PROJETO DE LEI N.° 216/2023
“INSTITUI O ESTATUTO DA MULHER PARLAMENTAR E DA MULHER OCUPANTE DE CARGO OU EMPREGO PÚBLICO NO ÂMBITO DO ESTADO DO CEARÁ.”
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º Fica instituído o Estatuto da Mulher Parlamentar e da mulher ocupante de cargo ou emprego público no âmbito do Estado Ceará, destinado a promover e proteger o exercício pleno e em condições de igualdade de todos os direitos políticos e sociais inerentes às mulheres no exercício dessas atividades.
Art. 2º O Estatuto da Mulher Parlamentar e da mulher ocupante de cargo ou emprego público tem a finalidade de implementar mecanismos de prevenção, de cuidados e de responsabilização contra atos individuais ou coletivos de assédio e qualquer forma de violência política contra mulheres, contribuindo para o pleno exercício dos seus direitos, em conformidade com o Art. 5º, Inciso I, da Constituição Federal, e com os tratados e instrumentos internacionais de direitos humanos das mulheres, entre eles a Comissão sobre o Estatuto das Mulheres da Organização das Nações Unidas (CSW/ONU).
Art. 3º São objetivos do Estatuto da Mulher Parlamentar e da mulher ocupante de cargo ou emprego público:
I - coibir e prevenir atos, comportamentos e manifestações individuais ou coletivas de violência política e perseguição, que, direta ou indiretamente, afetam as mulheres no exercício de atividade parlamentar e de funções públicas;
II - fortalecer o exercício dos direitos políticos das mulheres filiadas a partido político, candidatas, eleitas ou nomeadas;
III - desenvolver e implementar políticas e estratégias públicas para a erradicação de todas as formas de assédio e violência política contra as mulheres;
Art. 4º Constituem deveres a serem observados no Parlamento e nas demais instituições públicas no âmbito do Estado do Ceará:
I - garantir às mulheres o pleno exercício dos seus direitos políticos de participar como eleitoras e parlamentares, oportunizando condições, oportunidades e recursos que contribuam para igualdade entre homens e mulheres, aplicando-se a paridade e alternância na representação política em todos os órgãos e instituições;
II - prevenir e punir qualquer forma de violência política contra as mulheres;
III - proibir e punir qualquer forma de discriminação, entendida como distinção, exclusão, desvalorização, recusa ou restrição, que tenha a finalidade ou resultado de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo e exercício dos direitos políticos das mulheres na vida pública;
IV - fortalecer os instrumentos democráticos participativos, representativos e comunitários, através dos próprios mecanismos da sociedade civil organizada para alcançar os objetivos desta lei.
Art. 5º Para fins dessa lei considera-se:
I - assédio político: o ato ou o conjunto de atos de pressão, perseguição ou ameaças, cometidos por uma pessoa ou grupo de pessoas, diretamente ou através de terceiros, contra a mulher ou seus familiares, com o propósito de reduzir, suspender, impedir ou restringir as funções inerentes ao seu cargo, para induzi-la ou forçá-la a realizar, contra a sua vontade, determinada ação ou incorrer em omissão, no desempenho de suas funções ou no exercício dos seus direitos;
II - violência política: as ações, condutas ou agressões físicas, verbais, psicológicas e sexuais cometidas por uma pessoa ou grupo de pessoas, diretamente ou através de terceiros, contra a mulher ou seus familiares, com o propósito de reduzir, suspender, impedir ou restringir as funções inerentes ao seu cargo, para induzi-la ou forçá-la a realizar, contra a sua vontade, determinada ação ou incorrer em omissão, no desempenho de suas funções ou no exercício dos seus direitos.
Art. 6º Serão considerados atos de assédio ou violência política contra as mulheres candidatas, eleitas, ou nomeadas no exercício da função pública, aqueles que:
I - imponham, por estereótipos de gênero, a realização de atividades e tarefas não relacionadas com as funções e competências do seu cargo;
II - atribuam responsabilidades que tenham como resultado a limitação do exercício da função parlamentar;
III - proporcionem informações falsas, incorretas ou imprecisas, que conduzam ao exercício inadequado de suas funções políticas;
IV - impeçam, por qualquer meio, que as mulheres eleitas, titulares ou suplentes, durante sessões ordinárias ou extraordinárias, ou qualquer outra atividade que envolva a tomada de decisões, exerçam o direito de falar e votar em igualdade e condições com os homens;
V - forneçam, ao Tribunal Regional Eleitoral, informações falsas ou incompletas acerca da identidade ou sexo da candidata;
VI - impeçam ou restrinjam a reintegração de mulheres ao seu cargo, após usufruir licença justificada;
VII - restrinjam o uso da palavra em sessões ou reuniões de comissões, solenidades e outras instâncias inerentes ao exercício político/público previstos nos regulamentos estabelecidos;
VIII - imponham sanções injustificadas, impedindo ou restringindo o exercício dos direitos políticos;
IX - apliquem sanções pecuniárias, descontos arbitrários e ilegais ou retenção de salários;
X - discriminem, por razões que se relacionem à cor, idade, sexo, nível de escolaridade, deficiência, origem, idioma, religião, ideologia, filiação política ou filosófica, orientação sexual, estado civil, cultura, condição econômica, social ou de saúde, profissão ou ocupação, aparência física, vestimenta, apelido, ou qualquer outra, que tenha como objetivo ou resultado anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em condições de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais legalmente reconhecidas;
XI - discriminem a mulher por estar em estado de gravidez, parto ou puerpério, impedindo ou negando o exercício do seu mandato e o gozo dos seus direitos sociais reconhecidos por lei;
XIl - divulguem ou revelem informações pessoais e privadas de mulheres, com o objetivo de ofender a sua dignidade e/ou, contra a sua vontade, obter a renúncia ou licença do cargo exercido ou postulado;
XIII - pressionem ou induzam as mulheres eleitas ou nomeadas a renunciarem ao cargo exercido;
XIV - obriguem as mulheres eleitas ou nomeadas, mediante o uso de força ou intimidação, a assinar documentos ou endossar decisões contrárias à sua vontade e ao interesse público;
Art. 7° Será nulo o ato praticado por mulheres em decorrência de situação de violência, devendo ser instaurado procedimento administrativo para responsabilização do autor.
Art. 8º As denúncias de que trata esta lei poderão ser apresentadas pela vítima, pelos seus familiares, ou por qualquer pessoa física ou jurídica, verbalmente ou por escrito, perante as autoridades competentes, devendo ser observado, em todo momento, o desejo e anuência das mulheres denunciantes em todo processo.
Art. 9º Os servidores públicos, que tenham conhecimento de atos de assédio ou violência política contra mulheres candidatas, eleitas ou nomeadas em função pública, deverão comunicar o fato às autoridades competentes.
Art. 10º Em caso de ocorrência de ato de assédio ou violência política, conforme descrito no Art. 6º desta lei, a vítima poderá optar pela via administrativa e denunciar o caso perante a instituição a que pertencer(em) o(s) agressor(es) ou agressora(as), a fim de que seja instaurado processo e aplicadas sanções disciplinares ou administrativas correspondentes, de acordo com o procedimento estabelecido por lei.
Art. 11º Fica instituído o Dia da Mulher Parlamentar e da mulher ocupante de cargo ou emprego público, a ser comemorado, anualmente, no dia 24 de fevereiro, data do reconhecimento legal ao direito ao voto feminino, passando a integrar o Calendário Oficial do Estado do Ceará
Art. 12º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
GABRIELLA AGUIAR
DEPUTADA
JUSTIFICATIVA:
O contexto histórico dos direitos políticos conquistados pelas mulheres no Brasil se deu com muitas lutas e movimentos sociais presentes na História brasileira.
No ano de 2023, comemoramos os trinta e cinco anos da Constituição Cidadã, um marco na história política do nosso país. Com a Carta Magna de 1988 iniciou-se um período de Estado democrático, positivando-se vários direitos para o cidadão brasileiro, entre eles aqueles relativos à mulher, grupo de minoria que durante séculos permaneceu à margem da cidadania.
No Brasil, as mulheres tiveram seu direito ao sufrágio garantido com o Decreto nº. 21.076, de 24 de fevereiro de 1932[1], que regulamentava o alistamento e o processo eleitoral no país. A representação feminina no Parlamento somente foi registrada no ano de 1933, com as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte. Contudo, a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações foi contemplada na Constituição Federal de 1988, quando o movimento feminino já estava fortalecido.
Em 2009, o Congresso aprovou a minirreforma eleitoral e, pela nova lei (12.034/09), os partidos foram obrigados a preencher 30% das vagas em eleições proporcionais (vereadores e deputados) com candidatos de um dos sexos. Antes, a lei exigia apenas a reserva de 30% das vagas, e não o preenchimento efetivo. Com a Reforma Eleitoral de 2015, há uma alteração na aplicação do Fundo Partidário que estipula um valor maior a ser investido no incentivo à participação feminina na política. Mesmo com todos estes avanços, a política de cotas não se traduziu num controle mais equitativo do número de vagas por sexo.
Contudo, ainda em tímido avanço a legislação eleitoral, por meio da Resolução 23.609/21, determinou em seu art. 17, §2º, que cada partido deveria efetivamente realizar a divisão das candidaturas por gênero, in verbis:
Art. 17. Cada partido político ou federação poderá registrar candidatas e candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 100% (cem por cento) do número de lugares a preencher mais 1 (um) ( Lei nº 9.504/1997, art. 10, caput ). (Redação dada pela Resolução nº 23.675/2021)
§ 1º No cálculo do número de lugares previsto no caput deste artigo, será sempre desprezada a fração, se inferior a 0,5 (meio), e igualada a 1 (um), se igual ou superior (Lei nº 9.504/1997, art. 10, § 4º) .
§ 2º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido político ou federação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada gênero ( Lei nº 9.504/1997, art. 10, § 3º ). (Redação dada pela Resolução nº 23.675/2021)
A despeito destas mudanças legislativas, a participação da mulher na política ainda enfrenta muitos desafios. Para que a igualdade no exercício dos direitos políticos se coloque na ordem do dia serão necessárias reflexões mais profundas, buscando pensar quais as razões que afastam as mulheres da política e a articulação dessa ausência com outras manifestações de desigualdade de gênero, raça, orientação sexual e outras.
Nessa perspectiva, esse projeto visa a contribuir no fortalecimento para uma efetiva participação política das mulheres. Essa proposta é inspirada na iniciativa proveniente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, que originou a Lei nº 8.621/19[2] e tem o objetivo de coibir quaisquer formas de discriminação contra a mulher por qualquer aspecto, seja orientação sexual, filiação partidária, religião, cor ou origem. Se vier a ser aprovada, a norma valerá para todas as mulheres candidatas, eleitas ou nomeadas para funções públicas.
Desse modo, em face da importância da matéria em epígrafe, contamos com o apoio dos Excelentíssimos Deputados para a aprovação deste projeto de lei, que é de grande alcance para a garantia e efetivação de direitos relacionados à dignidade e à proteção das mulheres do Estado do Ceará. Assim sendo, submetemos à consideração do Plenário desta Casa Legislativa a presente proposição.
GABRIELLA AGUIAR
DEPUTADA