PROJETO DE LEI N.° 520/2023
“CRIA O ESTATUTO CEARENSE DE DEFESA DOS ANIMAIS.”
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
SEÇÃO I
DOS OBJETIVOS GERAIS
Art. 1º. O objetivo da presente Lei é assegurar e proteger a vida e o bem-estar dos animais em todo o território do Estado do Ceará.
§ 1º Ninguém deverá, por razões não justificáveis, causar dor, sofrimento ou lesão moral aos animais.
§ 2º O disposto nesta Lei aplica-se aos animais das espécies classificadas como filo Chordata e subfilo Vertebrata, observada a legislação ambiental.
Art. 2º. São ainda, objetivos da presente Lei:
I - garantir o acesso à informação sobre o bem-estar dos animais e o estímulo à conscientização e à educação para a guarda responsável;
II - combater os maus-tratos e toda a forma de violência, crueldade e negligência praticadas contra os animais;
III - proteger os animais contra sofrimentos desnecessários, prolongados e evitáveis;
IV - promover a segurança dos animais com o objetivo de garantir a saúde da população humana e a melhoria da qualidade ambiental como parte da saúde pública.
Art. 3º. Para efeitos desta Lei, entende-se por:
I - filo Chordata: animais que possuem como características exclusivas, ao menos na fase embrionária, a presença de notocorda, fendas branquiais na faringe e tubo nervoso dorsal único;
II - subfilo Vertebrata: animais cordados que possuem como características exclusivas, um encéfalo grande encerrado numa caixa craniana e uma coluna vertebral;
III - bem-estar animal: a promoção da saúde física e mental dos animais, de modo a lhes assegurar o provimento de suas necessidades naturais e liberdades.
SEÇÃO II
DO DIREITO DOS ANIMAIS AO BEM-ESTAR
Art. 4º. Todos os animais em território cearense serão tutelados pelo Estado e possuem direito à existência em um contexto de equilíbrio biológico e ambiental, de acordo com a diversidade das espécies, raças e indivíduos.
§ 1º A integridade física e mental e o bem-estar dos animais são considerados interesse difuso, impondo- se ao Poder Público e à coletividade, o dever de protegê-los e de promover ações que garantam o direito estabelecido no caput deste artigo, além de coibir práticas contrárias a esta Lei;
§ 2º Aos animais, deve ser dispensada a dignidade de tratamento reservada aos seres sencientes;
§ 3º Os animais tem interesses individuais e coletivos distintos dos interesses individuais e coletivos dos seres humanos, devendo a autoridade, no caso de colisão de interesses, proceder a uma ponderação que não se confine a juízos de utilidade ou de funcionalização aos interesses individuais e coletivos dos seres humanos;
§ 4º Na ausência de disposição em contrário, os animais se beneficiam da proteção jurídica conferida às coisas e às pessoas jurídicas.
SEÇÃO III
DOS DEVERES EM RELAÇÃO À GUARDA DE ANIMAIS
Art. 5º. Toda pessoa física ou jurídica que mantenha animal sob sua guarda ou seus cuidados, deverá:
I - fornecer alimentação e abrigo adequados à espécie, à raça ou à idade do indivíduo;
II - garantir espaço adequado e apropriado para a manifestação do comportamento natural, individual ou coletivo da espécie;
III - assegurar a inexistência de circunstâncias capazes de causar ansiedade, medo, estresse e/ou angústia;
IV - empreender todos os esforços para o animal conviver ou ser alojado com outros da mesma espécie, dependendo das circunstâncias específicas e do comportamento da espécie;
V - prover cuidados e medicamentos sempre que for necessário e quando constatada dor ou doença.
SEÇÃO IV
DA VEDAÇÃO AOS MAUS-TRATOS
Art. 6º. São vedadas quaisquer formas de maus-tratos e atos de crueldade contra os animais.
Parágrafo único - Consideram-se maus-tratos, sem prejuízo de outras condutas decorrentes de ação ou omissão, dolosa ou culposa, direta ou indireta, expor o animal a perigo ou a danos diretos e indiretos à vida, à saúde, e ao seu bem-estar, causando-lhe dor, lesões ou sofrimento.
Art. 7º. É proibido:
I - forçar um animal a realizar movimentos contrários à sua natureza ou além de sua capacidade física, individualmente considerada, exceto em situações de emergência;
II - usar substâncias químicas ou objetos, ferramentas ou equipamentos para estímulo físico ou psicológico do animal explorado para a prática desportiva ou atividade laborativa, incluindo apresentações e eventos similares, exceto quando estritamente necessário e indolor para sua locomoção normal ou em situações de emergência;
III - abandonar animal sujeito a sua guarda ou deixá-lo a sua mercê em qualquer recinto, público ou privado, artificial ou natural, com a finalidade de se eximir das responsabilidades inerentes ao dever de guarda;
IV - abandonar animal domesticado ou criado em cativeiro, ainda que em sua posse precária, quando despreparado para se alimentar de maneira adequada;
V - submeter animal a treinamentos, eventos, circos, ações publicitárias, filmagens ou exposições que causem dor, sofrimento ou dano;
VI - vender ou comprar animal doente ou incapaz de sobreviver sem dor ou sofrimento, exceto para tratamento imediato;
VII - sujeitar animal a situações de risco de dor, sofrimento ou dano perante outro animal;
VIII - treinar animal para desenvolver comportamento agressivo contra sua própria espécie ou outra;
IX - forçar de qualquer maneira a alimentação do animal, exceto em benefício de sua própria saúde, ou ministrar-lhe alimentação inadequada ou com substâncias impróprias;
X - utilizar dispositivo para aplicação de descargas elétricas em animal para impedir seus movimentos ou forçá-lo a se movimentar, causando considerável dor, sofrimento ou dano.
SEÇÃO V
DAS INFRAÇÕES OU PENALIDADES
Art. 8º. Constitui infração à proteção e defesa do bem-estar dos animais toda ação ou omissão que importe em ato de abuso ou maus-tratos, na inobservância de preceitos estabelecidos nesta Lei, em especial aos contidos nos arts. 6º e 7º, ou na desobediência às determinações de caráter normativo dos órgãos, das autoridades administrativas competentes e/ou da legislação pertinente.
Art. 9º. As infrações às disposições desta Lei e de seu regulamento, bem como das normas, padrões e exigências técnicas, devem ser autuadas, a critério da autoridade competente, levando-se em conta:
I - a gravidade dos fatos, o sofrimento prolongado e as consequências para a saúde pública e do animal;
II - as circunstâncias atenuantes ou agravantes;
III - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação ambiental;
§ 1º Responde pela infração quem, por ação ou omissão, de qualquer modo, concorrer para sua prática ou dela se beneficiar.
§ 2º Responde pela infração cometida por menor ou pessoa incapaz o seu responsável legal ou quem, no momento do fato, detenha sua guarda, nos termos da legislação aplicável.
§ 3º São consideradas condições agravantes das condutas previstas neste artigo:
I - o agravamento do estado de saúde de animal doente, ferido, extenuado ou multilado;
II - quando os atos de crueldade resultarem em morte do animal ou em lesão grave;
III - a reincidência em infrações previstas nesta Lei;
IV - a obtenção de vantagem pecuniária pelo agente responsável pelo cometimento da infração;
V - o emprego, pelo agente, de métodos cruéis no abate, na captura ou em animais em avançado período de prenhez;
VI - o abuso do direito de licença, permissão ou autorização ambiental.
§ 4º São consideradas circunstâncias atenuantes das condutas previstas neste artigo:
I - o baixo grau de instrução ou de escolaridade do agente;
II - o arrependimento posterior, manifestado pela espontânea reparação do dano ao animal;
III - a infração ter sido cometida para proteger pessoa ou animal de dano iminente, não se tratando de estado de necessidade.
Art. 10. As infrações ao disposto na presente Lei, sem prejuízo das sanções de natureza cível ou penal cabíveis, devem ser punidas, alternativa ou cumulativamente, de acordo com a regulamentação realizada pelo Poder Executivo.
SEÇÃO VI
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 11. A legislação e as políticas públicas que produzam impacto sobre o bem estar dos animais levarão em consideração o disposto nesta Lei.
Art. 12. Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta Lei, os responsáveis pelos danos aos animais responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa.
Art. 13. O Poder Executivo regulamentará a presente lei no prazo de 90 (noventa) dias, contados da sua publicação.
Art. 14. Esta lei entra em vigor após decorridos 120 (cento e vinte) dias de sua publicação oficial.
LEONARDO PINHEIRO
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA:
A Constituição Federal de 1988 prescreve em seu art. 225, o dever de o Poder Público proteger a fauna e a flora, havendo expressa menção à vedação, na forma da lei, de práticas que provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais â crueldade. Encontra-se reconhecido, portanto, em nosso texto normativo constitucional, o valor intrínseco auferido aos animais, eis que atos cruéis não serão tolerados, de modo que todo o desenvolvimento científico, tecnológico, econômico e social devem se pautar por essa premissa indispensável a um desenvolvimento nacional sustentável. Ocorre que, a legislação do Estado do Ceará ainda não disciplinou um Estatuto de Defesa dos Animais, estabelecendo de forma clara e objetiva o direito à proteção à vida e ao bem-estar dos animais, bem como a vedação de práticas e atividades que se configurem como cruéis ou danosas. Já é hora de nosso Estado possuir uma legislação que vede a dor, o sofrimento e a lesão moral aos animais. A Alemanha, a Áustria, os Estados Unidos, apenas como exemplos, são países que já legislaram há muito sobre a matéria. A sociedade tem se mostrado intolerante aos maus-tratos, a exemplo das discussões envolvendo o uso de animais em pesquisas científicas ou mero utilitarismo e prazer dos humanos em ações que causam dor e sofrimento e danos desnecessários aos animais, como foi o caso envolvendo a caça e morte do leão Cecil, no Zimbabwe, que comoveu o mundo. Esta proposição visa assegurar a proteção à vida e ao bem-estar dos animais, mediante a tutela estatal dos animais e a consideração da integridade física e mental como interesse difuso. Além disso, assegura tratamento aos animais como seres sencientes e regulamenta deveres em relação à guarda de animais. Busca, ainda, suprir a lacuna legislativa ao tipificar maus-tratos e estabelecer vedações de atos e atividades consideradas cruéis. Ante o exposto, requer-se dos Ilustres Pares a aprovação da presente Proposição.
LEONARDO PINHEIRO
DEPUTADO