VOLTAR

PROJETO DE LEI N.º 67/2022

 

“INSTITUI NORMAS PROTETIVAS E DIREITO À INFORMAÇÃO AOS CONSUMIDORES FILIADOS ÀS ASSOCIAÇÕES DE SOCORRO MÚTUO NO ESTADO DO CEARÁ.”

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:

 

Art. 1º A Associação de Socorro Mútuo que por meio da autogestão realiza o rateio/divisão das despesas certas e ocorridas entre os seus associados é obrigada a conceder informações sobre as regras do rateio de despesas realizadas, guiados pelos princípios da publicidade, da transparência, ética e informações adequadas.

Art. 2º Em obediência ao direito da informação deve expor de forma expressa que é uma associação civil que realiza rateio de despesas já ocorridas entre os seus membros e que não se confunde com o seguro empresarial, constando de forma clara informações adicionais de modo a evitar confusões e prejuízos a eventuais consumidores, como:

I - Informações de que não é seguro empresarial;

Il – Não existe apólice ou contrato de seguro, mas que as normas são da própria associação;

III – Não é uma sociedade empresária;

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

 

JÚLIOCÉSAR FILHO

DEPUTADO

 

 

 

JUSTIFICATIVA:

 

As associações de socorro mútuo possuem grande atuação no Estado do Ceará e estão presentes em vários municípios, agregando muitos indivíduos que consideram o socorro mútuo/rateio de despesas ocorridas, a melhor ferramenta criada pela sociedade organizada para reduzir os efeitos de um transtorno de ordem patrimonial.

O direito à livre associação é garantido pela Carta Magna Brasileira (Constituição Federal), em seu art. 5º, incisos XVII a XXI, “o qual define que é plena liberdade de associação para fins lícitos, que independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. (MARTINS, 2017). Portanto, a liberdade associativa é uma garantia constitucional e uma das prerrogativas essenciais à manutenção das relações humanas em sociedade.

Acerca do tema, o Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário nº. 201819-RJ consignou o entendimento de que:

(...) as associações privadas que exerçam função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não estatal.

As associações de socorro mútuo não fogem à regra. Para contornar entraves da sociedade esses grupos minoritários criaram modelo, baseado na gestão mútua e participação democrática, surgiu com o propósito de integrar as pessoas que não tinham condições de arcarem com despesas ocorridas com seus bens, despesas geradas até mesmo pela falta de segurança e aumento dos crimes nos centros urbanos, por tais razões precisavam de uma alternativa para socorrer seu patrimônio.

A finalidade das Associações de Socorro Mútuo é organizar e intermediar a divisão das despesas já ocorridas entre os seus associados, de uma forma mais democrática, transparente e exequível do ponto de vista econômico. Em outras palavras, com arranjos jurídico, econômicos e institucionais completamente diferentes (se comparadas com as seguradoras), as Associações de Socorro Mútuo amparam seus filiados de forma mais solidária, até porque são entidades sem fins lucrativos, sendo a mensalidade composta apenas as despesas administrativas e rateio de despesas ocorridas.

Aqui faz necessário demonstrar a diferença da atividade de rateio de despesas e o contrato típico de seguro. Para dizer que alguém está realizando contrato de seguro é obrigatório que contemple os requisitos do artigo 757 de Código Civil:

O primeiro elemento indicado pela lei é o prêmio, ou seja, o valor indicado pela seguradora, depois de um estudo atuarial, para transferir o risco. Tais elementos não estão presentes na associação civil que realiza a divisão de despesas entre os seus membros, visto que a pessoa jurídica não assume o risco de seus associados, ora, o risco permanece com o associado, a associação apenas possibilita a divisão de uma despesa já ocorrida (certa e passada), logo, o valor pago (mensalidade) é referente às despesas já ocorridas e custos administrativos e não um prêmio para transferência de risco!

Ainda, sobre o referido artigo, a associação não se obriga a riscos predeterminados, mas apenas a tomar conhecimento das despesas já ocorridas entre os seus associados para realizar a divisão/rateio, funcionando como um condomínio, em que os condôminos realizam a repartição das despesas apuradas e não predeterminadas ou incertas e futuras. Não existe a distinção entre segurado e seguradora como no seguro empresarial, na associação o associado é ao mesmo tempo beneficiário e cooperador, tendo em vista que a associação não assume os riscos, mas apenas realiza a autogestão da divisão.

Destarte, inexistentes são os requisitos do seguro empresarial na atividade da associação, trata-se apenas de um grupo fechado que realiza a divisão de despesas já ocorridas, exclusivamente entre os seus membros/associados.

O fato de exercer esta atividade ou até mesmo atividade complexa de rateio, não faz existir a figura do contrato de seguro, pois, conforme exposto, para esta configuração é necessária a presença dos requisitos impostos pelo Código Civil, os quais não estão presentes em uma associação. A associação de socorro mútuo, ao exercer a sua finalidade - ratear as despesas ocorridas entre os seus membros - continua a ter natureza de associação civil.

A diferença em questão é reconhecida em vários julgados. Senão Vejamos:

ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUSEP. ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. PROTEÇÃO AUTOMOTIVA DISPONIBILIZADA AOS ASSOCIADOS. SEGURO MUTUO. TÍPICO CONTRATO DE SEGURO MERCANTIL. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. PROVIMENTO. 1. Dentre as atribuições legais previstas no Decreto-lei n° 73/66, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP - tem competência para a fiscalização das operações de seguro e afins (Decreto-lei n.º 73/66). Legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública com o mesmo fim. 2. Na hipótese em exame, foi verificado que a disponibilização do serviço de proteção automotiva pela associação, então fiscalizada pela referida entidade, sem que haja intenção lucrativa, não caracteriza o contrato firmado entre as partes em típico contrato de seguro. 3. Apesar da semelhança com o seguro mercantil comercializado pelas operadoras usuais do mercado, o seguro mutuo com ele não se confunde. Essa modalidade é caracterizada pelo rateio de despesas entre os associados, apuradas no mês anterior, e proporcional às quotas existentes, com limite máximo de valor a ser indenizado. É hipótese de contrato pluralista, orientado pela autogestão, em que todos os associados assumem o risco, sendo feito, entre eles, a divisão dos prejuízos efetivamente caracterizados.   4. “A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”. Aplicação do Enunciado n° 185, aprovado na III Jornada de Direito Civil. 5. Apelação conhecida e provida. AC 0018423-62.2013.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 de 31/03/2017 (Grifo nosso).

PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. OPERAÇÃO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL. SEGUROS. ART. 16 DA LEI 7.492/86. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. PROTEÇÃO AUTOMOTIVA DISPONIBILIZADA AOS ASSOCIADOS. SEGURO MUTUO. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA.1. Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão que rejeitou a denúncia ofertada em desfavor do recorrido, na qual lhe é imputada a prática do delito tipificado no art. 16, da Lei 7.492/92, em razão de dirigir associação, supostamente voltada à ajuda mútua entre os associados, operando atividade securitária sem a devida autorização legal. 2. A jurisprudência deste Tribunal assentou que a disponibilização do serviço de proteção automotiva por associação sem a intenção lucrativa, não caracteriza o contrato firmado entre as partes em típico contrato de seguro. (AC 0018423-62.2013.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 de 31/03/2017) 3. A ilegalidade da atividade exercida pela AMIVE não está demonstrada. Conforme se apurou dos elementos trazidos aos autos, não se identifica que a atividade desenvolvida pela associação possua natureza jurídica de seguro privado, já que se trata de uma organização constituída regularmente como associação, onde os associados dividem os possíveis prejuízos materiais causados aos veículos de sua propriedade num sistema cooperativo de autogestão. 4. Este foi o fundamento adotado pelo Juízo a quo para rejeitar a denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal contra o recorrido, bem como pelo Ministério Público Federal, no exercício da função de fiscal da lei, para opinar no sentido do desprovimento do presente recurso em sentido estrito. 5. O seguro mútuo caracteriza-se pelo rateio, de prejuízos já ocorridos, entre os seus associados, agrupados com o fim específico de ajuda mútua, na defesa do seu patrimônio, sem que haja intenção lucrativa. Não há distinção típica das figuras do segurador e segurado e o risco não é assumido pela associação, mas sim dividido entre os associados, que contribuem com prestações, em razão das despesas apuradas.6. Não há vedação legal à prática em análise, à luz da própria liberdade de associação garantida constitucionalmente, e do entendimento reconhecido no Enunciado n° 185, aprovado na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal que dispõe: “A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”. 7. Recurso em sentido estrito desprovido.  (AC 0013842-69.2016.4.01.3800/MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, QUARTA TURMA, Julgamento em 09/05/2017)

O próprio Superior Tribunal de Justiça reconheceu a existência, legalidade e diferença desses grupos restritos de ajuda mútua e o seguro empresarial.

Não se está afirmando que a requerida não possa se constituir em "grupo restrito de ajuda mútua", mas tal somente pode ocorrer se obedecidas às restrições que constam de tal diploma legal e nos termos estritos do Enunciado n. 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (REsp 1616359 / RJ RECURSO ESPECIAL - 2016/0194359-4 – STJ)

Portanto, com base na doutrina e jurisprudência, dúvidas não restam quanto à legalidade das associações de socorro mútuo e da sua diferença com o seguro empresarial. Nesse caso, está evidente a diferença entre grupo restrito de ajuda mútua e seguro empresarial.

Destaca-se que não está legislando sobre Direito Civil, no que tange a parte de pessoas jurídica (associação civil) e contrato típico de seguro (art. 757 e seguintes), pois, o projeto tem como objetivo apenas o direito da informação, o grande norteador dos consumidores.

O projeto não altera e sequer tem influência na liberdade de associação constitucionalmente garantida aos indivíduos, tampouco traz novas regras sobre a gestão da associação civil. Os interessados em fundar uma associação civil terão continuaram a seguir o que determina o Código Civil e Constituição Federal, o que prova a constitucionalidade do projeto. Ademais, sobre o contrato de seguro, não criará regras ou um novo modelo. Ratifica-se, o projeto tem como finalidade, apenas a informação sobre dois modelos (associação civil e seguro empresarial).

Nesse caso, o projeto não é uma regulamentação das associações de socorro mútuo, ao contrário, este projeto garante a liberdade associativa constitucionalmente garantida de criação de associação civil para rateio de despesas já ocorridas.

Não existe regulamentação da forma de como será o rateio ou demais finalidades das associações, dado que isso é um direito originado da liberdade de associação, ou seja, cada grupo continua livre para criação das regras entre seus associados. A finalidade dessa associação não pode ser confundida com o seguro empresarial, que é um contrato típico e regido por lei específica.

O Projeto de Lei tem por finalidade, deixar claro a sociedade que esse modelo não é um seguro empresarial, evitando qualquer erro daquele que pretenda participar de um grupo de rateio. Isso era até um ponto levantado pelos Corretores, que alguns consumidores filiavam sem saber que não era um seguro.

A Proposta trata sobre direito do consumidor, sobre a relação do associado com a associação perante os grupos de rateio (regras de divisão de despesas), garantindo ao proponente a associado as informações necessárias sobre a natureza e atividade da associação.

Ao considerar o avanço que as Associações de Socorro Mútuo obtiveram nos últimos anos, especificamente no Estado do Ceará; considerando que sua atividade abrange grande parte da população, faz-se necessário uma atenção maior a fim de resguardar e garantir os direitos do consumidor que não possuem o conhecimento sobre esse modelo específico de amparo e que esta atividade não é considerada um seguro empresarial, mas um simples grupo restrito de ajuda mútua. Nesse sentido, imprescindível que haja a criação de normas para proteger a parte vulnerável, nos termos desta propositiva.

Quando não há lei federal de normas gerais sobre o tema, cabe aos Estados exercer competência legislativa plena para atender a suas peculiaridades. Tal previsão é prevista na Constituição Federal em seu art. 24, §3º:

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

O presente projeto de lei tem como objetivo a criação de normas de proteção ao consumidor do seguro empresarial, de modo a deixar claro que as associações não é um seguro e que não realizam contrato de seguro.  Aqui não legislará sobre direito civil (associações civis ou contrato de seguro) ou direito constitucional, mas apenas norma de direito do consumidor, que é matéria também de competência estadual, vejamos a nossa Carta Magna:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...)V - produção e consumo;(..)VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

Portanto, como exposto, a iniciativa legislativa tem como objeto a criação de regras para proteção aos consumidores em geral, a fim de evitar condutas lesivas a eles, bem como fazer cumprir com o direito da informação, além de proporcionar maior transparência e segurança jurídica aos indivíduos que foram associar, garantindo total informação de que não é uma empresa de seguros, mas uma associação civil de rateio entre os associados.

 

 

JÚLIOCÉSAR FILHO

DEPUTADO