PROJETO DE LEI N.°156/2023
“INSTITUI EM TODO TERRITÓRIO DO ESTADO DO CEARÁ O PROTOCOLO “NÃO SE CALEM”, QUE OBRIGA ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS E ÓRGÃOS PÚBLICOS DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA A IMPLEMENTAR MEDIDAS DE PROTEÇÃO ÀS MULHERES EM SITUAÇÃO DE RISCO OU DE VIOLÊNCIA FÍSICA, PSICOLÓGICA, MORAL, PATRIMONIAL E SEXUAL NAS DEPENDÊNCIAS DE SEUS ESTABELECIMENTOS.”
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º. Esta Lei obriga que estabelecimentos comerciais e órgãos públicos da administração direta e indireta implementem medidas de proteção às mulheres em situação de risco ou de violência física, psicológica, moral e sexual nas dependências de seus estabelecimentos.
§1º Para efeitos desta Lei, consideram-se órgãos públicos da administração direta e indireta e estabelecimentos comerciais: prédios públicos, bares, espaços de shows, festivais, museus, teatros, restaurantes, hotéis, pousadas, mercados, feiras, hospitais e demais estabelecimentos congêneres.
§2º Para efeitos desta Lei, considera-se violência contra a mulher os tipos dispostos no Art. 7º da Lei 11.340, de 7 de agosto de de 2006 - Lei Maria da Penha - sendo aquela em que a mulher foi submetida a qualquer ato de caráter físico, psicológico, moral, patrimonial e sexual sem seu consentimento.
Art.
2º. São obrigatórias ações de prevenção a vítimas de situações de risco ou
violência em espaços públicos e comerciais, tais como:
I - Fixar placas, com ênfase no banheiro feminino, para conscientização e
acesso aos métodos de denúncia para casos de situações de risco ou de
violência, que contenha os dizeres:
“MULHERES: NÃO SE CALEM
Este local possui protocolo de prevenção e acolhimento às mulheres em situação de risco ou de violência física, psicológica, moral, patrimonial e sexual. Procure um profissional do estabelecimento. Lei Estadual ____ / 2023.
Outros canais de denúncia:
Ligue (85) 3108.2950
Delegacia de Defesa da Mulher
Zap Delas: (85) 9 9814-0754
Ligue 180 - Central de Atendimento à Mulher
Ligue 190 - Polícia Civil”.
II - Disponibilizar, na entrada do estabelecimento ou no caixa, material informativo com os canais de denúncia de situações de risco ou de violência e com os dados dos serviços de atendimento à mulher disponibilizados pelo Governo do Estado do Ceará.
III
- Instalar canal virtual e físico de denúncia de situações de risco ou de
violência ocorrida no estabelecimento.
IV - Manter, em local visível e de fácil acesso ao público, 01 (um)
exemplar desta Lei .
V - Instruir toda a equipe de funcionários e colaboradores com treinamento específico sobre a identificação de situações de risco, de acolhimento e encaminhamento das vítimas de violência.
VI - Destacar funcionários e/ou funcionárias, especialmente treinados ou treinadas, para o acolhimento e encaminhamento da vítima.
§1º A placa deverá ser afixada em local visível e confeccionada no tamanho mínimo de 50 cm (cinquenta centímetros) de largura por 50 cm (cinquenta centímetros) de altura.
§2º O exemplar desta Lei pode ser impresso em papel comum e ordenado de forma que o qualquer pessoa possa consultá-la com facilidade, não sendo necessário a compra de um modelo específico.
§3º No caso de estabelecimentos como bares, restaurantes, shows e festivais deverá ser implantada vigilância especial em áreas de baixa iluminação, isolamento ou qualquer outra condição física que torne o espaço confinado, isolado ou que facilite a vulnerabilidade física do usuário.
Art. 3º. São obrigatórias as medidas de acolhimento e encaminhamento das vítimas de situações de risco ou violência nas dependências de estabelecimentos comerciais e órgãos públicos da administração direta e indireta.
§1º É obrigatório para bares, restaurantes, shows e festivais a disponibilização de espaço físico adequado e reservado para o acolhimento imediato das vítimas em situação de risco ou violência.
§2º
É obrigatório o acionamento imediato das autoridades policiais e da rede de
proteção à mulher do Estado do Ceará.
§3º É obrigatório o acompanhamento da vítima por funcionário ou funcionária,
especialmente treinado ou treinada, para acolhimento e encaminhamento desde a
identificação ou denúncia do ocorrido, até o efetivo deslocamento para
atendimento ou delegacia especializada.
§4º Todas as ações de proteção e encaminhamento de denúncias às autoridades
responsáveis deverão ocorrer em máxima discrição para a proteção da integridade
física e moral da vítima.
§5° Devem ser preservadas todas as evidências que possam ser utilizadas pela autoridade policial para a investigação das alegações da vítima, como, mas não se limitando a: imagens de câmeras de segurança, lista de nomes das pessoas que estavam no local dos fatos alegados, isolamento da área dos fatos para posterior perícia forense e identificação de possíveis testemunhas.
Art.
4º. São obrigatórias ações de auxílio às autoridades policiais e de proteção à
mulher no acolhimento de vítimas e na apuração e investigação das denúncias de
situações de risco ou violência, em espaços públicos e comerciais, nas
dependências de seus estabelecimentos.
§1º É obrigatória a agilidade no auxílio da coleta de provas.
§2º É obrigatória a facilitação da identificação de testemunhas.
§3º Proíbe-se qualquer dificuldade ao acesso da autoridade policial às câmeras de segurança ou outros meios de identificação do suspeito.
Art. 5º. Caberá ao Governo do Estado do Ceará regulamentar, fiscalizar e estabelecer sanções para o disposto nesta Lei.
§1º O Governo do Estado do Ceará deverá, por meio dos equipamentos que integram a rede de atendimento às mulheres, realizar formações e campanhas educativas sobre a identificação de situações de risco, de acolhimento e encaminhamento das vítimas de violência, tendo como instrumento base o Protocolo Não se Calem.
Art. 6º. Revogam-se as disposições em contrário.
Art. 7º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
LIA GOMES
DEPUTADA
JUSTIFICATIVA:
A Organização das Nações Unidas (ONU) define a violência contra a mulher como "qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou mentais para as mulheres, inclusive ameaças de tais atos, coação ou privação arbitrária de liberdade, seja em vida pública ou privada".
A Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que 25% das adolescentes e jovens, de 15 a 24 anos, já foram vítimas da violência de gênero. Segundo os Dossiês da Agência Patrícia Galvão, no Brasil: uma menina ou mulher é estuprada a cada 10 minutos; três mulheres são vítimas de feminicídio a cada um dia; uma travesti ou mulher trans é assassinada no país a cada dois dias; 26 mulheres sofrem agressão física por hora.
De acordo com o que está criminalmente definido nas definições da ONU sobre o direito das mulheres de erradicar a violência de gênero, os tipos de agressões e assédios sexuais em contextos de vida pública que compõem o protocolo são as seguintes: agressões sexuais; violações; abuso sexual e assédio sexual. Além disso, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da ONU, trazem no seu objetivo 5 - Igualdade de Gênero, item 5.2, a intenção de “Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos” até 2030.
Da mesma forma, a Lei 11.340/2006 - Lei Maria da Penha, estabelece em seu Art. 7º, cinco tipos de violência contra a mulher:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Baseada no Protocolo de Barcelona “No Callem”, do Departamento de Feminismos e LGBT+ da Prefeitura de Barcelona, que visa enfrentar as agressões e assédios sexuais em espaços públicos e privados e demais estabelecimentos semelhantes, foi possível detalhar a atuação humanizada para prevenir e agir em casos de violências dentro de órgãos públicos e comerciais. O “No Callem”, como ficou conhecido, é uma importante referência internacional de como a presença de protocolos e medidas de prevenção, de acolhimento e encaminhamento das vítimas são decisivos para o enfrentamento à violência (no caso sexual) em espaços públicos e privados.
É nesse sentido que se pretende instituir o protocolo “Não Se Calem”, referenciado no protocolo espanhol, voltado para o tema da violência física, moral, psicológica, patrimonial e sexual contra a mulher em órgãos públicos e comerciais. A proposta tem como princípio que nenhuma mulher se cale ou seja calada quando violentada.
A proposta tem, ainda, como eixos, a prevenção para a diminuição dos casos de violência física, moral, psicológica, patrimonial e sexual em espaços públicos, com a instalação de canais de denúncia, preparação e treinamento de equipe especializada no trato dessa temática, com o acolhimento e encaminhamento das vítimas, moldado no princípio da agilidade e da cooperação no trabalho investigativo e de coleta de dados pela autoridade policial.
Por este motivo, o Protocolo “Não Se Calem” reserva aos responsáveis, proprietários, trabalhadores e trabalhadoras de órgãos públicos e estabelecimentos comerciais a responsabilidade de detectar situações perigosas ou incômodas, com o devido atendimento às vítimas agredidas ou ameaçadas, garantindo que esses espaços tenham um papel ativo contra a violência machista, assim como outros atores sociais, culturais e políticos.
Assim, é urgente que o Estado do Ceará não se omita diante da violência contra as mulheres e implemente mecanismos de enfrentamento à violência de gênero.
LIA GOMES
DEPUTADA