PROJETO DE LEI N.° 492/2023
“INSTITUI O DIA E A SEMANA ESTADUAL DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO INFANTIL E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.”
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º. Fica instituído, no Calendário Oficial do Estado do CEARÁ, o dia estadual de combate ao trabalho escravo infantil, a ser realizado, anualmente, no dia 16 de abril.
Art. 2o. Para os fins da presente Lei, considera-se trabalho escravo infantil as condutas previstas no artigo 149 do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticadas contra criança ou adolescente.
Art. 3o. Fica instituída, no Calendário Oficial do Estado do Ceará, a semana estadual de combate ao trabalho escravo infantil, a ser realizada, anualmente, na semana que inclui o dia 16 de abril.
Art. 4o. Decreto do Poder Executivo poderá regulamentar, no que couber, a presente Lei.
Art. 5o. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JÔ FARIAS
DEPUTADA
JUSTIFICATIVA:
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) apontam que, em 2022, cerca de 1,9 milhão de crianças e adolescentes, entre cinco e dezessete anos de idade, se encontram em situação de trabalho infantil em nosso país, das quais 709 mil estão nas consideradas piores formas de trabalho infantil.
As referidas piores formas, nos termos da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada por meio do Decreto n°. 6841, de 12 de junho de 2008, em que, em seu artigo 3o, considera como piores formas de trabalho infantil:
a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como venda e tráfico de crianças, sujeição por dívida, servidão, trabalho forçado ou compulsório, inclusive recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados;
b) utilização, demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção de pornografia ou atuações pornográficas;
c) utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de entorpecentes conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes;
d) trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são suscetíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança.
Como destacado em tópicos anteriores, incluem-se nas piores formas de trabalho infantil “todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão”. A legislação pátria positiva, no artigo 149 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o crime de redução de outrem a condições de trabalho análogas à escravidão, in verbis:
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
O próprio Código Penal, prestigiando o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, considera tal conduta como tão grave, que pôs como agravante do crime a conduta de reduzir criança e/ou adolescente a tais condições de trabalho, nos termos do § 2o, I, do mencionado artigo 149 do Código Penal, prevendo um aumento de pena pela metade.
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que mais de 56 mil pessoas foram resgatadas em condições de trabalho análogas à de escravo nos últimos 25 anos no Brasil, incluindo pessoas com menos de 18 anos de idade. Ademais, dados do seguro-desemprego trabalhador resgatado apontam que, no “período de 2004 a 2020, 94% dos trabalhadores resgatados são homens, 28% possuíam idade entre 18 e 24 anos, 37% cursaram até o 5º ano de forma incompleta e 30% eram analfabetos”1.
Assim, em razão da existência, ainda na atualidade, da exploração laboral de crianças e adolescentes é que propomos a inclusão, no Calendário Oficial do Estado, do dia e da semana estadual de combate ao trabalho escravo infantil. A aludida proposta está em consonância com a comemoração do dia mundial contra o trabalho escravo infantil, também comemorado em 16 de abril.
O dia foi criado em homenagem a Iqbal Masih, uma criança paquistanesa que fora vendida como escrava por sua família aos quatro anos de idade por cerca de 7 dólares. O menino era obrigado a trabalhar cerca de 12 horas por dia, durante todos os dias da semana. Aos 10 anos de idade, Iqbal conseguiu fugir da condição de exploração, após tomar conhecimento da informação que a Suprema Corte do Paquistão havia considerado a escravidão como algo ilegal. Após sair da condição de exploração que se encontrava, Iqbal tornou-se um ativista e conseguiu libertar mais de 3 mil crianças da escravidão. Em 16 de abril de 1995, prestes a comemorar o domingo de páscoa com sua família, Iqbal foi assassinado, com apenas 12 anos de idade, por sua luta contra a escravidão. Por esta razão, o jovem Iqbal Masih se tornou o símbolo mundial contra a escravidão infantil.
No Brasil, a luta contra o trabalho escravo infantil possui grandes nomes, ao exemplo da dona Pureza Lopes de Loiola, uma mãe que atravessou as fazendas do Brasil em busca de seu filho, um adolescente de apenas 17 anos de idade que saiu para trabalhar em garimpos no Estado do Pará. Após meses sem notícias de seu filho, Pureza iniciou uma jornada reconhecida internacionalmente, denunciando as condições dos trabalhadores em diversas fazendas, tornando-se símbolo da luta contra o trabalho análogo à escravidão em nosso País.
Outro grande caso envolvendo a submissão de crianças e adolescente a tais condições foi o caso “Zé Pereira”, ocorrido no ano de 1989, no Estado do Pará. José Pereira Ferreira tinha sido submetido a condição de escravo na fazenda Espírito Santo, cidade de Sapucaia, Sul do Pará, até que, aos dezessete anos de idade, conseguiu se libertar e fugir da fazenda em que era escravizado. Entretanto, fora emboscado pelos funcionários da referida fazenda e atingido com um tiro no rosto quando tentou fugir. O caso ganhou notoriedade quando, em razão da morosidade na responsabilização dos exploradores, o caso chegou à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Em relação à constitucionalidade da presente proposta, é salutar que a Constituição Federal, em seu artigo 22, XV, dispõe ser competência dos Estados legislar sobre a proteção à infância e à juventude, o que nitidamente é objeto da presente proposta. Em mesmo sentido está positivado no artigo 227 da mesma Constituição, ao prever que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, a proteção contra quaisquer formas de exploração e de violência, da mesma forma que se encontra positivado nos artigos 272, 278 e 279 da Constituição do Ceará.
É salutar, ainda, que o artigo 25, § 1o, da Constituição da República prevê que aos Estados são reservadas as competências não vedadas por ela, ao exemplo da restrição posta pela competência legislativa privativa da União prevista no artigo 22 da mesma Lei. Assim, visto que se trata de norma que visa conscientizar a sociedade sobre uma forma tão cruel e desumana de exploração daqueles que são considerados prioridades absolutas, e consequentemente norma de proteção ao referido público, é que se assenta a constitucionalidade do presente Projeto de Lei por mandamento expresso do artigo 24, XV, de nossa Constituição Cidadã.
Assim, faz-se necessária a criação de uma data, no âmbito do estado do Ceará, específica de sensibilização da sociedade sobre um desafio que ainda nos assola, principalmente quando as vítimas são menores de dezoito anos, por isso apresentamos a presente proposta
Pelo exposto, ante a necessidade de intensificar a luta contra a escravidão contemporânea de crianças e adolescentes, pessoas em desenvolvimento que são consideradas prioridades absolutas pela Constituição Federal, contamos com o apoio de Vossas Excelências para a aprovação da presente iniciativa.
1https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/composicao/orgaos-especificos/secretaria-de-trabalho/inspecao/areas-de-atuacao/relatorio-2020-sit-oit-1.pdf
JÔ FARIAS
DEPUTADA