PROJETO DE INDICAÇÃO N.° 230/2023
“INSTITUI O AUXÍLIO RESGATADO ÀS FAMÍLIAS DE CRIANÇAS OU ADOLESCENTES RESGATADOS EM CONDIÇÕES DE TRABALHO ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.”
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1o. Fica instituído, no âmbito do Estado do Ceará, o auxílio resgatado às famílias de crianças ou adolescentes resgatadas em condições de trabalho análogas ao de escravo.
§1o Para os fins da presente Lei, considera-se trabalho escravo infantil as condutas previstas no artigo 149 do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, quando praticadas contra criança ou adolescente.
§2o Para os fins da presente Lei, considera-se criança a pessoa até 12 (doze) anos incompletos e adolescente a pessoas até 18 (dezoito) anos incompletos.
Art. 2o. O auxílio que trata o caput do artigo 1o desta Lei será destinado às famílias que, por conta da exploração das crianças ou adolescentes que dela fazem parte, se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Parágrafo único. O resgate da criança e/ou adolescente na situação prevista no caput do artigo 1o é comprovação suficiente da vulnerabilidade socioeconômica, devendo tal regaste ser comprovado mediante o termo de autuação, no caso de fiscalização feita pela inspeção do trabalho, ou de relatório, quando o resgate se der por outro órgão.
Art. 3o. O auxílio será destinado às famílias das crianças e/ou adolescentes que tenham sido resgatadas em condições de trabalho análogas à escravidão pela Fiscalização do Trabalho, por ação do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Federal, da Polícia Federal ou de qualquer outro órgão competente para tal.
Art. 4o. Será dada preferência no atendimento e na concessão do referido auxílio para a família cuja criança ou adolescente resgatado seja pessoa com deficiência.
Art. 5o. O benefício concedido será no valor do salário-mínimo vigente, por período de 06 (seis) meses, podendo ser prorrogado, uma única vez, por igual período, mediante justificativa técnica do serviço social que acompanha a família da vítima.
Parágrafo único. O benefício será concedido independentemente da concessão de outros benefícios sociais.
Art. 6o. São obrigações da família beneficiária do auxílio:
I - afastar as crianças e/ou os adolescentes da família de qualquer atividade laboral proibida para a idade;
II – participar de todos os programas indicados pela autoridade competente; e
III – manter todas as crianças e/ou adolescentes do núcleo familiar devidamente matriculadas e frequentando a escola.
Art. 7o. A criança ou o adolescente resgatado, bem como seus familiares, devem ter suas identidades e localização preservadas.
Art. 8o. O retorno da criança ou adolescente a qualquer forma de trabalho proibida pela legislação acarretará, imediatamente, na suspensão do benefício referido no caput do artigo 1o desta Lei.
Art. 9o. As despesas com a execução da presente Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 10. O Poder Executivo estadual regulamentará, no que couber, a presente Lei dentro do prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, a contar da data de sua publicação.
Art. 11. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Sala das Sessões, 05 de abril de 2023.
JÔ FARIAS
DEPUTADA
JUSTIFICATIVA:
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) apontam que, em 2022, cerca de 1,9 milhão de crianças e adolescentes, entre cinco e dezessete anos de idade, se encontravam em situação de trabalho infantil em nosso País, das quais 709 mil estão nas consideradas piores formas de trabalho infantil.
As referidas piores formas, nos termos da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n°. 6.841, de 12 de junho de 2008, que, em seu artigo 3o, considera como piores formas de trabalho infantil:
a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como venda e tráfico de crianças, sujeição por dívida, servidão, trabalho forçado ou compulsório, inclusive recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados;
b) utilização, demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção de pornografia ou atuações pornográficas;
c) utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de entorpecentes conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes;
d) trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são suscetíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança.
Como destacado em tópicos anteriores, incluem-se nas piores formas de trabalho infantil “todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão”. A legislação pátria positiva, no artigo 149 do Código Penal (Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940), o crime de redução de outrem a condições de trabalho análogas à escravidão, in verbis:
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
O próprio Código Penal do Brasil, prestigiando a proteção integral da criança e do adolescente, considera a conduta tão grave que instituiu, como agravante, a ação de reduzir a criança e/ou adolescente a tais condições desumanas de trabalho, nos termos do § 2o, I, do mencionado artigo 149 do Código Penal, prevendo um aumento de pena.
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que mais de 56 mil pessoas foram resgatadas em condições de trabalho análogas à de escravo nos últimos 25 anos no Brasil, incluindo pessoas com menos de 18 anos de idade. Ademais, dados do seguro-desemprego trabalhador resgatado apontam que o “período de 2004 a 2020, 94% dos trabalhadores resgatados são homens, 28% possuíam idade entre 18 e 24 anos, 37% cursaram até o 5º ano de forma incompleta e 30% eram analfabetos”1.
As famílias destas crianças e adolescentes, por vezes, também são submetidas às mesmas condições de trabalho em razão de sua vulnerabilidade socioeconômica, o que faz com que estas pessoas se sujeitem a tais condições de trabalho, ofendendo, diretamente, a sua integridade e a dignidade.
Desta forma, o mencionado auxílio traz a possibilidade de estas famílias se estruturarem, em um período mediano de tempo, permitindo que, além da profissionalização e emprego dos responsáveis, as crianças ou adolescentes se dediquem integralmente aos estudos.
Além disso, é salutar que o presente projeto é de baixo custo, haja vista que o número de crianças e/ou adolescentes resgatados em tais condições no Ceará, felizmente, não é de grande quantidade, o que, evidentemente, viabiliza economicamente a presente proposta.
Em relação à constitucionalidade da presente proposta, cabe salientar que a Constituição Federal, em seu artigo 24, XV, dispõe ser competência comum dos Estados legislar sobre a proteção à infância e à juventude, o que é objeto da presente matéria. Em sentido parecido está positivado no artigo 227 da mesma Constituição, ao dispor que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, a proteção contra quaisquer formas de exploração e de violência.
É salutar, ainda, que o artigo 25, § 1o, da Constituição da República prevê que aos Estados são reservadas as competências não vedadas por ela. Assim, visto que se trata de norma que visa criar uma ajuda financeira às famílias cujas crianças e/ou adolescentes estiveram em condição indigna de exploração laboral, é que se assenta a constitucionalidade do presente Projeto de Indicação, por mandamento expresso do artigo 24, XV, de nossa Constituição Cidadã.
Desta forma, faz-se necessária a criação de um auxílio, no âmbito do Estado do Ceará, para as famílias das crianças e dos adolescentes que forem resgatadas nas condições já citadas, permitindo que, além da mudança da condição da própria vítima, a família tenha a oportunidade de se desenvolver socioeconomicamente, sem que precise submeter qualquer de seus integrantes a tais formas de trabalho.
Pelo exposto, ante a necessidade de asseverar, no âmbito do Estado do Ceará, a luta contra a escravidão contemporânea de crianças e adolescentes, pessoas em desenvolvimento e que são consideradas prioridades absolutas pela Constituição Federal, contamos com o apoio de Vossas Excelências para a aprovação da presente iniciativa.
1https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/composicao/orgaos-especificos/secretaria-de-trabalho/inspecao/areas-de-atuacao/relatorio-2020-sit-oit-1.pdf.
JÔ FARIAS
DEPUTADA