PROJETO
DE LEI N.° 06/2023
“DISPÕE
SOBRE A PROIBIÇÃO DE FABRICAR E COMERCIALIZAR ARMAS DE FOGO DE BRINQUEDO NO
ESTADO DO CEARÁ, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
DO ESTADO DO CEARÁ APROVA:
Art.
1º Fica proibido fabricar e comercializar armas de fogo de brinquedo no âmbito
do estado do Ceará.
Art.
2º As infrações às normas desta lei ficam sujeitas às seguintes sanções
administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em
normas específicas:
I
– advertência por escrito;
II
– multa;
III
– suspensão das atividades do estabelecimento por 30 (trinta) dias;
IV
– cassação da licença e encerramento das atividades do estabelecimento.
§1º
A multa prevista no inciso II será fixada em 1.000 (mil) UFIRCE.
§2º
A suspensão das atividades do estabelecimento por 30 (trinta) dias será
aplicada quando o fornecedor reincidir nas infrações ao artigo 1º desta lei.
§3º
Na hipótese de descumprimento da sanção de suspensão das atividades do
estabelecimento por 30 (trinta) dias, prevista no inciso III, será instaurado
processo para cassação da eficácia da inscrição do fornecedor infrator no
cadastro de contribuintes do imposto sobre operações relativas à circulação de
mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação (ICMS).
Art.
3º A fiscalização para o fiel cumprimento desta lei será exercida pelo Poder
Executivo, que, através de ato próprio, designará o órgão responsável.
Art.
4º O Poder Executivo realizará ampla campanha educativa nos meios de
comunicação para esclarecimento sobre os deveres, proibições e sanções impostas
por esta lei.
Art.
5º As despesas decorrentes da aplicação desta lei correrão à conta das dotações
próprias consignadas no orçamento, suplementadas se necessário.
Art.
6º Esta lei entra em vigor após decorridos 60
(sessenta) dias de sua publicação oficial.
RENATO ROSENO
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA:
No
dia 30 de setembro de 2021, o então presidente Jair Bolsonaro
subiu ao palco em Belo Horizonte, especificamente na Cidade Administrativa,
acompanhado de uma criança que vestia a farda da Polícia Militar do estado de
Minas Gerais e que portava uma arma de fogo de brinquedo. Tal evento reacendeu
a discussão no país sobre a fabricação e a comercialização deste tipo de
“brinquedo”, havendo como parâmetro o Estatuto do Desarmamento, legislações
estaduais e o desenvolvimento psicossocial de crianças e adolescentes no
Brasil.
Na
época, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) lançou uma nota aos
brasileiros denominada “arma não é brinquedo!”1 A
manifestação da entidade apontou para “os efeitos negativos que as armas de
brinquedo surtem sobre o desenvolvimento e a construção do caráter enquanto
cidadão do futuro”, bem como explicita que crianças e adolescentes são, muitas
vezes, incapazes de distinguir uma arma real de uma de brinquedo, sendo tal
afirmação baseada em um estudo que “mostrou que quase 60% dos integrantes de um
grupo de crianças com idade entre 7 e 17 anos não souberam distinguir”.
O
acesso a armas de brinquedo por crianças ou adolescentes, associado à flexibilização do porte e da posse de armas verificada nos
últimos anos, constitui um cenário social propício à prática de violências e
até mesmo de acidentes ou crimes letais. Por um lado, as crianças podem
manusear armas de fogo reais (hoje presentes em milhares de lares brasileiros)
achando que são de brinquedo; por outro, podem ser estimuladas com armas desde
a infância e, ao tornarem-se adultas, utilizarem o artefato sem a devida
consciência ou controle. Embora não relacionado diretamente com armas de
brinquedo, o trágico caso de Sobral, ocorrido em outubro de 2022, demanda
reflexão: se as crianças ou adolescentes são acostumadas desde cedo com o
“brinquedo” e em suas casas há armas reais de fogo disponíveis, como evitar que
as utilizem em discussões ou brigas corriqueiras na escola ou com amigos? Ou
até mesmo com os próprios parentes, na hipótese de um acidente? Nestes casos, é
muito mais eficaz a proibição de fabricação e comercialização de armas de
brinquedo, associada a uma ampla campanha educativa, do que a conscientização
sobre um eventual “uso seguro” de um artefato cuja natureza é de insegurança e
letalidade.
O
Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03) veda a “fabricação, a venda, a
comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de
fogo, que com estas se possam confundir” (artigo 26). Tendo em vista a natureza
jurídica do objeto do projeto de lei ora protocolizado, qual seja a proteção à
infância e à juventude, a matéria se inscreve na competência legislativa
concorrente (artigo 24, XV da Constituição Federal), razão pela qual os estados
podem editar leis sobre o assunto.
Estados
de praticamente todas as regiões do Brasil já possuem legislações sobre o tema,
a saber: Lei nº 5.180/13, do Distrito Federal, que proíbe a fabricação, a
venda, a comercialização e a distribuição, a qualquer título, de armas de
brinquedo, institui a semana do Desarmamento Infantil e dá outras providências;
Lei nº 10.225/13, do estado da Paraíba, cuja ementa é a mesma da Lei do DF; Lei
nº 1.601/95, do estado do Mato Grosso do Sul, que proíbe em todo território sul-mato-grossense
a comercialização de brinquedos com características de arma de fogo que
disparem ou não projéteis através de pressão e adota outras providências; Lei
nº 841/99, do estado de Rondônia, que dispõe sobre a comercialização de armas
de brinquedo no estado de Rondônia e dá outras providências; e Lei nº
15.301/14, do estado de São Paulo, que dispõe sobre a proibição de fabricar,
vender e comercializar armas de fogo de brinquedo no estado de São Paulo e dá
outras providências.
A
Lei paulista, inclusive, foi objeto de uma ação direta de
inconstitucionalidade, sob o nº 5.126, movida pelo Governador do estado de São
Paulo à época Geraldo Alckmin. O Poder Executivo estadual alegou, em síntese,
que a norma teria invadido competência da União para legislar sobre material
bélico, bem como que o tema já teria sido regulamentado à exaustão pelo
Estatuto do Desarmamento.2 O Ministro Relator Gilmar
Mendes, entretanto, não acatou estes argumentos, opinando pela
constitucionalidade da legislação estadual mediante entendimento que arma de
fogo de brinquedo não é material bélico, não se enquadrando, portanto, no
conceito de material bélico. O eminente Ministro-Relator inscreveu o PL nas
áreas afetas ao direito do consumidor e à proteção da criança e do adolescente,
sendo objeto, portanto, de competência legislativa concorrente. “Sendo matéria
destinada à proteção da criança e do adolescente, a regulação da fabricação,
venda e comercialização de arma de fogo de brinquedo pode ser feita tanto em
nível nacional, quanto em nível estadual”, conforme extraído do voto-relatório.
Já no âmbito do direito consumerista, cumpre
ressaltar outro trecho do voto: “as matérias associadas a relações de consumo
são de competência concorrente (...), o que possibilita a edição de lei estadual
sobre o tema, inclusive com previsão de sanções administrativas.” Por ampla
maioria, o plenário do STF acompanhou o relator no sentido da declaração de
constitucionalidade da norma, em decisão proferida em sessão virtual finalizada
no dia 16 de dezembro de 2022.
A
atribuição de responsabilidade de fiscalização da lei ao Poder Executivo
(artigo 3º deste projeto de lei) e o estímulo à conscientização do disposto na
norma por meio de propaganda (artigo 4º) não criam novas atribuições
administrativas, logo o projeto não padece de inconstitucionalidade por vício
de inciativa. Foi esse o entendimento do STF por
ocasião do julgamento da ADI nº 5.126, sendo ressaltado pelo Ministro-Relator,
ainda, que “a mera circunstância de uma norma demandar atuação positiva do
Poder Executivo não a insere no rol de leis cuja iniciativa é privativa do
Chefe do Poder Executivo.”
Por
último, cumpre asseverar que o projeto de lei em comento não cria cargos
públicos, não versa sobre o regime jurídico dos servidores da Administração
Pública estadual, não altera competências de secretarias de estado ou outros
órgãos públicos tampouco trata sobre direito financeiro, orçamentário ou
tributário, razão pela qual o projeto de lei se insere plenamente nas matérias
cuja propositura pode ser exercida por iniciativa parlamentar, conforme o
artigo 60, §3º da Constituição do estado do Ceará.
1 Disponível em:
<https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/NOTA_SBP_ARMAS_DE_BRINQUEDO.pdf>.
Acesso em 30/01/23.
2 Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-jan-02/stf-valida-lei-paulista-proibe-venda-armas-brinquedo.>
Acesso em 30/01/23.
RENATO ROSENO
DEPUTADO