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PROJETO DE LEI N.° 262/2023

 

“DISPÕE SOBRE O DIREITO DAS PESSOAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) À INCLUSÃO DO SÍMBOLO QUE REPRESENTA O AUTISMO NOS DOCUMENTOS DE IDENTIFICAÇÃO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.”

 

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:

Art. 1o. Fica assegurado às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), mediante requerimento, o direito à escolha de utilização, em seus documentos oficiais emitidos por órgãos do estado do Ceará, do símbolo da fita quebra-cabeça que representa o TEA.

§ 1o Para os efeitos desta Lei, considera-se pessoa com transtorno do espectro autista aquela que possui a síndrome clínica caracterizada na forma do artigo 1o, § 1o, da Lei n° 12.764, de 27 de dezembro de 2012.

§ 2o Para os efeitos desta Lei, o direito à inclusão do símbolo de que trata o caput deste artigo abrange todos os documentos de identificação oficiais, físicos e digitais, emitidos por qualquer dos órgãos da administração pública estadual direta ou indireta.

Art. 2o. O símbolo da fita quebra-cabeça a que se refere o caput do artigo 1o será incluído na parte em que conste a foto da pessoa no documento de identificação.

Parágrafo único. Sob pena de responsabilização por violar os direitos de personalidade dos beneficiários da presente Lei, fica expressamente vedada a inclusão de quaisquer símbolos que gerem constrangimento à pessoa, bem como a inclusão do símbolo que trata o artigo 1o desta Lei contra a vontade do beneficiário.

Art. 3o. O requerimento a que alude o artigo 1º desta Lei será gratuito e direcionado ao órgão responsável pela emissão do documento de identificação a que se destina a inclusão do referido símbolo.

Parágrafo único. A documentação necessária para o deferimento do pedido e inclusão do referido símbolo será fixada no regulamento a ser editado pelo Poder Executivo, o qual deve ser amplamente divulgado no ambiente disponível para o envio do requerimento.

Art. 4o. A referida inclusão poderá ser requerida na primeira via da documentação ou nas vias subsequentes.

Parágrafo único. As pessoas com TEA que já possuam documento de identificação oficial poderão requerer uma via para a inclusão do símbolo, nos termos e moldes estabelecidos nas normas em vigor para tanto.

Art. 5o. O direito de que trata a presente Lei será amplamente divulgado pelo Poder Público estadual.

Art. 6º. As despesas com a execução da presente Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 7o. Decreto do Poder Executivo regulamentará, no que couber, a presente Lei após a sua publicação.

Art. 8o. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

 

JÔ FARIAS  

DEPUTADA

 

 

 


JUSTIFICATIVA:

 

O Transtorno do Espectro Autista (TEA), popularmente conhecido como autismo, é uma condição que afeta o desenvolvimento neurológico e pode ser percebido nos primeiros anos de vida. As pessoas que possuem o autismo ainda sofrem com diversos estigmas, principalmente por parte das pessoas que desconhecem o que representa a referida condição, sendo invisibilizadas e não tendo seus direitos respeitados.

O símbolo da fita quebra-cabeça representa o mistério e a complexidade do autismo, sendo mundialmente conhecido como o símbolo das pessoas nesta condição, usado principalmente no dia 2 de abril, considerado dia mundial de conscientização do autismo. A fita foi usada pela primeira vez no ano de 1963 e popularizada pela entidade norte-americana Autism Speaks, que atua em defesa das pessoas com autismo.

Em nosso país, estima-se que mais de 2 milhões de pessoas vivam com o autismo[1]. O Center of Diseases Control and Prevention, em estudo publicado no ano de 2022, aponta que, a cada 44 crianças, uma possui o TEA. Os referidos dados só asseveram a necessidade de ampliar as ações voltadas ao referido público.

O presente Projeto de Lei visa assegurar às pessoas com autismo o direito, caso queiram, de conter, em seus documentos oficiais de identificação, emitidos por órgãos da administração pública estadual, a inclusão da fita quebra-cabeça, que representa o TEA, para facilitar a identificação, para garantir acesso aos direitos das pessoas com autismo, bem como para dar fé à informação de que a pessoa possui o autismo, visto que a documentação goza de fé pública.

O Decreto n°. 10.977, de 23 de fevereiro de 2022, - que regulamenta a Lei n°. 7.116, de 29 de agosto de 1983, que dispõe sobre a emissão dos Registros Gerais – em seu artigo 14, § 2o, III, dispõe que o titular poderá requerer a inclusão de algumas informações na carteira de identidade, dentre elas informações sobre “condições específicas de saúde cuja divulgação possa contribuir para preservar a sua saúde ou salvar a sua vida”, o que só reforça a possibilidade de inclusão do símbolo da fita quebra-cabeça.

A medida já é realizada por órgãos em alguns estados do Brasil, inclusive no Ceará. No estado, é uma iniciativa da Perícia Forense do Ceará (Pefoce), que, entre 2019 e 2020, já havia emitido mais de 500 carteiras de identidade com o símbolo do autismo[2]. Entretanto, é necessário estabelecer a medida como um direito desta população, para que, cada vez mais, sua condição possa ser conhecida e respeitada.

A Lei 13.977/2020, conhecida como “Lei Romeo Mion”, instituiu a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA), com o intuito de facilitar a identificação das pessoas com autismo. A criação de uma carteira própria também reforça a necessidade de inclusão destas informações nos demais documentos oficiais feitos pelo Poder Público.

A Constituição da República, em seu artigo 22, XIV, positiva como competência legislativa concorrente da União e dos estados a “proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”. Conforme supracitado, a presente proposta visa dar visibilidade a esta população bem como assegurar o cumprimento de seus direitos básicos, cumprindo o mandamento constitucional de proteção e integração desse público.

Em relação à constitucionalidade da presente proposta, faz-se necessário relembrar a lição dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.330, julgada em 03.05.2012, sob relatoria do ministro Ayres Britto, reafirmando que não ofende o princípio da isonomia tratar os desiguais na medida de suas desigualdades, verbis:

[...] Não há outro modo de concretizar o valor constitucional da igualdade senão pelo decidido combate aos fatores reais de desigualdade. O desvalor da desigualdade a proceder e justificar a imposição do valor da igualdade. A imperiosa luta contra as relações desigualitárias muito raro se dá pela via do descenso ou do rebaixamento puro e simples dos sujeitos favorecidos. Geralmente se verifica pela ascensão das pessoas até então sob a hegemonia de outras. Que para tal viagem de verticalidade são compensadas com este ou aquele fator de supremacia formal. Não é toda superioridade juridicamente conferida que implica negação ao princípio da igualdade. O típico da lei é fazer distinções. Diferenciações. Desigualações. E fazer desigualações para contrabater renitentes desigualações. A lei existe para, diante desta ou daquela desigualação que se revele densamente perturbadora da harmonia ou do equilíbrio social, impor uma outra desigualação compensatória. A lei como instrumento de reequilíbrio social. Toda a axiologia constitucional é tutelar de segmentos sociais brasileiros historicamente desfavorecidos, culturalmente sacrificados e até perseguidos, como, verbi gratia, o segmento dos negros e dos índios. Não por coincidência os que mais se alocam nos patamares patrimonialmente inferiores da pirâmide social. [...]. Com o que se homenageia a insuperável máxima aristotélica de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, máxima que Rui Barbosa interpretou como o ideal de tratar igualmente os iguais, porém na medida em que se igualem; e tratar desigualmente os desiguais, também na medida em que se desigualem. (ADI 3.330, rel. min. Ayres Britto, j. 3-5-2012, P, DJE de 22-3-2013.)

Assim, a presente proposta não visa desigualar a condição das pessoas com deficiência em relação as pessoas sem deficiência, mas lhes facilitar o acesso aos direitos e garantias inerentes a sua condição, em especial a condição das pessoas com autismo.

Haja vista não se tratar de competência privativa do Governador constante no rol do artigo 60, § 2o, da Constituição do Ceará, é que se justifica a proposição por meio de Projeto de Lei e não Projeto de Indicação, visto que o § 3o do mesmo artigo positiva que “ressalvadas as hipóteses previstas no § 2o deste artigo, a iniciativa de leis que disponham sobre as matérias da competência comum e concorrente da União e Estados, previstas na Constituição Federal, poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Governador do Estado e pelos Deputados Estaduais”.

Diante do exposto e considerando que cabe ao Estado a garantia dos direitos humanos, em especial da mulher, da criança, do adolescente e da pessoa com deficiência, contamos com o apoio de Vossas Excelências para a aprovação da presente iniciativa.

 

[1]https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2022/04/4997766-cerca-de-2-milhoes-de-pessoas-vivem-com-o-autismo-no-brasil.html.

[2]https://www.pefoce.ce.gov.br/2020/01/13/mais-de-500-carteiras-de-identidade-com-o-simbolo-do-autismo-foram-emitidas-no-ceara/.

 

 

JÔ FARIAS  

DEPUTADA