PROJETO DE LEI N° 317/19

VEDA NO ESTADO DO CEARÁ A COMERCIALIZAÇÃO DE EQUIPAMENTOS PARA ELETROCONVULSOTERAPIA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:

Art. 1º – Fica vedada a comercialização de equipamentos para eletroconvulsoterapia no Estado do Ceará.

Art. 2º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


RENATO ROSENO
DEPUTADO

 

JUSTIFICATIVA

A “ Nova Política de Saúde Mental”, expressa através da Portaria 3588/2017 profundos retrocessos na perspectiva de saúde mental expressa pela Reforma Anti-Manicomial, entre eles, reinsere o uso da Eletroconvulsoterapia, procedimento extremamente invasivo e diretamente vinculado a uma perspectiva manicomial/hospitalocêntrica de Saúde Mental. Neste sentido, este PL visa vedar a comercialização e a compra de aparelhos e equipamentos destinados a esse atendimento. Inúmeros conselhos profissionais, associações, movimentos sociais, especialistas e usuários do Sistema Único de Saúde – SUS, mais especificamente da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS, se opõem a essa prática, que representa, em qualquer uma de suas modalidades, uma violação dos direitos humanos e não compete ao Estado adquirir ou comercializar instrumentos desta natureza.

O uso do eletrochoque ou eletroconvulsoterapia (ECT) consiste na aplicação de uma determinada carga elétrica ao cérebro do indivíduo, suficiente para causar convulsões. Diferente do que se costuma pensar, os efeitos terapêuticos desta prática estão associados à convulsão e não ao choque, o que se busca neste tratamento é o estado que decorre da convulsão ( KAPLAN, 1997), não se sabe, contudo, qual o mecanismo ou de que modo as convulsões atuariam na melhora de problemas psíquicos, os resultados, frequentemente apontados como argumentos para o uso desta modalidade de intervenção psiquiátrica estão atrelados à observação clínica ( SILVA, 2012).

Não há consenso entre profissionais de saúde acerca da eficácia da ECT, uma vez que não há suficientes estudos que indiquem a segurança do procedimento, há uma trajetória desumanizadora em torno desta prática, utilizada, ao longo do tempo, como forma de controle, disciplinamento e tortura, conforme nos informa o historiador David Rothman afirmou em uma reunião do Conselho Clínico NIH:

“A terapia por eletrochoque se destaca de forma praticamente solitária entre todas as intervenções médicas e cirúrgicas, no sentido em que seu uso impró-prio não tinha a meta de curar, mas sim o de controlar pacientes para o bene-fício da equipe hospitalar (SABBATINI, 1997 apud PENALVA, 2012)

É possível identificar modificações nas formas de uso do eletrochoque, sendo que suas primeiras manifestações entre os anos 20 até meados de 80 resultada em experiências profundamente traumáticas para os pacientes “tratados”, fraturas, causadas pelos movimentos involuntários decorrentes do choque, parada cardíaca, dentes quebrados, intensa dor. Segundo Penalva (2012) o uso do eletrochoque sem anestesia em nada diferenciava-se da tortura e representa, para os sobreviventes de seu uso, objeto de imenso trauma e sofrimento.

Obviamente, como argumentam os defensores da prática, a moderna versão do eletrochoque, eufemisticamente nomeada de “eletroconvulsoterapia” - ECT toma uma série de medidas com vistas a reduzir os danos do paciente, medidas estas que, segundo Del Porto (2006):

Após o procedimento, seguidos todos estes requisitos, os riscos ainda envolvem a perda de memória, possíveis problemas cardíacos e não há parâmetros de avaliação da efetividade deste procedimento. É importante, contudo, frente a esta polêmica questão, considerar que a efetividade de um procedimento de saúde não é o único e absoluto critério para sua defesa, a autonomia dos pacientes, o bem-estar biopsicossocial são dimensões fundamentais.

Segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO:

“O uso do ECT, popularmente conhecido como eletrochoque, na história da psiquiatria mundial e brasileira, é investido de uma enorme gravidade pela estreita relação que mantém com a violação de direitos humanos de milhares de pessoas que foram internadas em manicômios e submetidas a essa tecnologia, cujo efeito inegável era a produção de corpos dóceis e calmos em realidades institucionais conturbadas e desumanizadoras. Deixando de lado o papel da própria instituição manicomial na produção/perpetuação do sofrimento psíquico, o discurso psiquiátrico hegemônico justificava a pertinência clínica do ECT de modo a ocultar que, em verdade, era utilizado predominantemente como prática punitiva, em contextos de reclusão social e negação de liberdades. Figurou-se, portanto, historicamente, como uma prática manicomial violenta que, como outras, era destituída de sentido para aquele/as que as viviam. Esse uso violento do eletrochoque marca, de maneira traumática, a memória e os corpos de gerações de pessoas, e se traduz em uma simbologia contundente, capaz de reativar dores profundas, relacionadas ao abandono, à coerção, à violência física e simbólica que a todos desumaniza, e que, paradoxalmente, esteve presente em uma gama de práticas ditas ‘terapêuticas’. Não é possível apagar esses horrores da memória, e mesmo que eles deixassem de existir (o que, infelizmente, ainda não é o caso na atualidade de muitas instituições e países), deveriam servir como um sinal de alerta, para que estejamos atentos e bastante cautelosos para que não se repitam”.

Em consideração ao exposto é que se justifica a vedação da compra de equipamentos e aparelhos de ECT.

Do exposto, observa-se a relevância, constitucionalidade e adequação jurídica da proposição, que contribuirá para a saúde e a garantia dos Direitos Humanos no Estado do Ceará e, por tal motivo, merece aprovação.

 

RENATO ROSENO
DEPUTADO