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PROJETO DE INDICAÇÃO N° 103/2022

 

“ALTERA A LEI Nº 9.826/74 E A LEI Nº 13.729/06 PARA AMPLIAR O PRAZO DA LICENÇA PATERNIDADE E REGULAMENTAR A LICENÇA ADOTANTE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS E MILITARES, NA FORMA QUE INDICA”.

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ APROVA:

 

Art. 1º Os artigos 68, 80 e 100 da Lei nº 9.826, de 14 de maio de 1974, passam a vigorar com a seguinte redação:

 

“Art. 68 Será considerado de efetivo exercício o afastamento em virtude de:

(...)

XII – licença à funcionária gestante, adotante ou guardiã judicial; (NR)

(...)

XXII – licença-paternidade com duração de 30 (trinta) dias, assistindo igual direito o pai adotante ou guardião judicial. (AC)

(...)

Art. 80 Será licenciado o funcionário:

(...)

IV – quando gestante, adotante, guardiã judicial ou para gozar de licença paternidade, na forma do artigo 68, XXII desta Lei, independentemente de gênero e orientação sexual; (NR)

(...)

Art. 100 Fica garantida a possibilidade de prorrogação, por mais 60 (sessenta) dias, da licença-maternidade, prevista nos arts. 7º, inciso XVIII, e 39, §3º, da Constituição Federal destinada às servidoras públicas estaduais.

(...)

§5º O benefício disposto no caput será igualmente garantido a quem adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança. (AC)”

 

Art. 2º O artigo 62 da Lei nº 13.729, de 11 de janeiro de 2006, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 62 Licença é a autorização para o afastamento total do serviço, em caráter temporário, concedida ao militar estadual, obedecidas as disposições legais e regulamentares.

§1º A licença pode ser:

(...)

II – paternidade, por 30 (trinta) dias, assistindo igual direito o pai adotante ou guardião judicial; (NR)

(...)

VI – à adotante, por 120 (cento e vinte) dias. (NR)

a) REVOGADO

b) REVOGADO

c) REVOGADO”

 

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO

 

 

 

JUSTIFICATIVA:

 

A proposição visa uniformizar a regulamentação sobre a licença paternidade e a licença adotante, equiparando a situação de civis e militares no estado e realizando a adequação dos direitos dos servidores públicos do Ceará com aqueles previstos na Constituição Federal, com as devidas atualizações à interpretação consolidada do Supremo Tribunal Federal.

 

É imperioso que o estado do Ceará, no exercício do seu poder de auto-legislação, discipline a questão, em consonância com a isonomia entre homens e mulheres e civis e militares, inclusive no dever de cuidado e proteção aos filhos.


I. Licença Paternidade

Na legislação atual, servidores civis têm licença paternidade de cinco dias, ao passo que tal benefício aos militares consiste em 10 dias. A proposta busca ampliar ambas para 30 dias.

 

Uma das principais questões em torno da ampliação da licença paternidade diz respeito à superação da desigualdade de gênero, na qual o Brasil, em recente relatório do Índice Global de Desigualdade de Gênero do Fórum Econômico Mundial, ocupou a 82ª posição. Nesse quesito, vale ainda destacar que a Corte Europeia de Direitos Humanos, desde março de 2012, recomenda a equiparação entre licença maternidade e licença paternidade por considerar sexismo e preconceito que o trabalho e a licença recaiam apenas sobre um dos sexos.

 

A legislação atual é reflexo de uma desigualdade histórica das posições ocupadas por homens e mulheres na sociedade, cabendo aos primeiros o espaço público e a condição de provedor e produtor de recursos e às últimas o espaço privado e o status de cuidadora e reprodutora, sendo este trabalho invisibilizado e desvalorizado. A entrada das mulheres no mercado de trabalho não alterou esta situação; pelo contrário, aumentou a sobrecarga em ombros femininos, que, pela Síntese de Indicadores Sociais do IBGE (2013), acumulam 56,9 horas trabalhadas, somando-se o trabalho doméstico ao trabalho fora de casa, enquanto os homens trabalham 52,1 horas da mesma soma.

 

Manter uma licença paternidade de 5 ou 10 dias é delegar exclusivamente à mulher ainda no delicado período puerperal, que dura de 30 a 45 dias em um estado pós-operatório devido à realização do parto cesáreo, a tarefa de cuidar de uma criança recém-nascida. Nessas condições, tanto criança quanto mulher encontram limitações físicas, sendo ambas prejudicadas pela ausência do companheiro para o compartilhamento dos cuidados. Este, por sua vez, é prejudicado em seu direito de exercício pleno da paternidade ao ser privado de momentos importantes da primeira infância da criança. Depois, segue como consequência desse processo a prática naturalizada de que, mesmo após o fim do período de licença, os cuidados com os/as filho/as são tarefas das mães.

 

A ONG britânica Plan International entrevistou 1.948 meninas entre 6 e 14 anos de idade nas cinco regiões do Brasil. Os dados são vergonhosos: quase 40% das meninas discordam que são tão inteligentes quanto os meninos; mais de 10% delas não se orgulham nem se sentem feliz por ser menina; 76,8% disseram que lavam a louça em casa, enquanto que somente 12,5% de seus irmãos meninos executam a mesma tarefa.

 

Ainda segundo a pesquisa, 76,3% das meninas revelaram que são cuidadas principalmente pela mãe – o pai está presente nos cuidados de apenas uma em cada quatro delas. Enquanto isso, as políticas públicas existentes nessa área reforçam esse cenário, a exemplo do tempo diferenciado das licenças maternidade e paternidade.

 

Já são muitos os países que ampliaram ou equipararam suas licenças paternidade, chegando, alguns deles, a transformá-las em licenças parentais, deixando ao casal o direito de escolher qual dos cônjuges a exercerá. Ícone deste processo é a Suécia, onde a licença parental é compartilhada, a licença paternidade de 1 mês existe desde 1995 e, atualmente, os pais dispõem de 420 dias de licença para serem utilizados até o 8º ano da criança. A Islândia, hoje considerada o país com menos desigualdade de gênero do mundo, organiza sua licença parental de forma que a mãe e o pai, cada, têm direito a 3 meses exclusivos e ambos possuem mais 3 meses a serem divididos como o casal desejar.

II. Licença Adotante

Nesse ponto, a proposta possui como finalidade adequar a redação do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado, tornando expresso o direito à licença adotante, tendo em vista que o salário-maternidade às adotantes e guardiãs judiciais já é garantido pela LC 38/2003, e estendendo o direito aos pais adotantes. Ademais, o projeto busca uniformizar o prazo da licença adotante em 120 dias, independentemente da idade da criança adotada.

 

Por fim, visa garantir o direito à prorrogação da licença maternidade às mães adotantes, tendo em vista que a Lei nº 13.881/2007, que alterou o Estatuto das Servidoras Públicas Civis, estabeleceu o direito à prorrogação para as gestantes, mas não o fez em relação à adotante e guardiã judicial. Em nível federal as servidoras públicas adotantes já têm o direito à prorrogação, conforme previsões constantes no Decreto nº 6690/98.

 

A Constituição Federal determina em seu Art. 227, §6º que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

 

Portanto, o prazo da licença deve ser equiparado entre mães biológicas e adotantes. Como exemplo, temos a Lei Estadual nº 12.214, de 26 de maio 2011, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do estado da Bahia e que reconhece o mesmo tempo de licença para as servidoras adotante e gestante, sendo este prazo de 180 dias, sem necessidade de pedido de prorrogação.

 

Assim, é de suma importância que os filhos adotados tenham igual direito de convivência com os pais adotantes, tais como os filhos biológicos. Esse direito já foi reconhecido pelo Poder Judiciário em diversas circunstâncias, como por exemplo:

 

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICENÇA ADOTANTE. LICENÇA MATERNIDADE. EQUIPARAÇÃO. A impetrante faz jus à licença nos mesmos moldes concedidos à servidora que gerou o próprio filho. Entendimento diverso implicaria em violação ao art. 227, § 6º da Constituição Federal, que veda a distinção entre filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção. A distinção entre licença maternidade e licença adotante contraria os preceitos constitucionais e cria distinção entre filhos legítimos e adotados. Reconhecida a equiparação dos prazos da licença-adotante e da licença-maternidade. Segurança concedida. (TRF-3 - MS: 19832 SP 0019832-43.2013.4.03.0000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, Data de Julgamento: 16/10/2014, QUARTA SEÇÃO)”

 

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO - CONCESSÃO DE LICENÇA MATERNIDADE A ADOTANTE PELO PERÍODO DE 120 (CENTO E VINTE) DIAS - ART. 210 DA LEI 8.112/90 - INCISO XVIII DO ART. 7º DA CF/88 - SITUAÇÃO CONSOLIDADA. 1. Conquanto a Lei nº 8.112/90 determine a concessão de 90 (noventa) dias de licença remunerada à servidora que adotar menor de até um ano de idade, é de ser mantida a sentença que concedeu o benefício pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias, por necessária aplicação analógica do inciso XVIII do art. 7º, bem como dos art. 226 e 227, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988. 2. Apelação e remessa oficial desprovidas. (AMS 0042327-70.2002.4.01.3800 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ AMILCAR MACHADO, PRIMEIRA TURMA, DJ p.21 de 15/05/2006)”

 

“ADMINISTRATIVO. SERVIDORA PÚBLICA. LICENÇA-ADOTANTE. CONSTITUCIONAL. ISONOMIA COM LICENÇA-MATERNIDADE. PRORROGAÇÃO. CONCESSÃO. 1. O princípio de proteção ao menor, consagrado na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, impõe que sejam garantidos à mãe adotiva garantias e direitos idênticos aos assegurados à mãe biológica, visando à proteção à maternidade e à criança notadamente. 2. A negativa de concessão de licença à adotante em idêntico número de dias ao previsto para licença-maternidade implica discriminação, violando o artigo 5º da Constituição. (TRF-4 – APELREEX: 50418311420124047100 RS 5041831-14.2012.404.7100, Relator: MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Data de Julgamento: 24/04/2013, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 25/04/2013)”

 

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORA PÚBLICA. LICENÇA-MATERNIDADE. ELEVAÇÃO DO PRAZO PARA 180 DIAS. APLICABILIDADE À MÃE ADOTANTE. 1. A Constituição da República obsta qualquer tentativa em se diferenciar o filho biológico do adotivo. Assim, se aos filhos biológicos reserva-se a presença materna como indispensável para um desenvolvimento físico e emocional saudável, por idênticos motivos serão necessários tais cuidados ao filho adotado. Precedentes deste Tribunal. 2. Impetrante que faz jus à licença maternidade pelo prazo de 180 dias, em face da obtenção da guarda provisória de menor, direito assegurado pela Lei nº 11.770/2008, que estendeu por mais 60 dias o direito à licença, já regulamentada pelo Decreto nº 6.690/2008. 3. Remessa Necessária improvida. (TRF-5 - REO: 28563320134058300, Relator: Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto, Data de Julgamento: 05/12/2013, Terceira Turma, Data de Publicação: 10/12/2013)”

 

III. Licença para casal ou cidadão homoafetivo

Por fim, a proposição estende, caso aprovada e acatada pelo Poder Executivo, expressamente os direitos à licença maternidade, paternidade e adotante a cidadãos homoafetivos.

 

A Constituição Federal determina em seu art. 226, §5º que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Dentre os deveres dos pais destacam-se o de assistir, criar e educar os filhos menores, previstos no art. 229 da Carta Magna. O art. 227 da Constituição Federal também determina que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

 

Fundamental consignar que a noção de família não se restringe ao casal heterossexual, mas abrange todas as formas de união e inclusive a pessoa solteira. No julgamento da ADPF 132 o STF afirmou:

 

“A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros (ADPF 132, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-01 PP-00001)”

 

Assim, o reconhecimento do direito à licença maternidade com igualdade já vem sendo garantido pelo Judiciário:

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR. ADOÇÃO OU GUARDA DE CRIANÇA. LICENÇA REMUNERADA DE 120 DIAS. CONCESSÃO. DIREITO DO FILHO. CASAL HOMOAFETIVO. DISCRIMINAÇÃO. VEDAÇÃO. 1. A licença é direito também do filho, pois sua finalidade é "propiciar o sustento e o indispensável e insubstituível convívio, condição para o desenvolvimento saudável da criança" (TRF da 3ª Região, MS n. 2002.03.00.026327-3, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, j. 24.11.05), razão pela qual a adotante faria jus ao prazo de 120 (cento e vinte dias) de licença remunerada. 2. Pelas mesmas razões, é razoável a alegação de que importaria em violação à garantia de tratamento isonômico impedir a criança do necessário convívio e cuidado nos primeiros meses de vida, sob o fundamento de falta de previsão constitucional ou legal para a concessão de licença de 120 (cento e vinte) dias, no caso de adoção ou de guarda concedidas a casal homoafetivo. De todo modo, após a ADI n. 132 não mais se concebe qualquer tipo de discriminação ou mesmo restrição legal em razão de orientação sexual. E, como consectário lógico, à família resultante de união homoafetiva devem ser assegurados os mesmos direitos à proteção, benefícios e obrigações que usufruem aquelas que têm origem em uniões heteroafetivas, em especial aos filhos havidos dessas uniões (STF, ADI n. 4277, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.11). 3. Assim, a licença remunerada de 120 (cento e vinte dias), com a prorrogação de 60 (sessenta) dias prevista no art. 2º, § 1º, do Decreto n. 6.690/08, deve ser estendida ao casal homoaefetivo, independentemente do gênero, no caso de adoção ou guarda de criança de até 1 (um) ano de idade. 4. Agravo de instrumento provido, restando prejudicados o pedido de reconsideração e o agravo legal da União. (TRF-3 - AI: 32763 MS 0032763-15.2012.4.03.0000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, Data de Julgamento: 10/06/2013, QUINTA TURMA)”

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO