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PROJETO DE LEI N.º 399/2021

 

“RECONHECE O ESTADO DE EMERGÊNCIA CLIMÁTICA E PREVÊ A CRIAÇÃO DE POLÍTICAS PARA A TRANSIÇÃO SUSTENTÁVEL”.

 

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:

 

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o reconhecimento do estado de emergência climática e prevê a criação de políticas para a transição sustentável.

Art. 2° Fica reconhecido o estado de emergência climática no Estado do Ceará, em razão da mudança climática decorrente da atividade humana que altera a composição da atmosfera mundial e eleva a concentração de gases de efeito estufa, com ameaça à humanidade e à natureza como as conhecemos.

§ 1º Ao reconhecer a emergência climática global, o Estado do Ceará se une a um movimento climático global para que se mantenha um clima seguro.

§ 2º Para fins desta lei, considera-se clima seguro aquele que permite a sobrevivência e a prosperidade de gerações, comunidades e ecossistemas presentes e futuros, o que corresponde a um aquecimento de, no máximo, 1,5°C em relação aos tempos pré-industriais.

§ 3º Para fins desta lei, considera-se que as mudanças climáticas podem ampliar o risco de desertificação do território semi-árido do Estado do Ceará, expor a zona costeira aos impactos de eventos extremos e da elevação do nível do mar, aprofundar a insegurança hídrica e alimentar da população cearense.

§ 4º Entende-se como resposta à emergência climática o conjunto de medidas adotadas pelo Poder Público para enfrentamento da emergência climática para assegurar meios para atingir a neutralidade das emissões de gases de efeito estufa até 2050.

§ 5º Entende-se por neutralização de emissões o estado de equilíbrio em que as emissões são reduzidas ao máximo através de ações de mitigação e as emissões residuais são compensadas integralmente por sumidouros, naturais ou artificiais.

§ 6º  Entende-se por transição sustentável o conjunto de políticas públicas e ações governamentais indutoras de uma economia progressivamente menos desigual e geradora de menos emissões de Gases de Efeito Estufa, e adaptada aos cenários climáticos futuros, a partir de reformas estruturais e medidas incrementais de atualização dos modos de geração e distribuição de energia, de produção de bens de consumo, de preservação da diversidade socioambiental e socioeconômica e do uso sustentável dos recursos naturais.

§ 7º O estado de emergência climática se iniciará a partir da data de publicação desta lei e vigorará enquanto ações de mitigação e de adaptação se revelarem urgentes e necessárias.

Art. 3º Caberá ao Estado do Ceará empenhar todos os esforços cabíveis e disponíveis para o combate à emergência climática, realizando uma transição para uma economia socioambientalmente sustentável e neutra em emissões de gases de efeito estufa.

§ 1º As políticas, programas e planos de desenvolvimento, inclusive as proposições orçamentárias, deverão incorporar ações de resposta à emergência climática e deverão considerar e integrar as ações promovidas no âmbito municipal.

§ 2º As ações de resposta à emergência climática deverão estar ancoradas nos princípios de equidade, da autodeterminação e da proteção dos direitos fundamentais, em especial das populações mais vulneráveis aos impactos das mudanças do clima.

§ 3º A resposta à emergência climática inclui a promoção da educação ambiental e climática, que passa a ser temática central dos currículos e ações das instituições de ensino da rede estadual de educação em todos os níveis, ficando garantida a sua implementação nos planos didáticos com a inclusão de conteúdos científicos atualizados e a formação de professores nos temas relacionados à crise climática e sustentabilidade.

§ 4º O Poder Executivo Estadual deve realizar campanhas junto à sociedade civil que informem sobre as causas e consequências das mudanças climáticas.

§ 5º Caberá ao Governo assegurar a preparação do corpo de servidores públicos para enfrentamento da emergência climática, por meio da criação de órgãos e de sistema de governança na Administração Pública para integração entre a política climática e as demais políticas setoriais de saúde, energia, gestão ambiental, agricultura, educação, planejamento, entre outras.

§ 6º Durante o período de vigência do estado de emergência climática, fica vedado o contingenciamento de quaisquer fundos ou recursos destinados à proteção ambiental, ao combate ao desmatamento e à mitigação e adaptação à mudança climática.

Art. 4º Caberá ao Poder Executivo Estadual elaborar um Plano Estadual de Enfrentamento à Emergência Climática, delineando metas quinquenais progressivas até 2050 para a neutralização das emissões de gases de efeito estufa referidas no art. 3º, além das ações a serem adotadas para atingir as metas correspondentes.

§ 1º O plano de que trata o caput deste artigo, elaborado com a participação da sociedade civil, deverá ser objeto de revisão periódica a cada cinco anos, e o processo de revisão não poderá levar a uma redução no nível das metas.

§ 2º Caberá ao Poder Executivo estadual publicar e divulgar, inclusive na rede mundial de computadores, relatório anual de acompanhamento do cumprimento do referido plano, indicando o estágio de cada uma das metas estabelecidas e das ações correspondentes.

§ 3º O detalhamento das ações para alcançar os objetivos expressos no caput será estabelecido por decreto, elaborado com a participação da sociedade civil, que terá por base os dados de inventário de emissões de gases de efeito estufa no Estado do Ceará.

§ 4º O inventário mencionado no parágrafo 3º deste artigo deverá identificar em especial as atividades relacionadas à matriz energética, aos transportes, ao tratamento do lixo e às indústrias, de modo a orientar as políticas públicas ambientais para a redução da emissão dos gases estufa.

§ 5º O Plano Estadual de Enfrentamento à Emergência Climática deve estar em consonância com o Plano Estadual de Mudanças Climáticas – PEMC e com o Plano Estadual de Adaptação – PEA.

Art. 5º A sociedade civil deve ser incluída nos debates estaduais sobre a transição para uma economia livre de combustíveis fósseis (carvão mineral, gás natural e petróleo), bem como no planejamento e na implementação de políticas públicas para mitigação e adaptação às mudanças climáticas, por meio de mecanismos de participação pública, a exemplo do Fórum Estadual de Mudanças Climáticas e Biodiversidade.

§ 1º As políticas públicas iniciadas no processo de resposta à emergência climática devem priorizar as comunidades vulneráveis, desproporcionalmente impactadas por injustiças ambientais, como povos e comunidades tradicionais, população em situação de rua e comunidades moradoras de áreas de risco.

§ 2º Para subsidiar as políticas públicas mencionadas no caput deste artigo, deverá ser realizado um mapeamento das regiões mais vulneráveis do Estado do Ceará, para o desenvolvimento de medidas de contingenciamento e solução de riscos, levando em consideração ameaças, como inundação fluvial, chuvas e deslizamentos em áreas de assentamentos precários, drenagem insuficiente, vetores de doenças transmissíveis, seca meteorológica, elevação do nível do mar; ondas de calor, bem como para a propositura de medidas emergenciais, com assistência integral às pessoas atingidas.

Art. 6° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO

 

 

 

JUSTIFICATIVA:

 

     A mudança climática é uma crise urgente que representa uma séria ameaça à estabilidade global e à existência humana no planeta, e que a humanidade se encontra em estado de emergência climática.

   O relatório do Grupo de Trabalho I (AR6 WGI) – finalizado e aprovado por 234 autores e 195 governos – foi divulgado em agosto de 2021, intitulado “Climate Change 2021: the Physical Science Basis”. É a maior atualização do estado do conhecimento sobre ciência climática desde o lançamento do AR5 do IPCC em 2014, e seu marco 1.5 Relatório Especial (SR1.5).

O Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do IPCC, apresenta uma nova série de cenários de emissões – cinco no total – batizado de Projeto de Intercomparação de Modelos Climáticos Versão 6 (CMIP6). Existem dois cenários de baixas emissões (SSP1-1.9 e SSP1-2.6), um de médias (SSP2-4.5) e dois de altas (SSP3-7 e SSP5-8.5). Em todos os cenários, a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris (2015) – limitar o aquecimento a 1,5° -, é ultrapassada no começo da década de 2030, dez anos antes do previsto. No cenário SSP1-1.9, de emissões mais baixas, o aquecimento voltará a estar abaixo desse patamar somente no fim do século e em resposta a um corte ambicioso de emissões que começasse já. A temperatura global entre 2081 e 2100 será muito provavelmente 1°C a 1,8°C mais alta do que entre 1850 e 1900 no melhor cenário de emissões, e de 3,3°C a 5,7°C mais quente, no pior cenário. O planeta aquecerá em pelo menos 1,5°C em todos os cenários. No caminho mais ambicioso de emissões, alcançamos 1,5°C nos anos 2030.

    Cientistas não têm dúvidas de que as atividades humanas aqueceram o planeta. Mudanças rápidas e generalizadas ocorreram no clima do planeta e alguns impactos estão agora se concretizando. Essas mudanças climáticas impactam de maneira distinta as comunidades e as cidadãs e os cidadãos do Ceará. As tempestades e o aumento do nível do mar são um risco eminente às populações (tradicionais litorâneas e pesqueiras) que vivem em zonas costeiras em nosso estado. A elevação do nível do mar continuará por centenas a milhares de anos, mesmo nos caminhos climáticos mais ambiciosos. Diante disso, é necessário garantir os direitos fundamentais a essas populações, tais como o acesso à alimentação, educação, saúde e moradia adequadas, o acesso à água, ar e terras despoluídos e que não sejam uma ameaça à saúde pública.

    Segundo o AR6, algumas regiões semiáridas e a chamada Região da Monção da América do Sul, que engloba parte do Centro-Oeste brasileiro, da Amazônia, da Bolívia e do Peru, deverão ter os maiores aumentos de temperatura nos dias mais quentes do ano – até duas vezes acima da taxa de aquecimento global.

    O Acordo de Paris estabelece como meta o aumento da temperatura até o final do século não mais do que 2°C, e de preferência não mais do que 1,5°C. O relatório do WGI é mais claro do que nunca: tanto os limites de aquecimento de 1,5°C como de 2°C serão ultrapassados durante o século 21, a menos que reduzamos profundamente o CO2, juntamente com outras emissões de gases de efeito estufa, a zero líquido por volta ou depois de 2050.

    Esta é uma realidade sem precedentes, já que a última vez que a temperatura da superfície terrestre foi superior a 2,5°C (em comparação com os níveis pré-industriais) foi há mais de 3 milhões de anos. E os alertas não são de hoje.

    Nas vésperas da Conferência das Partes sobre o Clima da ONU (COP-25) em 2019, o Parlamento Europeu já havia tomado a decisão histórica de declarar situação de emergência climática. Da mesma forma, foi a primeira vez que um bloco multilateral, a União Europeia, adotou uma resolução do tipo. Foram quase 200 países presentes na COP-25. Embora tenha-se chegado a um acordo sobre a necessidade de aumentar a mobilização global por cortes nas emissões de carbono e endurecer as metas de restrição para o uso de combustíveis fósseis, a controversa discussão acerca dos chamados mercados de carbono (a possibilidade de países que emitem menos carbono “venderem” créditos de CO2 às nações mais poluentes) foram adiadas para a COP-26 que será sediada em Glasgow. Junto aos EUA, Austrália e Arábia que cumpriram papel deletério para o estabelecimento do acordo, o Brasil foi um dos principais obstáculos à assinatura do documento.

    As consequências são evidentes. Há um declínio alarmante na extensão de gelo no Ártico da ordem de velocidade de 4% por década. Na Groenlândia, o derretimento vem batendo recorde nos últimos anos. Já na Antártida, o gelo também está perdendo massa, gerando a migração e extinção de animais e plantas incapazes de se adaptar rapidamente a mudanças no seu hábitat. O derretimento também tem como consequência o aumento do nível dos mares que podem trazer profundos impactos para áreas costeiras, onde vivem quase 700 milhões de pessoas em todo o globo que poderão ser desalojadas. A morte gigantesca de recifes de corais em toda a superfície do planeta, com o avanço da dissolução do gás carbônico e a acidificação dos oceanos, pode colocar em risco a vida de milhares de espécies que dele dependem. Pode também ameaçar a subsistência das populações que vivem da relação estabelecida com esses ecossistemas. A perda significativa da Amazônia (17% perdida desde a década de 1970 - quando o ponto limite para irreversibilidade dos danos pode ser 20%), ameaçam a região considerada de maior biodiversidade do planeta. O desmatamento colabora diretamente para uma mudança do padrão de chuvas na região. A Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta que a saúde de milhões de pessoas pode ser afetada pelo avanço de doenças transmitidas pela água e pela desnutrição. São sobretudo os países mais pobres, que embora sejam os que menos produzem gases estufa, estão menos preparados para lidar com mudanças bruscas, que podem sofrer mais com as transformações.

    O mundo está imerso em uma crise socioambiental planetária de proporções ainda não vividas pela sociedade humana e pode começar a atravessar pontos críticos, sem retorno. Eles são alcançados quando os impactos do aquecimento já tornaram a situação irreversível. Todas as evidências científicas apontam para um clima com mais eventos extremos: tempestades severas, ondas de calor mortíferas, secas excepcionais, incêndios florestais devastadores. Em 2013, o supertufão Haiyan assolou as Filipinas, chegando a atingir velocidades máximas com ventos da ordem de 315 km/h, sendo considerado o ciclone mais forte já registrado na história, resultando em mais de 6 mil mortos e 2 mil pessoas desaparecidas. No ano de 2017, o furacão Irma foi o mais forte já registrado na bacia do Oceano Atlântico. Em 2019, Moçambique, Malauí e Zimbábue foram atingidos pelo ciclone Idai, que causou danos ambientais e mortes irreparáveis, centenas de escolas e milhares de imóveis destruídos, além de milhares de hectares de plantações que se perderam completamente. Os incêndios de proporções continentais que acompanhamos, no início de 2020, na Austrália. E em 2021, os incêndios alarmantes se alastraram pela Grécia, Itália, Rússia e outros países europeus.

    Em 2019, centenas de protestos nacionais e internacionais culminaram numa Greve Global pelo Clima, levando mais de seis milhões de pessoas às ruas por todo o planeta, tendo sido considerada a maior mobilização internacional desde os protestos contra a invasão do Iraque em 2003. Inspirados na ativista sueca Greta Thunberg, milhões de ativistas se juntaram a protestos na Austrália, Uganda, Espanha, Colômbia, Japão, Alemanha e Reino Unido. Isso demonstra a crescente preocupação da sociedade civil com a alarmante questão do aumento dos gases estufa na atmosfera e o futuro do planeta. Desde então, o chamado para as Greves pelo Clima se intensifica, no tempo e no espaço, levando o discurso de alerta para diferentes camadas da sociedade.

    Nesse contexto, o Brasil é um dos 7 maiores emissores do mundo, ficando atrás apenas da China, EUA, União Europeia, Índia, Rússia e Indonésia. Enquanto a maioria dos países tem emissões amplamente dominadas pela queima de combustíveis fósseis, no caso brasileiro boa parte vem do desmatamento e da agropecuária. O Brasil emitiu 2,119 bilhões de toneladas brutas de gás carbônico, em 2016. Os dados são da sexta edição do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa).  Embora tenha participação comparativamente alta no uso de energias renováveis, não há nenhum planejamento para expandir o uso dessas tecnologias, há ausência de políticas para a redução de emissões a longo prazo e não se aponta para a eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis. Na contramão das medidas necessárias, o governo Jair Bolsonaro cortou quase 50% do orçamento destinado ao combate às queimadas e cerca de 95% do orçamento destinado a combater as mudanças climáticas, recurso principalmente destinado à criação e manutenção de unidades de conservação ambiental. O resultado é que, apenas em 2019, assistimos estarrecidos o fogo tomar conta de áreas gigantescas da Floresta Amazônica. E em 2020, as chamas também chegaram, de forma dramática, no Pantanal. As taxas de desmatamento, as mais altas da última década, podem levar a uma classificação piorada para o Brasil.

    Diante desse contexto, torna-se imperativo que o Estado do Ceará, localizado no Nordeste brasileiro, podendo ser intensamente afetado pela dinâmica de mudanças planetárias, reconheça a extrema gravidade da ameaça representada pelo aquecimento do planeta e decrete Emergência Climática Global que ameaça a humanidade. É necessário que seja estabelecido imediatamente um plano de metas, com diretrizes que priorizem as comunidades historicamente vulnerabilizadas e desproporcionalmente impactadas por injustiças e pelo racismo ambiental.  Além disso, estabelecer um amplo debate com a sociedade cearense sobre transição radical para uma economia que não se baseie no consumo de combustíveis fósseis, com o planejamento e implementação de políticas para mitigação das alterações no clima. Esforços para realizar uma transição justa, com o fim de atingir a neutralização das emissões de carbono, até 2050, devem ser empenhados imediatamente. É o momento de se unir para que se mantenha um clima seguro – aquele que permite a sobrevivência e prosperidade de comunidades, gerações e ecossistemas, sob pena da extinção da espécie humana e da vida no planeta. Consonante com a Política Estadual de Mudanças Climáticas e com o Plano Estadual de Mudanças Climáticas, que precisa ser finalizado pelo Governo Estadual e debatido com a sociedade através desta Casa, o Estado do Ceará precisa assumir o compromisso com a promoção de sociedades resilientes e de baixo carbono.

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO