PROJETO
DE LEI N° 03/2023
“DISPÕE
SOBRE A VEDAÇÃO DO USO DE RECURSOS PÚBLICOS NA CONTRATAÇÃO DE ARTISTAS CUJAS
MÚSICAS INCENTIVEM A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER OU PROMOVAM A DESVALORIZAÇÃO OU
EXPOSIÇÃO DE MULHERES A SITUAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”.
A ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art.
1º. Fica vedado aos artistas contratados com recursos
públicos estaduais, no cumprimento do objeto do contrato, a apresentação de músicas
que:
I
–Incentivem a violência contra a mulher;
II
– Estimulem a discriminação contra as mulheres; ou
III
– Submetam mulheres a situação vexatória ou
constrangedora.
Parágrafo
único. A vedação contida no caput deste artigo incide ainda sobre músicas que
incentivem ou promovam a discriminação em razão de raça, origem étnica ou
regional, nacionalidade, religião, identidade de gênero ou orientação sexual.
Art.
2º. Nos instrumentos firmados para a contratação de artistas com recursos
públicos estaduais deve constar cláusula com menção expressa às vedações
contida no art. 1º desta Lei.
Art.
3º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as
disposições em contrário.
RENATO ROSENO
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA:
A
presente propositura tem por objetivo instituir, no estado do Ceará, vedação
destinada a artistas contratados com recursos públicos
estaduais consubstanciada na apresentação de músicas cujo conteúdo
promova a violência contra mulheres, bem como a sua desvalorização ou exposição
a constrangimento. Busca vedar ainda a apresentação de músicas que promovam
discriminação em razão de raça, origem étnica ou regional, nacionalidade,
religião, identidade de gênero ou orientação sexual.
A
iniciativa se justifica no dever estatal de agir para a garantia da dignidade
da pessoa humana, para o combate às desigualdades e para a promoção do bem de
todos, sem discriminação em face do gênero, sexo, ou raça, dentre outros, nos
termos diversos dispositivos da Constituição Federal de 1988, com especial
destaque ao art. 1º, III e ao art. 3º, IV. Justifica-se, ainda, pela necessária
adequação aos usos dados aos recursos do erário com o interesse público, a saber o combate à todas as formas de discriminação e à
promoção de uma cultura de paz.
Sabe-se
que a cultura possui importante papel na construção da identidade nacional e na
promoção dos mais diversos debates, inclusive acerca do questionamento de
padrões e normas sociais e na difusão de novos valores. Por essa razão, a
Constituição assegura a ampla liberdade de expressão e criação como regra,
vedando a censura por parte do Estado, o que deve ser garantido a fim de
fortalecer os valores democráticos contidos no texto constitucional e o
respeito à diversidade de pensamento tão característica da sociedade
brasileira.
No
entanto, por mais que se deva defender e garantir a liberdade de criação e de
expressão, cabendo aos artistas delinear os contornos de suas obras, cabe ao
Poder Público, por intermédio de suas ações, desestimular
a utilização de expressões artísticas como veículos de difusão de ideias e comportamentos violentos. Os limites e
instrumentos da ação estatal nesse âmbito são conteúdo de constante e frutífero
debate por toda sociedade democrática, sendo certa a compatibilidade
constitucional de ações públicas voltadas a promover o combate à desigualdade.
A
proposta em apreço se afasta de qualquer iniciativa atinente a impor censura a
produções culturais ou a interferir na livre fruição dos direitos culturais por
parte da população cearense. Busca, por outro lado, munir a administração
pública de ferramentas voltadas a transversalizar
suas ações na busca de promoção da igualdade e do combate à violência.
Sabe-se
que a utilização de recursos públicos para a contratação de artistas é
importante vetor de promoção e difusão da cultura, além de contribuir para a
dinamização do mercado cultural. Possui ainda caráter de promoção dos direitos
culturais, garantindo à população o acesso aos bens culturais socialmente
produzidos e a fruição das diversas formas de linguagem artísticas. Contudo, o
emprego de verbas públicas deve observar o máximo compromisso com o interesse
público, o que é garantido, por exemplo, por intermédio das diversas normas que
visam tutelar a garantia da probidade e da moralidade administrativas no
dispêndio de verbas pela administração pública.
Acredita-se
que o respeito e a promoção dos direitos de sujeitos historicamente vulnerabilizados no âmbito das relações de poder na
sociedade brasileira constitui elemento essencial do interesse público, de modo
que cabe ao Estado a edição de normas que o concretizem. Por isso, não é
compatível com o ordenamento jurídico constitucional brasileiro a utilização de
recursos públicos para a difusão de expressões musicais que perpetuem atributos
discriminatórios que a sociedade brasileira busca combater.
A
iniciativa, frise-se, replica experiência adotada em
outros estados brasileiros, a exemplo da Bahia (Lei nº 12.573, de 11 de abril
de 2012), do Mato Grosso (Lei nº 10.274, de 28 de abril de 2015) e da Paraíba
(Lei nº 10.744, de 01 de agosto de 2016) e em normas municipais diversas pelo
país. Com efeito, multiplicam-se as leis editadas por entes subnacionais
com conteúdo similar ao que ora se propõe o que evidencia o interesse regional
na disciplina da questão.
Dialoga,
ademais, com as normas da Lei Orgânica da Cultura do Estado do Ceará,
instituída pela Lei nº 18.012, de 01 de abril de 2022, e que constitui vetor
para a elaboração e execução das políticas públicas culturais do estado e que
estrutura o Sistema Estadual da Cultura (SIEC). Isso pode ser visualizado
através da leitura de diversos dispositivos da norma, com especial destaque aos
que foram transcritos a seguir
Art.
3.º São princípios do Siec:
(...)
VI
- respeito aos direitos humanos;
VII
- dignidade;
VIII
- inclusão social e acessibilidade;
(...)
XXIII
- transversalidade das políticas culturais;
(...)
XXVIII
- economicidade, eficiência, eficácia e equidade na aplicação dos recursos
públicos;
(...)
XXXV
- diversidade cultural e compreensão de sua relevância para a plena realização
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais;
A
preocupação com o tema se justifica pelos alarmantes dados que demonstram a
necessidade de enfrentamento constante às múltiplas violências que atingem
determinados grupos sociais no Brasil. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, o Ceará registrou um aumento de 14,1% no número absoluto de feminicídios entre 2020 e 2021, percentual visto com
cautela pelos pesquisadores uma vez que apenas 10% dos homicídios que vitimaram
mulheres no estado em 2021 foram tipificados como feminicídio
(Dados do Relatório “Violência Contra Mulheres em 2021”).
Sob
o ponto de vista da constitucionalidade formal, é importante destacar que a
norma não ofende competência privativa da União, uma vez que trata de defesa
dos direitos de mulheres e outros grupos sociais historicamente vulnerabilizados, da busca pela eliminação de preconceitos
e pela promoção da dignidade da pessoa humana. Tampouco incide em matéria cuja
competência privativa para deflagar o processo
legislativo reside com o Governador do Estado.
Em
face do exposto, na forma regimental, apresenta-se o presente projeto de lei,
ao tempo em que se conta com a colaboração dos nobres pares na sua aprovação,
após os devidos trâmites do processo legislativo.
RENATO ROSENO
DEPUTADO