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PROJETO DE LEI N° 514/23

“INSTITUI A POLÍTICA DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA LETAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO ESTADO DO CEARÁ.”

 

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ APROVA:

Art. 1º Fica instituída a Política de Prevenção à Violência Letal contra Crianças e Adolescentes no estado do Ceará, com a finalidade de estabelecer princípios, objetivos e diretrizes para a elaboração de políticas públicas intersetoriais voltadas à prevenção de mortes violentas de crianças e adolescentes no estado do Ceará, promovendo ações destinadas à consecução dos objetivos propostos na lei.

Parágrafo único. A Política de Prevenção à Violência Letal contra Crianças e Adolescentes será implementada pelo estado do Ceará, isoladamente ou em regime de cooperação com outros entes da Federação, com a participação da sociedade civil e das organizações sociais que atuem com a temática de prevenção à morte violenta.

Art. 2º Para os fins dispostos nesta lei, considera-se violência letal:

I – homicídio doloso;

II – lesão corporal seguida de morte;

III – latrocínio;

IV – mortes por intervenção de agentes de Estado;

V – feminicídio.

Art. 3º Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

CAPÍTULO I

DOS PRINCÍPIOS, OBJETIVOS E DIRETRIZES

Art. 4º São princípios da Política de Prevenção à Violência Letal contra Crianças e Adolescentes, sem prejuízo dos princípios estabelecidos em normas nacionais e internacionais de proteção dos direitos da criança e do adolescente, entre outros:

I – reconhecimento e tratamento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos;

II – prioridade absoluta de crianças e adolescentes e ter considerada sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;

III – inclusão social, acessibilidade e não-discriminação;

IV – observância aos direitos humanos;

V – integração das redes de atendimento à prevenção e redução da morte violenta em âmbito estadual e municipal.

Art. 5º São objetivos da Política de Prevenção à Violência Letal contra Crianças e Adolescentes:

I – promover oportunidades para crianças e adolescentes a partir das recomendações elaboradas pelo Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa do estado do Ceará;

II – reduzir a exposição a riscos e vulnerabilidades de crianças e adolescentes no estado do Ceará;

III – aumentar os níveis de elucidação das mortes de crianças e adolescentes;

IV – criar e fortalecer ações em rede de prevenção à violência contra pessoas vulneráveis nos municípios com alta incidência de homicídios de crianças e adolescentes;

V – reduzir as diferentes formas de violência, tais como negligência, discriminação, abuso, abandono, exploração, agressão e opressão contra crianças e adolescentes;

VI – fortalecer o Sistema Estadual de Proteção a Pessoas Ameaçadas (SEPP), em especial o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçadas de Morte (PPCAAM) e o Programa de Proteção Provisória (PPPRO), bem como os serviços de atendimento às vítimas de violências;

VII – apoiar ações de fortalecimento dos conselhos tutelares, de forma a garantir que tenham capacitação e estrutura para o desenvolvimento de suas atribuições e responsabilidades;

VIII – estimular o fortalecimento dos canais de denúncia de violações de direitos humanos contra crianças e adolescentes, assegurando o acesso e a transparência da informação, primando pela privacidade das informações pessoais;

IX – fomentar o diagnóstico e análises periódicas relativas ao contexto de violência letal contra crianças e adolescentes;

X – fortalecer ações de igualdade racial e de gênero que promovam o enfrentamento à discriminação, ao racismo e ao machismo estrutural;

XI – fortalecer as capacidades protetivas das famílias para a proteção integral da criança e do adolescente, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida.

Art. 6º São diretrizes da Política de Prevenção à Violência Letal contra Crianças e Adolescentes:

I – observar as especificidades de idade, gênero, raça, etnia e localidade quanto à promoção de ações voltadas à prevenção de violência letal;

II – ampliar o investimento público em ações e programas que contribuam para a prevenção de violência letal contra crianças e adolescentes;

III – priorizar investimentos em estudos, pesquisas e projetos científicos e tecnológicos destinados à compreensão dos contextos de vulnerabilidades e do risco de violência letal contra crianças e adolescentes;

IV – estabelecer indicadores e metas específicas para o monitoramento das mortes violentas de crianças e adolescentes em âmbito estadual e municipal;

V – fomentar ações de prevenção à violência letal, sobretudo contra crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, de orfandade ou que estejam, ou tenham sido, institucionalizados;

VI – promover campanhas de formação de profissionais e da sociedade em geral para a defesa dos direitos e proteção contra a violência a crianças e adolescentes;

VII – fomentar a formação continuada aos profissionais de segurança pública, do sistema de justiça, da saúde, da educação e da assistência social, sem prejuízo de outras secretarias que atuam com crianças e adolescentes, sobre políticas de prevenção à violência letal contra crianças e adolescentes, bem como sobre as políticas desenvolvidas pela rede de proteção.

CAPÍTULO II

DAS OPERAÇÕES POLICIAIS E INTERVENÇÕES EM SITUAÇÕES EMERGENCIAIS

Art. 7º As instituições de cumprimento de medidas socioeducativas, de saúde, de segurança pública, de educação e de assistência social deverão notificar, compulsoriamente, as situações que exigem intervenção emergencial envolvendo crianças ou adolescentes ao Conselho Tutelar, Ministério Público, à Defensoria Pública ou ao Juízo da Infância, ou aos seus órgãos especializados, para que sejam adotadas providências de forma emergencial.

Art. 8º Para os fins desta lei, são consideradas situações que exigem intervenção emergencial:

I – ameaça iminente de morte;

II – tentativa de homicídio;

III – deslocamento forçado por violência.

Art. 9º Os agentes das instituições, entidades e secretarias dispostos nesta lei deverão ser capacitados permanentemente para que sejam capazes de detectar precocemente e acompanhar casos de ameaça à integridade de crianças e adolescentes, bem como encaminhá-los à rede de atendimento disponível para acolhimento.

Art. 10 As operações das polícias civil e militar deverão atuar a partir de um plano de redução de riscos e danos, a fim de evitar violações de direitos humanos e preservar a vida de crianças e adolescentes, observando especialmente as seguintes diretrizes:

I – uso progressivo da força e adoção de um Procedimento Operacional Padrão (POP) específico para uma abordagem adequada e não-violenta de crianças e adolescentes;

II – elaboração de planos de segurança pública que priorizem a proteção à vida de crianças e adolescentes, bem como sua integridade física, habitação, educação e sociabilidade.

Parágrafo único. As ações das guardas municipais deverão observar, no que couber e no âmbito de suas competências, o disposto neste artigo.

CAPÍTULO III

DO ATENDIMENTO DE PREVENÇÃO TERCIÁRIA

Art. 11 Em todos os casos de mortes violentas de crianças e adolescentes, o Ministério Público do estado do Ceará deverá ser notificado para monitorar a prioridade disposta no caput do artigo 227 da Constituição da República.

Art. 12 Deve-se garantir uma linha de cuidado em saúde mental, no Sistema Único de Saúde, para familiares de vítimas de violência letal e para vítimas sobreviventes, bem como o fortalecimento dos serviços psicossociais existentes.

CAPÍTULO IV

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 13 As despesas de execução desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 14 Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO

 

 

JUSTIFICATIVA

A violência é atualmente uma das principais preocupações dos brasileiros. O medo de sair às ruas vem afastando as pessoas dos espaços públicos e fragilizando cada vez mais o tecido social, levando a comportamentos que reforçam ainda mais a violência.

Trata-se de cenário que vem piorando há décadas em razão da adoção de políticas e também da negligência do poder público no enfrentamento a este problema. De fato, as medidas adotadas pelo poder público para lidar com a violência, em geral, não atacam a raiz do problema e não possuem embasamento científico.

A visão equivocada de alguns governantes tem feito com que o tema seja tratado exclusivamente como problema de polícia, reduzindo a política de enfrentamento à violência ao investimento em equipamentos policiais, a exemplo de viaturas, equipamentos, armamentos, prisões e ampliação do alcance do sistema penal.

Como resultado dessa política equivocada, temos assistido atordoados ao crescimento da violência em nosso país e em nosso estado. Segundo o Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), em 2019 houve 45.503 homicídios no Brasil, o que corresponde a uma taxa de 21,7 mortes por 100 mil habitantes.

Os dados publicados pelo “Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020” (FBSP, 2020), que tem como fonte os boletins de ocorrência produzidos pelas Polícias Civis, indicam 47.742 mortes violentas intencionais no ano de 2019, valor 5% superior ao registrado pelo sistema do Ministério da Saúde. A análise da taxa de homicídios por Unidade Federativa (UF), segundo óbitos por local de residência da vítima em 2019, aponta que os números variaram de 10 a 42,7 homicídios por 100 mil habitantes. No Ceará as taxas foram de 46,7 para 60,2, retornando para 26,5.[1]

O Ceará teve o quinto maior número de homicídios do Brasil nos três primeiros meses de 2022, conforme o Monitor da Violência, índice nacional de homicídios criado pelo g1, com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal: foram 2.970 assassinatos. Esse número coloca as cidades cearenses na 5º posição do ranking de estados com maior número de mortes. O Ceará perde apenas para Pernambuco, Bahia, Alagoas e Amazonas. No âmbito nacional foram 40,8 mil mortes violentas em todo o país — média de mais de 110 vítimas por dia.

O levantamento contabiliza o número de vítimas de crimes de homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios (roubos seguidos de morte) e lesões corporais seguidas de morte.

Em relação ao público de crianças, adolescentes e jovens, a realidade também é assustadora.

Nos seis primeiros meses de 2021 no Ceará, 264 adolescentes de 10 a 19 anos foram vítimas da violência letal. A cada um dos 181 dias entre janeiro e junho, mais de um adolescente perdeu a vida, deixando família, amigos, sonhos e projetos interrompidos

Os adolescentes assassinados representam 16,51% do total de vítimas de Crimes Violentos Letais Intencionais registrados no Ceará nesse período, que foi de 1.599 casos. Entre a população geral, a redução de homicídios foi de 28,78% em comparação com o 1º semestre de 2020, mas foram 8,83 mortes diárias, em média. Entre adolescentes, a redução de mortes foi maior no mesmo período, 35,45%, mas, ainda assim, uma média de 1,46 morreu violentamente por dia. Pessoas do sexo masculino ainda são a maioria de vítimas entre população geral e adolescentes, sendo 90,68% para o primeiro grupo e 86,74% para o segundo grupo.    

Entre os adolescentes, em média, quase nove (8,48) homens de 10 a 19 anos são assassinados por semana no Ceará, e mais de uma (1,30) mulher perde sua vida no mesmo período.

Entre janeiro de 2019 e agosto de 2022, foram assassinadas 32 crianças de 0 a 11 anos no estado. No mesmo período, 1.355 adolescentes de 12 a 18 anos foram mortos. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Ceará e mostram como a infância e juventude cearense estão na linha de tiro do crime organizado e dos agentes do Estado, sem que este tome medidas para garantir direitos fundamentais, dentre eles o principal: o direito à vida.

Uma série histórica de monitoramento dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) no Ceará mostra que a vitimização de adolescentes deu um salto em 2014 e se mantém alta desde então, com um total de 6.342 meninas e meninos de 10 a 19 anos mortos no estado, entre 2014 e março de 2023, de acordo com dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), fornecidos pelo Monitoramento dos homicídios do Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa.

Segundo o mapeamento realizado pelo Comitê Cearense de Prevenção e Combate à Violência, os homicídios contra a população de crianças e adolescentes ocorrem em sua maioria em áreas com pouco ou nenhum saneamento básico, equipamentos e serviços públicos, ou seja, conclui com morte um processo de ausência de políticas públicas, o que enfatiza a importância da prevenção.

Deve-se entender a importância do desenvolvimento de uma Política de Prevenção à Violência Letal contra Crianças e Adolescentes, objeto deste projeto de lei, especialmente, a partir de um de seus objetivos, que diz respeito justamente à implementação das recomendações do Comitê Cearense de Prevenção e Combate à Violência, atual Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa do Ceará, que, nos últimos sete anos, tem publicado diversas pesquisas baseadas em evidências, analisando os homicídios de crianças e jovens de 10 a 19 anos no estado do Ceará e elaborando recomendações a serem adotadas pelo Poder Executivo nos âmbito estadual e municipal, e pelos órgãos do Sistema de Justiça.

Dentre as recomendações baseadas em evidências produzidas pelo CPCV, destacamos o apoio e proteção às famílias vítimas de violência, que ensejou, por exemplo, a criação de importante mecanismos gerido pela Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPE), a Rede Acolhe; a ampliação da rede de programas e projetos sociais a adolescente vulnerável ao homicídio, visando prevenir e reduzir as taxas de homicídios, a despeito do Programa de Oportunidades e Cidadania (Poc), instituído pela Superintendência Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas), com o objetivo de viabilizar ações de acompanhamento pedagógico, psicológico, assistência social, bem como qualificação profissional e promoção de atividades de geração de emprego e renda aos adolescentes e jovens oriundos do Sistema Socioeducativo no Estado do Ceará; qualificação urbana dos territórios mais vulneráveis aos homicídios, com investimentos em infraestrutura, iluminação pública, equipamentos sociais, regularização fundiária etc, após a evidência de que, em Fortaleza, 44% das mortes ocorreram em apenas 17 dos 119 bairros; busca ativa para inclusão de adolescentes no sistema escolar, a partir da evidência de que o abandono escolar surge como sinal de alerta ao aumento da vulnerabilidade dos adolescentes ao homicídio; Prevenção à experimentação precoce de drogas e apoio às famílias, uma vez que 69% dos adolescentes assassinados haviam experimentado algum tipo de droga entre 10 e 15 anos; dentre outras.

Dentre os documentos, destacam-se: Relatório final Cada Vida Importa, Meninas no Ceará: a trajetória de vida e de vulnerabilidades de adolescentes vítimas de homicídio e Cartilha meninas no Ceará: 9 recomendações baseadas em evidências. Além desses, foram publicados diversos relatórios semestrais, notas técnicas e documentos resumidos. Todas as publicações do Comitê constam no site “cadavidaimporta.com.br”.

Por último, cumpre asseverar que o projeto de lei em comento não cria cargos públicos, não versa sobre o regime jurídico dos servidores da Administração Pública estadual, não altera competências de secretarias de estado ou outros órgãos públicos tampouco trata sobre direito financeiro, orçamentário ou tributário, razão pela qual o projeto de lei se insere plenamente nas matérias cuja propositura pode ser exercida por iniciativa parlamentar, conforme o artigo 60, §3º da Constituição do estado do Ceará.

[1]https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/5141-atlasdaviolencia2021completo.pdf

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO