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PROJETO DE LEI N.° 219/2022

 

“INSTITUI A ROMARIA DA SANTA CRUZ E A SEMANA ECOS DO CALDEIRÃO NO CALENDÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO CEARÁ.”

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ APROVA:

 

Art. 1º Fica instituído no Calendário Oficial de Eventos do Estado do Ceará a Romaria da Santa Cruz a ser celebrada, anualmente, no quarto domingo do mês de setembro e a Semana Ecos do Caldeirão.

 

Art. 2º A Semana Ecos do Caldeirão tem como objetivos:

I – Promover a visibilidade da história da comunidade do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, em Crato;

II – Preservar a memória da comunidade do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto;

III - Promover o debate acerca da preservação da sua história e das práticas cultivadas por seus moradores;

IV – Promover debates sobre a agricultura familiar, soberania alimentar e convivência no Semiárido, práticas estimuladas pela comunidade do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto;

V - Estimular reflexões acerca da violência de Estado cometida contra o Caldeirão da Santa Cruz e outras comunidades rurais.

Parágrafo único. A Semana Ecos do Caldeirão passará a fazer parte do Calendário Oficial de Eventos do Estado do Ceará e será realizada, anualmente, na quarta semana do mês de setembro.

Art. 3º. A Semana Ecos do Caldeirão poderá ser realizada em parceria com voluntários, universidades, sociedade civil e a comunidade escolar.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO

 

 

 

JUSTIFICATIVA:

 

A presente proposição busca ressaltar a história de uma das comunidades rurais mais marcantes da história brasileira, o Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, em Crato, liderada pelo beato José Lourenço, que foi massacrada pelas forças armadas, em 1937, e que por muitos anos teve sua história invisibilizada.

Em setembro de 1936, a Polícia Militar do Ceará, sob ordem do Governo Federal, invadiu pela primeira vez a comunidade do Caldeirão da Santa Cruz, em Crato. Em maio de 1937, dessa vez com apoio das Forças Armadas, um novo ataque deixou moradores foram mortos, enquanto os sobreviventes foram expulsos de suas terras. Seu líder, o beato José Lourenço, e seus seguidores fugiram.

Sua história começou no final do século XIX, quando o agricultor José Lourenço Gomes da Silva, peregrino paraibano, migrou até Juazeiro do Norte e se tornou um beato de confiança do Padre Cícero. O sacerdote arrendou uma terra do Sítio Baixa Dantas, em Crato, onde José e os flagelados que chegassem ao Cariri pudessem prosperar na agricultura comunitária e na fé. E assim aconteceu até 1926, quando as terras foram vendidas.

Depois disso, o Padre Cícero cedeu uma de suas propriedades na fazenda conhecida como “Caldeirão dos Jesuítas”, local que teria sido esconderijo dos jesuítas no século XVIII, que fica a cerca de 33 quilômetros da sede do Município, onde recomeçam o trabalho comunitário com base na religião. Sob a condução do beato José Lourenço, lá, a produção era dividida igualmente e o excedente era vendido para compra de outros produtos, como remédios e querosene.

O Caldeirão da Santa Cruz foi fundamental para acolher os flagelados da seca de 1932, que é lembrada, tanto na literatura como na oralidade, como uma das mais perversas que castigou o Nordeste na primeira metade do século XX. Esse fenômeno de escassez de água e alimento impulsionou o crescimento daquela comunidade, que chegou a receber 1.700 pessoas, segundo os historiadores.

Temendo que a comunidade se tornasse um movimento messiânico, o Governo Federal, ordenou, em 11 de setembro de 1936, a primeira invasão à comunidade, que foi dispersada por forças policiais. Em 11 de maio de 1937, dessa vez foram as Forças Armadas que destruíram a comunidade, segundo alguns pesquisadores, realizando o primeiro bombardeio aéreo da história brasileira. Nove anos depois do episódio, José Lourenço morreria em Exu, vítima da peste bubônica.

Além de sua importância histórica, atualmente o Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, em Crato, está em processo de se tornar uma unidade de conservação e integrar o Geopark Araripe como um de seus geossítios. A Secretaria de Cultura do Crato também tem uma proposta de criar um memorial dentro da comunidade.

Por ocasião da passagem do século, em setembro de 2000 foi realizada a primeira Romaria da Santa Cruz, também popularmente conhecida como “Romaria da Terra”, organizada pelas entidades eclesiais de base (CEB’s) com organizações em defesa da agricultura familiar, do meio ambiente e da soberania alimentar.

O evento, que acontece no quarto domingo do mês de setembro, reúne aproximadamente 5 mil pessoas, em frente à capela de Santo Inácio de Loyola, única edificação da época do beato que ainda se mantém de pé.

A iniciativa de realizar a Romaria busca resgatar a história de uma comunidade que “de certa forma foi abafada”, como avalia o padre Vileci Vidal, um dos seus idealizadores. “O Caldeirão ofereceu alimentação para as pessoas que chegaram, tempo que aumento a população, se vivia com cuidado para não deixarem morrer, passar fome, manter a espiritualidade integrada com a luta com a terra. Eram pessoas marginalizadas, refugiadas, buscando reintegrar a sua espiritualidade, fugindo do cangaço. Uma comunhão integrada no campo social, político e social”, completa padre Vileci.

A romaria chega, em 2022, a sua 21ª edição aberta ao público, após dois anos interrompidas pela pandemia da Covid-19, com organização e participação de diversas entidades instituições, destacando-se a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Diocese de Crato, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Crato, a Associação Cristã de Base (ACB), a Universidade Regional do Cariri (Urca), a organização Caldeirão Vivo, de Fortaleza, e o Assentamento 10 de Abril de Crato.

Além da romaria, estas mesmas entidades promovem anualmente a Semana Ecos do Caldeirão na quarta semana de setembro, onde são promovidas atividades religiosas, rodas de conversa, debates, apresentações culturais e momento litúrgicos.

Neste sentido, a proposição em apreço busca reparar uma histórica injustiça cometida pelo Estado brasileiro na destruição e no apagamento da memória do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, inserindo a Semana Ecos do Caldeirão e a Romaria da Santa Cruz no Calendário Oficial do Estado do Ceará, recaindo sobre a quarta semana do mês de setembro e quarto domingo deste mesmo mês, respectivamente.

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO