PROJETO DE LEI N.° 468/2023
“VEDA A NOMEAÇÃO PARA CARGOS EM COMISSÃO DE PESSOAS CONDENADAS POR CRIMES DE RACISMO DEFINIDOS PELA LEI FEDERAL N° 7.716/89, QUE TIPIFICA OS CRIMES RESULTANTES DE PRECONCEITO DE RAÇA OU DE COR (LEI DE CRIME RACIAL).”
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1.º Fica vedada a nomeação, no âmbito da Administração Pública direta e indireta, bem como em todos os Poderes do Estado do Ceará, para todos os cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, de pessoas que tiverem sido condenadas nas condições previstas na Lei Federal n.º 7.716, de 5 de janeiro de 1989, no qual define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor (Lei de Crimes Raciais).
Parágrafo único. A vedação dar-se-á após a decisão da condenação transitar em julgado e enquanto durarem os seus efeitos.
Art. 2.º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
DAVI DE RAIMUNDÃO
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA:
Infelizmente, o racismo ainda é uma realidade em nossa sociedade. As denúncias cresceram mais de 70% entre 2021/2022, de acordo com dados extraídos pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp/CE) e fornecidos pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS/CE).
Diante desses números alarmantes, o presente projeto de lei tem como objetivo proibir que pessoas condenadas por crimes de racismo exerçam cargos públicos comissionados em todos os Poderes do Estado, inclusive na administração direta e indireta. Trata-se de uma ação punitiva para tentar inibir esses tipos de crimes em nosso Estado, corroborando com um dos princípios basilares da administração pública – o da moralidade. Não se pode permitir que o dinheiro público seja pago como salário àqueles que foram condenados pela nossa Justiça em crimes raciais, inclusive a injúria racial (Lei n° 14.532/23).
Quanto a constitucionalidade desse projeto de lei, cumpre destacar o RE 1.308.883, em que o Supremo Tribunal Federal – STF, em decisão monocrática, validou a Lei Municipal de Valinhos – SP (Lei n. 5.849/2019), de iniciativa parlamentar, segundo a qual seria vedada a nomeação, pela Administração Pública Direta e Indireta do ente público, de pessoas condenadas por incidirem nas disposições da Lei Federal n. 11.340 de 07 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).
Interposto recurso extraordinário em face do acórdão (RE 1.308.883/SP), o Ministro Edson Fachin proveu, monocraticamente, o RE para assentar que é constitucional a lei do município de Valinhos, São Paulo, que impede a administração pública de nomear pessoas condenadas pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) para cargos públicos.
Para o Min. Fachin, ao vedar a nomeação de agentes públicos, no âmbito da Administração Direta e Indireta do município, condenados nos termos da Lei federal nº 11.340/2006, a norma impugnada impôs regra geral de moralidade administrativa, visando dar concretude aos princípios elencados no caput do art. 37 da Constituição Federal, cuja aplicação independem de lei em sentido estrito e não se submetem a uma interpretação restritiva – ver página 03 de sua decisão.
Assim, por envolver a concretização de princípios de relevo constitucional, a iniciativa de leis com essa conotação ou natureza não seria privativa do Chefe do Poder Executivo, mas de qualquer dos Poderes.
Tal dispositivo guarda similitude com o art. 61, § 1º da Constituição Federal (que, por sua vez, utiliza o termo privativamente) e o art. 24, § 1º, da Constituição do Estado de São Paulo (que utiliza o vocábulo exclusivamente)
A cláusula da reserva de iniciativa, inserta no § 1º do artigo 61 da Constituição Federal de 1988, é corolário do princípio da separação dos Poderes. Por isso mesmo, de compulsória observância pelos Estados, inclusive no exercício do poder reformador que lhes assiste – ver CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 1227-1228.
É pacífico o entendimento de que as regras básicas do processo legislativo da União são de observância obrigatória pelos Estados, “por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes” – ver ADI 2420/ES, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2005, DJ 08-04-2005 e ADI 774/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 10/12/1998, DJ 26/02/1999.
De acordo com o Min. Edson Fachin, todavia, “a regra relativa a iniciativa legislativa aplica-se apenas aos casos em que a obrigação imposta por lei não deriva automaticamente da própria Constituição.” Para ele, “tal interpretação deve ainda ser corroborada pelo disposto no art. 5º, § 1º, da CRFB, segundo o qual os direitos e garantias previstos na Constituição têm aplicação imediata.”
Assim, “tratando-se o diploma impugnado na origem de matéria decorrente diretamente do texto constitucional, não subsiste o vício de iniciativa legislativa sustentado pelo Tribunal a quo” (página 4 da sua decisão).
Consigne-se que o Supremo, em geral, costuma conferir interpretação bastante restritiva quando analisa a iniciativa privativa do Chefe do Executivo para deflagrar o processo legislativo – CF, art. 61, § 1º. Para a Corte, não é possível, mediante projeto de lei de iniciativa parlamentar, editar lei que verse sobre regime jurídico, da remuneração e dos critérios de provimento de cargo público – ver, por exemplo: ADI 243/RJ, Rel. Octavio Gallotti, Rel. p/ Acórdão Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 01/02/2001, DJ 29/11/2002 e ADI 2834/ES, Rel. Min Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 20/08/2014, DJe 09/10/2014.
No RE 570.392/RS, Rel. Ministra Cármen Lúcia, julgado em 11/12/2014, DJe 18/02/2015, todavia, o Plenário do Tribunal deu um significativo passo para quebrantar sua posição tradicional acerca do tema. Entendeu-se que não seria privativa a iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo de lei cujo o conteúdo normativo concretizasse, por exemplo, princípios do art. 37, caput, da Constituição da República (no caso analisado, considerou-se que não são de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executiva leis que tratem dos casos de vedação ao nepotismo para ingresso no serviço público).
Assim, se o conteúdo da lei der concretude a princípios constitucionais, segundo o RE 570.392/RS (Tema 29) e a decisão proferida pelo Min. Edson Fachin no RE 1.308.883/SP (julgado em 07/04/2021, DJe 13/04/2021), é possível que qualquer dos poderes tenha a iniciativa legislativa e a norma criada não padecerá de vício.
De fato, se os princípios constitucionais prescindem de lei para serem observados, não há vício de iniciativa legislativa em leis editadas com o objetivo de dar eficácia específica a eles. Para essas decisões, a regra relativa a iniciativa legislativa é aplicável tão somente aos casos em que a obrigação imposta por lei não decorra automaticamente da própria Constituição.
Além disso, a Assembleia Legislativa do Ceará editou normas nesse sentido, tais como a Lei Estadual n°17.517, de 31 de 05 de 2021 (Veda condenados por crimes contra crianças, adolescentes e idosos) e a Lei Estadual n° 17.120, de 12 de dezembro de 2019 (Veda a nomeação de condenados pela Lei Maria da Penha e de Feminicídio).
Por essas razões, solicito o apoio dos nobres colegas parlamentares deste Poder Legislativo para aprovação da matéria, tendo em vista a sua relevância para o Estado do Ceará.
DAVI DE RAIMUNDÃO
DEPUTADO