PROJETO DE LEI N.º 369/2022
“CARACTERIZA MAUS TRATOS AOS ANIMAIS PARA EFEITO DE APLICABILIDADE DE LEIS CORRELATAS NO ÂMBITO DO ESTADO DO CEARÁ.”
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º Definem-se como maus-tratos e crueldade contra animais as ações diretas ou indiretas capazes de provocar privação das necessidades básicas, sofrimento físico, medo, estresse, angústia, patologias, distúrbios de quaisquer espécies, além da incapacidade física, temporária ou permanente, e a morte.
§ 1º Entendem-se por ações diretas aquelas que, volitiva e conscientemente, provoquem os estados descritos no caput, tais como:
I - abandono em vias públicas, em residências fechadas ou inabitadas ou ainda em local insalubre, com a temperatura incompatível a sua integridade física e/ou próximo a substâncias nocivas a sua saúde;
II - agressões diretas ou indiretas de qualquer tipo, como, por exemplo:
a) espancamento;
b) lapidação por meio de apedrejamento e/ou mutilação por sadismo ou ato cruel;
c) uso de instrumentos cortantes;
d) uso de instrumentos contundentes;
e) afogamento, asfixia, esmagamento, queimaduras, envenenamento;
f) uso de substâncias químicas, salvo com finalidade de bem-estar e manutenção da saúde, devendo estar prescrita e/ou operada por profissional habilitado.
III - privação de água ou alimento;
IV - confinamento inadequado à espécie, salvo os destinados ao:
a) manejo necessário às atividades de produção regulamentadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA;
b) transporte;
c) isolamento visando bem estar, qualidade de vida, segurança em relação com espécimes ou outras espécies;
V - coação para a realização de funções inadequadas à espécie ou ao tamanho do animal;
VI - abuso ou coação ao trabalho de animais feridos, prenhes, cansados ou doentes;
VII - torturas;
VIII - utilização em confrontos ou lutas entre animais da mesma espécie ou de espécies diferentes;
IX - obrigar a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte em sofrimento, para deles obter esforços ou comportamento que não se alcançariam senão sob coerção;
X - castigar, física ou mentalmente, ainda que para aprendizagem ou adestramento;
XI - criar, manter ou expor, em recintos desprovidos de limpeza e desinfecção;
XII - abusar sexualmente;
XIII - enclausurar com outros que os molestem;
XIV - outras práticas que possam ser consideradas e constatadas como maus-tratos por qualquer espécie de autoridade ou por qualquer cidadão.
§2º Entendem-se por ações indiretas aquelas que provoquem os estados descritos no caput, através de omissão, omissão de socorro, imprudência, negligência, imperícia, má utilização ou utilização por pessoa não capacitada de instrumentos ou equipamentos.
Art. 2º As infrações previstas na presente Lei, bem como das normas padrões e exigências técnicas, serão autuadas levando-se em conta:
I - a intensidade do dano, efetivo ou potencial;
II - as circunstâncias atenuantes ou agravantes;
III - os antecedentes do infrator; e
IV - a capacidade econômica do infrator.
Parágrafo Único. Responderá pela infração quem, por qualquer modo, cometer ou concorrer para a sua prática ou dela se beneficiar.
Art. 3º As infrações previstas na presente Lei serão punidas com as seguintes penalidades:
I - advertência;
II - multa no valor de 2.000 (duas mil) UFIRCE’s - Unidade Fiscal de Referência do Estado do Ceará;
III - multa diária de até 500 (quinhentas) UFIRCE’s - Unidade Fiscal de Referência do Estado do Ceará, até que cesse a prática dos maus-tratos ou crueldades;
IV - perda da guarda, posse ou propriedade do animal doméstico, silvestre ou exótico e impossibilidade de ter em sua propriedade ou posse outro animal pelo período máximo de até 10 (dez) anos no caso de reincidência;
V - interdição temporária do estabelecimento;
VI - suspensão de financiamentos provenientes de fontes oficiais estaduais de crédito e fomento científico;
VII - interdição definitiva do estabelecimento.
§ 1º Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, analisando-se o caso, duas ou mais das penalidades previstas.
§ 2º A interdição por prazo superior a 30 (trinta) dias somente poderá ser determinada após submissão ao parecer do órgão competente.
§ 3º Nos casos de reincidência, caracterizados pelo cometimento de nova infração da mesma natureza e gravidade, a multa corresponderá ao dobro da anteriormente imposta e de forma cumulativa.
§ 4º A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo, até seu cessamento ou até a celebração de termo de compromisso com o órgão estadual visando à reparação do dano causado.
§ 5º Os animais recolhidos passarão a ser tutelados pelo Estado, cabendo a este a responsabilidade pela manutenção de suas vidas, saúde e bem-estar.
Art. 4º As multas aplicadas com base nesta Lei poderão ter a sua exigibilidade suspensa mediante a celebração de termo de compromisso ou de ajuste ambiental, obrigando-se o infrator à adoção de medidas específicas para fazer cessar a degradação cometida, sem prejuízo das demais medidas necessárias ao atendimento das exigências impostas pelas autoridades competentes, desde que não se trate de ações diretas nos termos do artigo 2º, §1º desta Lei e não se trate de reincidência.
§ 1º O termo de compromisso ou de ajuste, com força de título executivo extrajudicial, disporá, obrigatoriamente, sobre:
I - o nome, a qualificação e o endereço das partes compromissadas e dos respectivos representantes legais;
II - o prazo de vigência do compromisso que, em função da complexidade das obrigações nele fixadas, poderá variar entre o mínimo de noventa dias e o máximo de três anos, devendo, em caso de prorrogação, que será superior a um ano, prever a aplicação de multa específica para cada cláusula descumprida;
III - a descrição detalhada de seu objeto, o valor do investimento previsto e o cronograma físico de execução e de implantação das obras e serviços exigidos, com metas trimestrais a serem atingidas;
IV - as multas que podem ser aplicadas à pessoa física ou jurídica compromissada e os casos de extinção do compromisso, em decorrência do não cumprimento das obrigações nele pactuadas, sem prejuízo da possibilidade de o órgão ambiental exigir garantias reais ou fidejussórias para assegurar o cumprimento de obrigação; e
V - o foro competente para dirimir litígios entre as partes.
§ 2º A protocolização de pedido de celebração de termo de compromisso ou de ajuste ambiental pelo infrator não suspenderá a apuração das infrações nem a aplicação das sanções estabelecidas nesta Lei e o exame da responsabilidade pelo pagamento do respectivo passivo causado.
§ 3º O órgão ambiental poderá dispensar o infrator da apresentação de projeto técnico, na hipótese em que a reparação não o exigir.
§ 4º O termo de compromisso poderá estipular a conversão parcial ou total das multas aplicadas em serviços de interesse ambiental ou na realização de ações voltadas para a proteção dos animais, sem prejuízo das medidas previstas no caput deste artigo.
§ 5º Persistindo a irregularidade ou revelando-se a atitude do infrator como meramente paliativa ou procrastinatória, serão cobradas as multas que vierem a ser estipuladas no termo de compromisso ambiental.
Art. 5º Nos casos de reincidência:
I - sendo o infrator Pessoa Física, o valor da multa será duplicado, de forma cumulativa à penalidade anterior, e haverá o impedimento de se possuir outro animal pelo período de até 10 (dez) anos, sem prejuízo da adoção das sanções civis, penais e demais cabíveis;
II - sendo o infrator Pessoa Jurídica ou preposto desta, o valor da multa será aplicado por cada animal abandonado, procedendo-se à cassação do alvará de funcionamento do estabelecimento.
Art. 6º Fica definido como atos que não configuram a prática de maus tratos a animais no âmbito do Estado do Ceará e desta Lei:
I - a manutenção de animais em número acima da capacidade de provimento de cuidados para assegurar boas condições de saúde e de bem-estar animal, quando em situações transitórias de transporte e comercialização;
II - a eutanásia, como forma de abreviar o sofrimento do animal em decorrência de estado degenerativo, irreversível e fase terminal, bem como nos casos em que o animal é acometido de doença que provoque riscos irreparáveis à saúde de outros ou ao ser humano;
III - o abate e a depopulação para fins de controle sanitário, especialmente de animais sinantrópicos, desde que observadas as normas técnicas ou legais e seus regulamentos vigentes para as referidas práticas, devendo a ação estar devidamente justificada;
IV - as técnicas e os procedimentos necessários ao manejo, comumente adotados em sistemas produtivos;
V - as situações de emprego do animal de função em proveito do ser humano em apoio às forças policiais, militares, paramilitares, bombeiros e defesa civil;
VI - as situações de emprego de animais em manifestações culturais e desportivas, salvaguardadas pelo parágrafo 7ᵒ do art. 225 da Constituição Federal, que versa sobre essas manifestações;
VII - a utilização de animais em cultos religiosos, conforme reza o art. 5º, VI da Constituição Federal;
VIII - situações de experimentação em ensino e em pesquisa, desde que observadas as normas técnicas ou legais e seus regulamentos vigentes relativos ao bem-estar animal, quando não encontrados métodos alternativos;
IX - procedimentos médicos veterinários de esterilização e identificação para fins de controle populacional, como, a técnica de Captura Esterilização e Devolução - CED e as marcações, identificações que forem necessárias para individualização e rastreio de animais.
Art. 7º Os atos atinentes as fiscalizações no âmbito do estado do Ceará relacionados ao manejo, bem estar e/ou aos maus tratos a animais obedecerão a presente legislação.
Art. 8º As sanções previstas serão aplicadas pelos órgãos executores competentes estaduais, sem prejuízo de correspondente responsabilidade penal, em especial a prevista no art. 32 da Lei Federal nº9.605/98.
Art. 9º A autoridade ou o servidor que deixar de cumprir as obrigações de que trata esta Lei ou agir para impedir, dificultar ou retardar o seu cumprimento, incorrerá nas mesmas responsabilidades do infrator, sem prejuízo das demais penalidades administrativas e penais.
Art. 10 O Poder Público poderá regulamentar, por Decreto do Chefe do Poder Executivo, a aplicação da presente Lei.
Art. 11 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogando todas as disposições em contrário.
AUDIC MOTA
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA:
O Projeto ora apresentado vai ao encontro do que preceitua a Carta Magna, no artigo 225, § 1º, VII. Segundo a explicação do referido dispositivo constitucional “é dever do Estado e da coletividade zelar pelos animais e, ao mesmo tempo, impedir práticas que os submetam a crueldade.”
Portanto, o reconhecimento e o regramento das necessidades e convívio do animal com a comunidade atende ao disposto na Lei Maior. Deixar um animal sem o acesso a atendimento de suas necessidades, tais como a alimentação e abrigo, configura ato de crueldade.
Cabe ao Poder Público, com a participação da sociedade, o atendimento a estes direitos que lhes são inerentes e, tanto quanto, o cumprimento dos deveres com eles, que é o de lhes prover a saúde e o bem-estar.
Cumpre salientar que, corroborando com a Constituição da República Federativa do Brasil, há leis que coíbem a prática de maus-tratos aos animais, como é o exemplo da Lei de Crimes Ambientais – Lei Federal n.º 9605/98, art. 32.
O Código Penal em seu artigo 164 estabelece penas de detenção e multa para maus-tratos e abandonos de animais tanto silvestres quanto domésticos.
Temos o dever de cuidar dos animais e do meio ambiente como um todo, até mesmo para garantir a nossa própria existência. A Constituição da República de 1988 é expressa quanto à proteção à fauna.
Devido a importância que os animais exercem no contexto social e o grau de vulnerabilidade em que vivem, somado a evolução do pensamento humano no sentido de avançar na proteção e no reconhecimento enquanto sujeitos de direitos, é que se torna necessária a presente Lei em prol do bem dos indefesos animais.
É preciso conscientizar a população que maltratar animais além de crime é uma verdadeira barbaridade que mostra a pior face do homem, devendo haver o máximo de esforço para promover o bem-estar através de orientações a respeito da importância de coibir maus-tratos, contra qualquer forma de vida, libertando os animais do sofrimento, exploração, abusos e privação de necessidades básicas de sobrevivência.
O Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, a qual reconhece que “Todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência”.
O Direito Ambiental tem como base, assim como todo o nosso ordenamento jurídico, uma série de princípios que tem funções de interpretação, integração e harmonização das leis e sua aplicação ao caso concreto, tendo papel fundamental no reconhecimento desse Direito.
A presente proposição possui o intuito de suplementar a legislação federal já existente sobre o tema, atendendo às peculiaridades locais na proteção dos animais domésticos no âmbito do Ceará. É correto afirmar que a lei busca tão somente difundir informações no intuito de preservar a vida e integridade de animais, através da denúncia de maus tratos aos órgãos públicos com atribuição para tanto. Trata-se de acesso à informação e aos instrumentos estatais de combate aos maus tratos de animais, ambos de interesse da coletividade, a quem cabe, inclusive, a defesa e preservação do meio ambiente (art. 225, caput, da CRFB/88).
Vale destacar que a presente Lei não cria qualquer despesa ao Executivo nem invade a esfera de atribuições de suas Secretarias, motivos pelos quais não há qualquer impedimento para sua regular tramitação, pois pretende apenas consagrar os princípios constitucionais.
Por fim, é preciso um maior comprometimento público com as questões ligadas à proteção animal e meio ambiente, por conta disso, acreditamos que esta Casa Legislativa, sempre sensível aos interesses da sociedade cearense, respaldará essa iniciativa.
Nesse sentido e pelos motivos apresentados acima, conto desde já com o apoio dos nobres colegas para a aprovação deste Projeto de Lei.
AUDIC MOTA
DEPUTADO