PROJETO DE LEI N.° 266/2023
“DISPÕE SOBRE A INSTITUIÇÃO DO PRODUTO “MANTA DE CARNEIRO ARTESANAL DOS INHAMUNS” PATRIMÔNIO CULTURAL E IMATERIAL DO ESTADO DO CEARÁ, A NORMATIZAÇÃO DE SUA PRODUÇÃO E CONCEITO, A CRIAÇÃO DO SELO DE QUALIDADE E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º Fica instituído o conceito e a normatização para certificação do produto “manta de carneiro artesanal dos Inhamuns” com a finalidade de reconhecer e de preservar a tradição histórica e cultural da Região dos Inhamuns, no Estado do Ceará.
Art. 2º A denominação “Manta de Carneiro Artesanal dos Inhamuns” limita-se, exclusivamente, àquela produzida de forma artesanal, dentro dos padrões especificados nesta Lei na área geográfica da Região dos Inhamuns.
Art. 3º Para efeito desta Lei, entende-se por:
I - “Manta de Carneiro Artesanal dos Inhamuns” a produção artesanal da manta de carneiro através da retalhação inteira da carcaça, obedecendo ao seguinte protocolo: o animal é abatido, retirado o couro, a fussura, as vísceras, as patas e em seguida é escalado (termo sertanejo usado na confecção do produto), temperada com sal ou sal e pimenta e desidratada por um tempo ao sol e à sombra, conforme a tradição histórica e cultural da região dos Inhamuns.
II – Região dos Inhamuns, aquela delimitada pela Lei Complementar Estadual nº 154, de 20 de outubro de 2015, compreendendo os municípios de Aiuaba, Arneiroz, Parambu, Quiterianópolis e Tauá.
Art. 4º Somente será permitida a produção da “Manta de Carneiro Artesanal dos Inhamuns” sob as seguintes condições:
I - ser confeccionada a partir de carneiros produzidos na Região dos Inhamuns, a fim de guardar os sabores e características próprias do produto;
II – ser fabricada de forma artesanal;
III – os produtores da manta devem ser cadastrados na associação de produtores da “Manta de Carneiro Artesanal dos Inhamuns”. A associação pode ser criada pelos produtores, independente de regulamentação desta Lei.
IV – os animais devem passar por controle de parasitas e outras manifestações patológicas que comprometam a saúde do rebanho ou a qualidade do produto;
V – a produção da manta deve obedecer às condições higiênico-sanitárias necessárias, observando a higiene pessoal, o processo do abate, a elaboração da manta artesanal, a armazenagem e o transporte para comercialização.
Art. 5º O registro dos processos de produção da “Manta de Carneiro Artesanal dos Inhamuns”, será feito mediante Grupo Técnico criado para este fim, sem remuneração, com a seguinte composição:
I – um representante do Poder Executivo indicado pelo Secretário de Agricultura, Pesca e Aquicultura do Estado do Ceará;
II - um representante da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, indicado por seu Presidente;
III - um representante indicado pela Embrapa Ovinos e Caprinos;
IV - dois representantes de entidades organizadas de produtores de ovinos e caprinos escolhidos democraticamente pelos Prefeitos de cada município da Região dos Inhamuns.
Parágrafo único. Fica a cargo do Grupo de que trata este artigo, atestar a qualidade da Manta de Carneiro, devendo se reunir, no mínimo, uma vez por semestre para discutir a certificação do produto.
Art. 6º Fica instituído o Selo de Qualidade “Manta de Carneiro Artesanal dos Inhamuns”, a ser exibido no rótulo do produto que obtiver o certificado de controle de origem e qualidade a que se refere o art. 4º desta lei.
Art. 7º A utilização indevida da denominação “Manta de Carneiro Artesanal dos Inhamuns” sujeitará o infrator às seguintes penalidades:
I - advertência;
II – inabilitação do infrator a receber crédito, financiamentos e benefícios estaduais pelo período de dois anos, contados a partir da decisão do Grupo Técnico de Certificação de Origem referido nesta Lei;
III - multa de 200 UFICEs (duzentas Unidades Fiscais do Estado do Ceará) a 2.000 UFICEs (duas mil Unidades Fiscais do Estado do Ceará), de acordo com o porte do empreendimento e o volume da mercadoria;
§ 1º Caberá a qualquer cidadão denunciar aos órgãos de defesa do consumidor o descumprimento do disposto nesta Lei.
§ 2º As penalidades resultantes das infrações previstas neste artigo serão aplicadas pelos órgãos de defesa do consumidor, conforme já prevê a legislação específica, sem prejuízo de suas atribuições.
Art. 8º Para a garantia de sua execução, esta Lei poderá ser regulamentada no que couber.
Art. 9º Esta lei entra em vigor no prazo de cento e oitenta dias contados da data de sua publicação.
GABRIELLA AGUIAR
DEPUTADA
JUSTIFICATIVA:
Apesar do quadro de semiaridez, o sertão dos Inhamuns apresenta características ambientais e históricas favoráveis ao desenvolvimento de políticas de promoção e valorização de produtos cárneos de ovinos e caprinos.
A região inclusive obteve o reconhecimento de criadora qualificada de caprinos e ovinos, por meio da lei estadual nº 15.803/15, que dá à região esse status, contribuindo para o processo de Certificação dos produtos advindos dessa produção animal.
Dentre as produções derivadas da criação dos ovinos e caprinos, merece destaque o produto "Manta de Carneiro", já conhecido em várias regiões do Brasil.
Nessa região, a ovinocultura e a caprinocultura constituem-se atividades tradicionais, possuindo um rebanho significativo. É considerada um polo potencial de desenvolvimento de produtos destes animais, principalmente da “Manta de Carneiro”.
Com base nessa vocação, o Ministério da Integração Nacional incluiu a região dos Inhamuns no Programa “Rota do Cordeiro”, que tem como objetivo apoiar a atividade de produção de cordeiros e cabritos e todas as atividades que estão ligadas a esta cadeia produtiva.
O patrimônio imaterial da Manta de Carneiro já foi objeto de estudo da EMBRAPA, que além de artigos desenvolveu um documentário tratando do assunto.
A cozinha, fruto da mistura dos cardápios indígena, português e africano, aliada ao ambiente físico quente e seco do sertão semiárido dos Inhamuns, apresenta gastronomia genuinamente sertaneja. Produtos como queijo de coalho, manteiga da terra, goma, farinha de mandioca, rapadura, carne-seca, paçoca, carne de carneiro e de bode representam os elementos da identidade cultural da região.
A carne de sol, produzida nesta região, derivada em sua maioria de ovinos e caprinos, tem a fama de possuir aspecto e sabor diferenciado em função das plantas existentes na caatinga, tipo de solo, clima e da forma de criação dos animais.
A confecção da “Manta de Carneiro”, que é a carcaça inteira do carneiro retalhada, segue o seguinte protocolo: o animal é abatido, retirado o couro, a fussura, as vísceras, as patas e em seguida é escalado (termo sertanejo usado na confecção do produto), temperada com sal e desidratada por um tempo ao sol e à sombra. O processo secular e artesanal de elaboração da "Manta" é relativamente complexo e são poucas as pessoas que têm o domínio dessa técnica artesanal, que vem sendo repassada por familiares, contendo aspectos próprios da cultura local.
A região apresenta características ambientais e históricas favoráveis ao desenvolvimento de políticas de promoção e valorização de produtos cárneos de ovinos e caprinos produzidos pelos agricultores familiares. Possui atributos que conferem amplas possibilidades de mercado, não apenas por características nutritivas, mas também porque eles trazem a marca de um território, de um modo de produzir, de um povo e de suas tradições.
Tais motivos corroboram a necessidade da aprovação do presente projeto de lei, para garantir a certificação desse patrimônio estadual.
A certificação é considerada um procedimento, segundo o qual uma terceira parte credenciada e independente dá garantia escrita de que um produto, processo ou serviço está em conformidade com requisitos e normas especificadas. É um processo de auditoria de origem e trajetória de produtos agrícolas e industriais, desde sua fonte de produção até o ponto final de venda ao consumidor, com avaliação de conformidade nas regras estabelecidas.
Para o selo de certificação ser colocado em um produto, é preciso passar por um sistema de qualidade e, após submetê-lo a algumas avaliações de normas e requisitos, constatar-se que o produto atende satisfatoriamente às normas de qualidade, ele receberá o selo com uma emissão de certificado, assim comprovando que a empresa/processadora está devidamente nas normas e nos padrões estabelecidos nos protocolos.
A empresa ou processadora irá passar por um acompanhamento constante de uma entidade certificadora para garantir que a empresa está cumprindo as normas e os padrões protocolares. Dessa forma, a entidade sempre estará garantindo a qualidade dos produtos para fornecer o selo de certificação. E garantir ao consumidor a qualidade e a confiabilidade que o consumidor tem no selo de garantia.
Podemos dizer, então, que a certificação é uma prática que surgiu da necessidade de se fiscalizar a origem e o processamento de um alimento, permitindo ao agricultor um produto mais diferenciado e mais valorizado, estabelecendo uma relação de confiança com o consumidor.
Outro aspecto relevante a se destacar é que a certificação agrícola reduz os riscos ambientais e sociais das propriedades certificadas, melhorando o acesso ao crédito para custeio e investimento.
Antes do processo de certificação da “Manta de “Carneiro”, faz-se necessária a realização de medidas essenciais para a conquista da referida certificação:
1 - Normatização do conceito da “Manta de Carneiro” e dos meios de sua produção, a fim de obter um protocolo de padronização, mediante o Projeto de Lei em comento;
2 - Melhoria da organização dos produtores de forma a regularizar a oferta e a escala de produção de animais padrão, para atender aos mercados potenciais;
3- Treinamento e adoção de boas práticas de abate, de fabricação/processamento, embalagem e refrigeração; sensibilização e capacitação dos agentes de comercialização;
4 - Obtenção do registro da produção da manta, junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), chamada Indicação Geográfica (IG). Processo da identificação geográfica conferida a um produto ou serviço, por meio da qualidade e da excelência do modo como são produzidos, associada à fama de uma área geográfica, regulamentada pela Lei nº 9.279/96. A Indicação Geográfica designa um produto pelo seu nome geográfico como originário de uma área delimitada, quando determinada reputação, qualidade ou características são atribuídas a esta origem geográfica. A indicação geográfica divide-se em duas espécies: indicação de procedência e denominação de origem.
Em breve síntese, a indicação de procedência exige que o local seja famoso pelo seu produto, e na denominação de origem se comprove o vínculo do produto com o meio geográfico, pelos fatores naturais e humanos. Com esse registro, o produto “Manta de Carneiro dos Inhamuns” passará a ter o reconhecimento conferido a produtos como os vinhos da região Bordeaux, o presunto de Parma e o queijo da Canastra.
Em face do exposto, na forma regimental, apresenta-se o presente projeto de lei, ao tempo em que se conta com a colaboração dos nobres pares na sua aprovação, após os devidos trâmites do processo legislativo.
GABRIELLA AGUIAR
DEPUTADA