede privada, enviar a carta para a diretoria clínica do hospital, com cópia para a diretoria do plano de saúde, se for o caso, para a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANES e para as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde;
e) consultar profissional da advocacia, para fins de realização de denúncia em outras instâncias, dependendo da gravidade da violência sofrida e dos danos ocasionados;
f) ligar para a Central de Atendimento à Mulher – Disque 180.
Art. 6 º Caberá à Secretaria da Saúde do Estado do Ceará – SESA designar, dentro de seu organograma institucional, área técnica especializada para o recebimento, a apuração e a aplicação de sanções cabíveis a profissionais e/ou estabelecimentos hospitalares.
§ 1º. Caberá à Secretaria da Saúde do Estado do Ceará – SESA a elaboração e a execução de plano de formação continuada das equipes de atuação em saúde da mulher, visando, preventivamente, à erradicação de toda e qualquer forma de violência obstétrica na rede pública de saúde.
§2º Caberá aos gestores dos hospitais da rede privada de saúde oferecer formação continuada das equipes de atuação em saúde da mulher, com ênfase no atendimento humanizado e qualificado a gestantes e parturientes.
§ 3º Caberá à Secretaria da Saúde do Estado do Ceará – SESA a elaboração de relatório estatístico anual dos casos de violência obstétrica no Estado do Ceará, o qual deverá ter ampla divulgação nas mídias oficiais.
Art. 7º Com o objetivo de chamar a atenção da população e do poder público, fica instituída a Semana Estadual de Prevenção e de Enfrentamento à Violência Obstétrica, a ser realizada, anualmente, na última semana do mês de maio, devendo constar do calendário oficial do Estado.
Parágrafo único. Por ocasião de que trata o caput deste artigo, caberá à rede pública e privada de saúde do Ceará a promoção de atividades de prevenção e de combate à violência obstétrica, bem como de divulgação dos direitos das gestantes e das parturientes.
Art 8º O Poder Público poderá celebrar convênios e congêneres com a iniciativa privada, com entidades da sociedade civil e com as universidades, para consecução dos objetivos da presente Lei.
Art. 9º As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias.
Art.10 Esta Lei deverá ser regulamentada no prazo de 90 (noventa) dias, contados de sua publicação.
Art. 11 Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
LARISSA GASPAR
DEPUTADA
JUSTIFICATIVA:
Amparado na necessidade de chamar a atenção da sociedade e do poder público para a violência que acomete centenas de mulheres gestantes e parturientes nos estabelecimentos públicos e privados de saúde, bem como reconhecendo a importância de ampliar o debate público sobre os direitos das mulheres, vem a lume a presente proposição, que visa a implementar no Ceará, a exemplo de várias capitais e estados do Brasil, medidas eficientes e eficazes de enfrentamento e, consequentemente, de erradicação da violência obstétrica.
Diariamente, várias mulheres são vítimas da violência obstétrica em consultórios e hospitais das redes pública e privada de saúde. Muitas vezes, as gestantes e parturientes desconhecem os seus direitos ao longo do pré-natal, na hora do parto e no pós-parto, fato que favorece, ainda mais, casos de agressões físicas ou emocionais por parte de profissionais de saúde.
De acordo com a pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizada pela Fundação Perseu Abramo, uma em cada quatro mulheres sofreu algum tipo de violência durante o parto. Estima-se que entre 80% a 90% das mulheres brasileiras são cortadas, sem conhecimento ou anuência por parte delas, durante o parto normal de forma desnecessária, como evidencia vários estudos científicos realizados ao redor do mundo. Isso é uma violência obstétrica, como também são cesáreas excessivas e sem necessidade, tratamento abusivo, desrespeito moral, físico e psicológico e atitudes que fragilizam ou constrangem a mulher no contexto do parto.
No que concerne à legislação pátria que rege a matéria, pertinente registrar que o país já tem diversas normas que buscam a adoção do parto humanizado. A título de ilustração, Fortaleza aprovou, no segundo semestre de 2017, a Lei Ordinária nº1605/2017, que institui a Semana Municipal de Apoio e Conscientização sobre o Parto Humanizado, proposta de nossa autoria, como Vereadora de Fortaleza.
Nesse compasso, propício se mostra ao Poder Público Estadual a adoção de mecanismos, em sintonia com a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, que visem a coibir a violência obstétrica nos estabelecimentos públicos e privados de saúde do Estado do Ceará, a fim de que o parto humanizado possa ser uma realidade inquestionável na vida das mulheres cearenses.
Destarte, com o desiderato de ver superada a problemática da violência obstétrica na vida das gestantes e parturientes do nosso estado, solicitamos, gentilmente, de nossos Pares a aprovação do presente Projeto de Lei Ordinária.
LARISSA GASPAR
DEPUTADA