PROJETO DE LEI N.º 395/2021
“INSTITUI O PROGRAMA DE PREVENÇÃO ÀS DESIGUALDADES DE GÊNERO E RAÇA NO ÂMBITO DAS EMPRESAS INSTALADAS NO ESTADO DO CEARÁ”.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º Fica instituído o Programa de prevenção às desigualdades de gênero e raça nas empresas com 30 (trinta) ou mais prestadores de serviços com ou sem vínculos empregatícios, com o objetivo de promover maior igualdade e inclusão no mercado de trabalho.
Art. 2º Para fins do Programa instituído pelo art. 1º desta Lei, a empresa e os integrantes de seu grupo econômico constituirão comissão integrada por representantes de seus prestadores de serviços com ou sem vínculo empregatício em diversos níveis hierárquicos e por representantes de diferentes áreas de organização da empresa e dos integrantes de seu grupo econômico.
§ 1º Na composição da comissão de que dispõe este artigo, deverá ser assegurada a presença de, pelo menos, 30% (trinta por cento) de mulheres e 30% (trinta por cento) de pessoas negras, ficando vedada a consideração da mesma pessoa simultaneamente para ambos critérios.
§ 2º Se a aplicação dos percentuais de que trata o § 1º deste artigo resultar em números fracionados, esses números serão majorados até o primeiro número inteiro subsequente.
§ 3º Os prestadores de serviços integrantes da comissão de que trata este artigo não poderão sofrer desligamento e despedida arbitrária ou despedida sem justa causa por pelo menos 1 (um) ano desde sua designação para participar da comissão.
§ 4º A comissão estabelecida conforme este artigo será responsável por formular, executar e acompanhar as medidas junto à empresa e os integrantes de seu grupo econômico no âmbito do Programa de prevenção às desigualdades de gênero e raça.
Art. 3º São medidas no âmbito do Programa de prevenção às desigualdades de gênero e raça a serem tomadas pela comissão de que trata o art. 2º desta Lei:
I – a adoção de providências para que os processos seletivos de admissão, contratação, promoção ou designação para funções de direção, chefia, gerência ou outros cargos de confiança sejam conduzidos de modo a assegurar a igualdade de gênero e raça; ,
II – a avaliação da política de remuneração e das remunerações aos prestadores de serviços;
III – a classificação das funções desempenhadas de acordo com a equivalência de valor remuneratório;
IV – a formulação de políticas e processos relacionados a decisões sobre remuneração;
V – a publicação de relatório anual interno de avaliação com dados de quantitativo de pessoal, de remunerações, de ocupação de cargos de confiança e de direção e de remuneração das funções classificadas na forma do inciso II do caput, com respeito aos prestadores de serviços, por gênero e raça.
Art. 4º No prazo de 30 (trinta) dias após o término de cada ano civil, as empresas e os integrantes de seu grupo econômico deverão encaminhar o relatório de que trata o inciso V do art. 3º desta Lei à Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.
Art. 5º O descumprimento das disposições previstas neste Capítulo sujeita o infrator às seguintes multas administrativas, sem prejuízo do disposto no § 6º do art. 461 do Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho, bem como de outras sanções presentes na legislação:
I – se houver infração ao previsto no art. 4º deste artigo, R$ 100,00 UFRIRCES por dia de atraso;
II – se for constatada a ocorrência de trabalho de igual valor com remuneração desigual para pessoas de diferentes gêneros e raças, R$ 2.000,00 UFIRCES por prestador de serviço discriminado, acrescido de igual valor em caso de reincidência.
Art. 6º O Poder Executivo poderá instituir programa oficial de certificação do respeito à igualdade de gênero e raça, para certificar que as empresas cumprem os requisitos e reduzem ou não apresentam desigualdades no âmbito do Programa de prevenção às desigualdades de gênero e raça de que trata esta Lei.
Art 7º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
ANTÔNIO GRANJA
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA:
As desigualdades de gênero e raça existentes no mercado de trabalho devem ser enfrentadas por meio de políticas públicas que regulem a atividade econômica com o intuito de cumprir os objetivos fundamentais vinculados à não discriminação e ao desenvolvimento econômico e social estabelecidos pela nossa República.
Na Constituição Federal de 1988, encontramos princípios constitucionais da igualdade, no art. 5º, I, e da proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, no art. 7º, XXX. O Brasil também tem compromissos no plano internacional, a exemplo da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.
Em particular, o Brasil é parte da Convenção nº 100 sobre a igualdade de remuneração de homens e mulheres por trabalho de igual valor, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina, em seu Artigo 2:
Artigo 2 1. Todo País-membro deverá promover, por meios apropriados aos métodos em vigor para a fixação de tabelas de remuneração, e, na medida de sua compatibilidade com esses métodos, assegurar a aplicação, a todos os trabalhadores, do princípio da igualdade de remuneração de homens e mulheres trabalhadores por trabalho de igual valor.
A legislação brasileira contém algumas regras proibitivas da discriminação, como as previstas nos arts. 373-A e 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O art. 461 prevê:
Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.
O art. 461 citado apresenta critérios para medir diferenças salariais e possibilitar equiparação salarial. Em alteração recente, passou a prever também multa em caso de diferenciais de remuneração decorrentes de discriminação por sexo ou etnia.
Apesar das previsões na legislação nacional e nos compromissos internacionais, é necessário desenvolver mais instrumentos para atuar sobre a regulação das empresas e do trabalho e para corrigir essas falhas de mercado que são as diferenças salariais em trabalhos de igual valor. Entre as experiências internacionais, notam-se países como a Islândia e o Reino Unido, que instituíram mecanismos de divulgação de dados sobre salários por parte das empresas que constituem exemplo e contribuem para pressionar o setor privado no sentido da redução das desigualdades de remuneração.
O art. 3º da Constituição explicita que estão entre objetivos da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, assim como a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Acreditamos, junto com diversas evidências empíricas sobre a importância da inclusão e da equidade no mercado de trabalho, que o outro objetivo da República, o de garantir o desenvolvimento nacional, somente será pleno se a sociedade almejada não contiver as diferentes desigualdades apontadas.
As estatísticas do IBGE, no entanto, revelam que o rendimento médio das mulheres era 77,7% daquele recebido pelos homens em 2019, ao mesmo tempo em que os negros ganhavam 57,3% do que auferiam os brancos. Ainda que o texto constitucional evidencie a propriedade privada e a livre iniciativa, a regulação estatal é imprescindível para compensar as iniquidades geradas dentro do mecanismo de mercado, a ponto de o art. 170 da Constituição estabelecer que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Para promover a redução das desigualdades de gênero e raça na sociedade brasileira, apresentamos o presente Projeto de Lei. Diante do exposto, solicitamos o apoio dos nobres pares para a aprovação deste importante Projeto de Lei.
ANTÔNIO GRANJA
DEPUTADO