“DISPÕE SOBRE PERCENTUAL MÍNIMO DE
CONTRATAÇÃO DE ARTISTAS CEARENSES OU ATUANTES NO CEARÁ E DE ARTISTAS QUE
EXPRESSEM A CULTURA CEARENSE.”
A
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º. Os eventos culturais,
shows, festivais e demais formas de eventos custeados, de forma total ou
parcial, com verbas públicas do Estado do Ceará ou através dos instrumentos do
regime de fomento cultural previstos na legislação estadual deverão observar,
em percentual mínimo de 50% (cinquenta por cento), a
contratação de:
I - artistas ou grupos artísticos
cearenses ou atuantes no Ceará e que cultivem expressões culturais,
independentemente da linguagem, expressão artística, gênero musical ou
especificidade e atuação empregada, que sejam reconhecidas como bens
componentes do patrimônio cultural imaterial do estado; ou
II - Artistas ou grupos artísticos
cearenses ou atuantes no Ceará que estejam cadastrados há mais de 2 (dois) anos na plataforma Mapa Cultural do Ceará, mantida
pela Secretaria da Cultura do Ceará.
Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na
data de sua publicação.
RENATO
ROSENO
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA:
O presente projeto de lei tem por
objetivo instituir direito cultural consistente na reserva de percentual de 50%
nas contratações realizadas para produção de shows, festivais e outras formas
de eventos culturais promovidos, de forma total ou parcial, com verbas públicas
estaduais ou através dos instrumentos do regime próprio de fomento previsto na
legislação estadual, para artistas e grupos artísticos cearenses e com atuação
no Ceará e que promovam a cultura cearense. Busca, assim, contribuir para o
fortalecimento das expressões artísticas e culturais do estado e para a sua
preservação, garantindo condições materiais de reprodução e o acesso da
população cearense ao patrimônio cultural e artístico do estado.
A proposta replica
normas existentes em outros estados da federação. Em específico as Leis
nº 13.368, de 14 de julho de 2015, do estado da Bahia e nº 14.679, de 24 de
maio de 2012, do estado de Pernambuco, além de normas municipais, como a Lei nº
9.266, de 2 de agosto de 2017, do Município de
Salvador. Inspirada em normas de outros entes subnacionais,
contudo, a proposta que ora se apresenta se adapta à realidade e aos anseios de
artistas cearenses e ao direito da população do estado de fruição das
expressões artísticas e culturais que expressam a cultura local.
No que concerne à
constitucionalidade formal da proposta, cumpre destacar que, nos termos da
Constituição Federal, é competência comum da União, dos Estados e dos
Municípios proteger os bens de valor artístico e cultural, impedir sua
destruição e descaracterização e proporcionar à população os meios para o seu
acesso. Com efeito, esta é a norma insculpida no art. 23 da Carta Magna:
Art. 23. É competência comum da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
III - proteger os documentos, as
obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as
paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição
e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico,
artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de
acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à
inovação;
(...)
Ao tratar das competências
legislativas concorrentes entre a União e os Estados, no art. 24, o texto
constitucional inclui expressamente a cultura, assentando a possibilidade de
que os mencionados entes subnacionais editem leis
sobre a matéria, no âmbito do seu interesse regional. É nesse sentido que se
insere a proposição em epígrafe. Com o objetivo de fortalecer os mecanismos de
proteção e preservação das expressões artísticas cearenses, garante à população
do estado o direito de fruição de tais expressões no âmbito dos eventos
culturais promovidos com recursos públicos estaduais ou fomentados através do
regime próprio previsto na legislação. Respeitando, assim, as
competências estaduais constitucionalmente asseguradas ao Estado-membro.
Uma vez respeitadas as normas
constitucionais que disciplinam a repartição de competências entre os entes da
federação, verifica-se que tampouco encontra-se óbice
à regular tramitação e aprovação do projeto de lei em epígrafe a partir das
normas da Constituição Estadual. Com efeito, o direito a ser instituído pela
lei que se pretende aprovar não trata de questões inseridas no rol de matérias
a que o art. 60, §2º da Constituição Estadual reserva ao chefe do Executivo a competência
privativa para deflagrar o processo legislativo, uma vez que se
disciplina direito cultural à preservação e à fruição das expressões artísticas
e culturais locais.
A Constituição Federal assegura a
todos o direito à cultura, estabelecendo ao Estado o dever de garantir a todos
o pleno exercício dos direitos culturais e de apoiar e incentivar a
valorização e difusão das manifestações culturais. Atento à
necessidade de especial proteção das manifestações culturais populares,
expressões da cultura nacional, o constituinte inseriu no §1º do art.
212 expressa menção ao tema, assentando o dever do Estado na matéria.
É nessa seara que se inscrevem
iniciativas como a que se propõe no presente projeto de lei. Constitui espécie
de ação afirmativa, gênero normativo cuja constitucionalidade já foi amplamente
reconhecida no Brasil e que pode ser compreendida como um conjunto de
políticas públicas (e também privadas)
voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à
neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de
origem nacional e de compleição física. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por
seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam
a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação de fundo
cultural, estrutural, enraizada na sociedade
(Ministro do STF Joaquim B. Barbosa
Gomes. Citado no artigo Sobre a Implementação de Cotas e Outras Ações
Afirmativas para os Afro-brasileiros, de Luiz
Fernando Martins da Silva. Disponível em: https://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarTesauro.asp?txtPesquisaLivre=A%C3%87%C3%83O%20AFIRMATIVA
Acesso em 05.07.2022.)
A reserva de parte das contrações
realizadas com verba pública estadual ou por meio dos instrumentos do regime
próprio de fomento previstos na legislação garantindo que
grupos e artistas cearenses tenham condições de reproduzir suas práticas
culturais, caracterizadoras da identidade cearense. Caminha, portanto,
no sentido de que o estado do Ceará cumpra com seu dever de garantia do pleno
exercício dos direitos culturais aos seus cidadãos, aí entendidos tanto aqueles
que fazem, por meio de seu ofício, a cultura do estado, como o público, que
terá assegurado o seu direito à fruição de tais bens culturais.
Sabe-se que a conjuntura de
globalização e integração dos mercados caracterizadora da sociedade
contemporânea incide também sobre os processos de produção e reprodução das
expressões culturais. Nesse sentido, as condições de convivência entre
manifestações não plenamente integradas à indústria cultural, caracterizadoras
de identidades das diferentes regiões do país, e a lógica impressa pelo mercado
cultural colocam aquelas em situação de fragilidade, o que demanda atuação
efetiva do poder público.
Mesmo que se pudesse entender que a
proposição confronta outros direitos fundamentais, como a isonomia em sua
acepção formal e a livre iniciativa, tem-se que o ordenamento jurídico
brasileiro não comporta direitos absolutos. Com efeito, é da análise concreta
da realidade social que se deve retirar a solução para os aparentes conflitos
entre os direitos assegurados no ordenamento.
Verifica-se na espécie que, ao
propor reserva de percentual das contratações realizadas no âmbito de eventos
promovidos de modo total ou parcial com recursos públicos estaduais, a
propositura em apreço realiza os comandos constitucionais de redução das
desigualdades e de garantia dos direitos culturais. Por outro lado, não produz ônus excessivos no que tange a outros direitos
constitucionais, como os mencionados anteriormente. Na realidade,
possibilita-se o seu pleno exercício.
Nessa toada importa fazer menção a
dois pareceres da douta procuradoria jurídica desta Casa, proferidos no âmbito
dos projetos de lei nº 378/2021 e nº 503/2021 que tratam de matéria assemelhada
à que ora se analisa. O órgão consultivo analisou então a legalidade e a
constitucionalidade de proposições de autoria de parlamentares que tratavam,
respectivamente, do estabelecimento de prioridade no âmbito do atendimento em
repartições públicas estaduais e do estabelecimento de cota mínima de
contratação de pessoal em empresas contratadas pelo poder público. Nas duas
ocasiões o parecer foi favorável à legalidade e constitucionalidade das
matérias.
Com efeito, o PL nº 503/2021, de
autoria da deputada Augusta Brito e do deputado Elmano
Freitas, propôs alterar a Lei nº 15.854, de 24 de setembro de 2015, com o
intuito de incluir a contratação de percentual mínimo de mulheres vítimas de
violência doméstica em situação de vulnerabilidade social pelas empresas
prestadoras de serviços como critério de contratação pela administração pública
estadual. Criou, desse modo, inequívoca distinção e
reserva de vagas no âmbito de contratações realizadas com verba pública
estadual.
Em análise tombada às fls. 11/16 a
procuradoria assinalou que a proposição dava realização ao mandamento
constitucional da igualdade e não implicava custo de elevada monta ao Poder
Executivo, de modo que não usurpou a competência privativa estabelecida no art.
60, § 2º da Constituição Estadual. Desse modo, após regular tramitação, a
matéria foi convertida na Lei nº17.987, de 18 de março
de 2022.
Verifica-se, então, que a proposição
que ora se apresenta encontra-se, inclusive, em consonância com precedentes
desta Casa Legislativa, de modo que não há, do ponto
de vista jurídico, impedimento à sua regular tramitação, possibilitando a sua
discussão pelos parlamentares estaduais.
Pelas razões expostas, o parlamentar
subscritor conta com o apoio dos nobres pares desta Casa na aprovação da
proposição que ora se apresenta.
RENATO
ROSENO
DEPUTADO