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PROJETO DE LEI N.º 356/2023

 

 

“INSTITUI DIRETRIZES E AÇÕES PARA O PROGRAMA ESTADUAL DE COMBATE AO RACISMO RELIGIOSO NO CEARÁ E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.”

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO CEARÁ DECRETA:

 

Art. 1º. Esta Lei institui diretrizes e ações para o Programa Estadual de Combate ao Racismo Religioso, que tem como objetivo a adoção de políticas de combate à intolerância religiosa e à estigmatização das religiões de matriz africana e de prevenção e enfrentamento da violência exercida contra seus praticantes, símbolos e lugares de culto.

Art. 2º. Para os fins desta Lei, considera-se racismo religioso toda e qualquer conduta praticada por agente público ou privado que resulte na discriminação dos povos de qualquer raça ou etnia ou em restrição de seus direitos coletivos ou individuais em razão da prática de religiões de matriz africana.

Art. 3º. É garantido aos praticantes de religiões de matriz africana, independentemente de raça ou etnia:

I – o direito a tratamento respeitoso e digno;

II – a prática e a celebração de seus rituais, em lugares privados ou públicos, observadas apenas as regulamentações administrativas nos exatos limites em que aplicadas a outras religiões ou reuniões de caráter não religioso;

III – o uso de vestimentas e indumentárias características, em lugares abertos ou fechados, públicos ou privados, inclusive solenes;

IV – o direito de levarem consigo para práticas e celebração de rituais, resguardados de qualquer constrangimento, crianças e adolescentes de que sejam responsáveis legais, de quem tenham a guarda de fato ou por cujo cuidado sejam responsáveis.

§ 1º. É assegurado a sacerdotes e sacerdotisas de religiões de matriz africana o acesso a entidades civis e militares de internação coletiva, públicas ou privadas, para fins de prestação de assistência religiosa na mesma forma e condições conferidas a sacerdotes de outras religiões, nos termos do art. 5º, VII, da Constituição da República.

§ 2º. A denúncia formulada contra os representantes legais de criança ou adolescente, ou contra as pessoas com quem a criança ou adolescente conviver, que forem responsáveis pelo seu cuidado ou que possuírem sua guarda de fato, que identifique diretamente as práticas de religiões de matriz africana com violação de direitos de criança ou adolescente sem indicação de qualquer fundamento fático ou legal, ou com fundamento fático notoriamente falso, deve ser considerada manifestação de racismo religioso e encaminhada para investigação pelas autoridades competentes por possível cometimento das infrações previstas no art. 140, § 3º, e art. 208 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, ou na Lei federal nº 7.437, de 20 de dezembro de 1985.

Art. 4º. A inobservância das garantias expressas no art. 3º acarreta:

I – para estabelecimentos comerciais e pessoas físicas, a aplicação de multa, a ser estabelecida pelo Poder Executivo;

II – para pessoas jurídicas de direito privado, a aplicação de multa, a ser estabelecida pelo Poder Executivo;

III – para servidores públicos, instauração de procedimento administrativo disciplinar para apurar responsabilidades pelo ato discriminatório ou ofensivo.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese, a denúncia de descumprimento deve ser encaminhada para as autoridades policiais para apuração das infrações previstas no art. 140, § 3º, e art. 208 do Código Penal ou na Lei federal nº 7.437, de 1985.

Art. 5º. O Programa Estadual de Combate ao Racismo Religioso tem como diretrizes:

I – promover os valores democráticos da liberdade religiosa e da laicidade do Estado, bem como do nexo entre elas, como parte de uma cultura de integral respeito aos direitos humanos;

II – articular os diferentes órgãos públicos com competência para fazer cessar violências e discriminações religiosas de cunho racista e responsabilizar os agressores;

III – reconhecer expressões de racismo e outras práticas de ódio em formas religiosas, e sua diferenciação da liberdade religiosa, inclusive no serviço público.

Art. 6º. O Programa Estadual de Combate ao Racismo Religioso deve se realizar, no mínimo, com as seguintes ações:

I – capacitação de servidores públicos ou de prestadores de serviços públicos, prioritariamente aqueles que atendem o público, quanto ao dever constitucional de igual respeito e tratamento aos praticantes de todas as religiões, bem como aos ateus;

II – veiculação de campanhas de comunicação social para conscientização quanto ao racismo religioso e suas expressões mais comuns;

III – elaboração de estudo que identifique os registros públicos de violência contra terreiros ou outros locais de culto de religiões de matriz africana, e posterior elaboração de plano de segurança;

IV – fiscalização de denúncias do cometimento de infrações tipificadas nesta Lei e aplicação das penalidades.

Art. 7º. Para a execução das ações previstas no Programa de que trata esta Lei, podem ser celebrados instrumentos de cooperação, convênios, acordos, ajustes ou termos de parceria entre entes governamentais e entre estes e entes não governamentais.

Art. 8º. As despesas decorrentes da execução desta Lei correm por conta de dotações orçamentárias próprias ou suplementadas, se necessário.

Art. 9º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

 

LIA GOMES

DEPUTADA

 

 

 

JUSTIFICATIVA:

 

O racismo é um fenômeno estrutural que perpassa por diversos campos da vida, seja através da discriminação pela cor da pele, seja por meio de expressões artísticas e/ou religiosas. Nessa conjuntura, as religiões de matriz africana são alvo de preconceitos eivados de estereótipos e palavras de ódio, levando seus praticantes a temerem serem estigmatizados, agredidos fisicamente e violentados em seu livre direito de expressar sua fé.

A perseguição, demonização e criminalização de tais religiões tiveram o condão na ideia eurocêntrica e xenófoba de considerar tudo que se originou no continente africano como algo inferior. Disto advém o método de negar a identidade afro em todas as suas expressões.

A laicidade do Estado passa a compor o rol de princípios do estado brasileiro a partir da Constituição de 1891, estabelecendo a separação entre Estado e Igreja e revogando parte dos atos que determinavam as restrições aos cultos não cristãos, assegurando, pelo menos na letra da lei, a igual liberdade de crença e de culto às religiões afrobrasileiras. No entanto, o histórico de ataque a terreiros e a templos de culto das religiões de matriz africana aponta para o fato de que há incutido na cultura brasileira uma espécie de ojeriza e rejeição a tais religiões e seus praticantes

Com o advento da Constituição Cidadã de 1988 e o restabelecimento do estado democrático de Direito, firmou-se o princípio da laicidade do estado e a garantia de liberdade de reunião e culto como direito fundamentado no artigo 5º, VI, a fim de garantir também a inviolabilidade e a liberdade de consciência e de crença. No entanto, tais garantias não foram suficientes para impedir a continuidade de ataques às religiões de matrizes africanas que sustentadas pelo preconceito persistem em nossa cultura.

Somente no primeiro semestre de 2019 foi registrado um aumento de 56% nos casos de intolerância religiosa em relação ao mesmo período do ano anterior, os dados revelam que as religiões de matriz africanas estão na centralidade dos casos, com ataques a templos de umbanda e candomblé. Os casos são registrados via Disque 100, criado pelo governo federal desde 2011. Entre 2015 e o primeiro semestre de 2019, foram 2.722 casos de intolerância religiosa – uma média de 50 por mês.

Portanto, não há que se argumentar pela violação do princípio da igualdade, uma vez que conforme entendimento fixado naquela corte (ADPF 186 – Cotas nas universidades) a igualdade deve ser interpretada de forma assimétrica e não meramente formal, afinal os grupos historicamente discriminados dentro de uma possibilidade de isonomia sofre uma série de efeitos como subrepresentação e opressões não experienciadas pelos grupos dominantes.

É necessário, portanto, que o estado fomente políticas e faça diminuir a fim de eliminar tais desigualdades.

 

 

LIA GOMES

DEPUTADA