PROJETO DE LEI N.º 276/2021
“DISPÕE SOBRE PARTICIPAÇÃO, PROTEÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DO USUÁRIO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL”.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º Esta Lei estabelece normas básicas para participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos prestados direta ou indiretamente pela administração pública.
§ 1º O disposto nesta Lei aplica-se à administração pública direta e indireta do Estado, do Ceará, nos termos do inciso I do § 3º do art. 37 da Constituição Federal .
§ 2º A aplicação desta Lei não afasta a necessidade de cumprimento do disposto:
I - em normas regulamentadoras específicas, quando se tratar de serviço ou atividade sujeitos a regulação ou supervisão; e
II - na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, quando caracterizada relação de consumo.
§ 3º Aplica-se subsidiariamente o disposto nesta Lei aos serviços públicos prestados por particular.
Art. 2º Para os fins desta Lei, consideram-se:
I - usuário - pessoa física ou jurídica que se beneficia ou utiliza, efetiva ou potencialmente, de serviço público;
II - serviço público - atividade administrativa ou de prestação direta ou indireta de bens ou serviços à população, exercida por órgão ou entidade da administração pública;
III - administração pública - órgão ou entidade integrante da administração pública de qualquer do Estado do Ceará, o Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública Estadual;
IV - agente público - quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil ou militar, ainda que transitoriamente ou sem remuneração; e
V - manifestações - reclamações, denúncias, sugestões, elogios e demais pronunciamentos de usuários que tenham como objeto a prestação de serviços públicos e a conduta de agentes públicos na prestação e fiscalização de tais serviços.
Parágrafo único. O acesso do usuário a informações será regido pelos termos da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 .
Art. 3º Com periodicidade mínima anual, o Poder Executivo publicará quadro geral dos serviços públicos prestados, que especificará os órgãos ou entidades responsáveis por sua realização e a autoridade administrativa a quem estão subordinados ou vinculados.
Art. 4º Os serviços públicos e o atendimento do usuário serão realizados de forma adequada, observados os princípios da regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atualidade, generalidade, transparência e cortesia.
Art. 5º O usuário de serviço público tem direito à adequada prestação dos serviços, devendo os agentes públicos e prestadores de serviços públicos observar as seguintes diretrizes:
I - urbanidade, respeito, acessibilidade e cortesia no atendimento aos usuários;
II - presunção de boa-fé do usuário;
III - atendimento por ordem de chegada, ressalvados casos de urgência e aqueles em que houver possibilidade de agendamento, asseguradas as prioridades legais às pessoas com deficiência, aos idosos, às gestantes, às lactantes e às pessoas acompanhadas por crianças de colo;
IV - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de exigências, obrigações, restrições e sanções não previstas na legislação;
V - igualdade no tratamento aos usuários, vedado qualquer tipo de discriminação;
VI - cumprimento de prazos e normas procedimentais;
VII - definição, publicidade e observância de horários e normas compatíveis com o bom atendimento ao usuário;
VIII - adoção de medidas visando a proteção à saúde e a segurança dos usuários;
IX - autenticação de documentos pelo próprio agente público, à vista dos originais apresentados pelo usuário, vedada a exigência de reconhecimento de firma, salvo em caso de dúvida de autenticidade;
X - manutenção de instalações salubres, seguras, sinalizadas, acessíveis e adequadas ao serviço e ao atendimento;
XI - eliminação de formalidades e de exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido;
XII - observância dos códigos de ética ou de conduta aplicáveis às várias categorias de agentes públicos;
XIII - aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e procedimentos de atendimento ao usuário e a propiciar melhores condições para o compartilhamento das informações;
XIV - utilização de linguagem simples e compreensível, evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos; e
XV - vedação da exigência de nova prova sobre fato já comprovado em documentação válida apresentada.
XVI – comunicação prévia ao consumidor de que o serviço será desligado em virtude de inadimplemento, bem como do dia a partir do qual será realizado o desligamento, necessariamente durante horário comercial.
Parágrafo único. A taxa de religação de serviços poderá não ser devida se houver descumprimento da exigência de notificação prévia ao consumidor prevista no inciso XVI do caput deste artigo, o que ensejará a aplicação de multa à concessionária, conforme regulamentação.
Art. 6º São direitos básicos do usuário:
I - participação no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços;
II - obtenção e utilização dos serviços com liberdade de escolha entre os meios oferecidos e sem discriminação;
III - acesso e obtenção de informações relativas à sua pessoa constantes de registros ou bancos de dados, observado o disposto no inciso X do caput do art. 5º da Constituição Federal e na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 ;
IV - proteção de suas informações pessoais, nos termos da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 ;
V - atuação integrada e sistêmica na expedição de atestados, certidões e documentos comprobatórios de regularidade; e
VI - obtenção de informações precisas e de fácil acesso nos locais de prestação do serviço, assim como sua disponibilização na internet, especialmente sobre:
a) horário de funcionamento das unidades administrativas;
b) serviços prestados pelo órgão ou entidade, sua localização exata e a indicação do setor responsável pelo atendimento ao público;
c) acesso ao agente público ou ao órgão encarregado de receber manifestações;
d) situação da tramitação dos processos administrativos em que figure como interessado; e
e) valor das taxas e tarifas cobradas pela prestação dos serviços, contendo informações para a compreensão exata da extensão do serviço prestado.
VII – comunicação prévia da suspensão da prestação de serviço.
Parágrafo único. É vedada a suspensão da prestação de serviço em virtude de inadimplemento por parte do usuário que se inicie na sexta-feira, no sábado ou no domingo, bem como em feriado ou no dia anterior a feriado.
Art. 7º Os órgãos e entidades abrangidos por esta Lei divulgarão Carta de Serviços ao Usuário.
§ 1º A Carta de Serviços ao Usuário tem por objetivo informar o usuário sobre os serviços prestados pelo órgão ou entidade, as formas de acesso a esses serviços e seus compromissos e padrões de qualidade de atendimento ao público.
§ 2º A Carta de Serviços ao Usuário deverá trazer informações claras e precisas em relação a cada um dos serviços prestados, apresentando, no mínimo, informações relacionadas a:
I - serviços oferecidos;
II - requisitos, documentos, formas e informações necessárias para acessar o serviço;
III - principais etapas para processamento do serviço;
IV - previsão do prazo máximo para a prestação do serviço;
V - forma de prestação do serviço; e
VI - locais e formas para o usuário apresentar eventual manifestação sobre a prestação do serviço.
§ 3º Além das informações descritas no § 2º, a Carta de Serviços ao Usuário deverá detalhar os compromissos e padrões de qualidade do atendimento relativos, no mínimo, aos seguintes aspectos:
I - prioridades de atendimento;
II - previsão de tempo de espera para atendimento;
III - mecanismos de comunicação com os usuários;
IV - procedimentos para receber e responder as manifestações dos usuários; e
V - mecanismos de consulta, por parte dos usuários, acerca do andamento do serviço solicitado e de eventual manifestação.
§ 4º A Carta de Serviços ao Usuário será objeto de atualização periódica e de permanente divulgação mediante publicação em sítio eletrônico do órgão ou entidade na internet.
§ 5º Regulamento específico disporá sobre a operacionalização da Carta de Serviços ao Usuário.
Art. 8º São deveres do usuário:
I - utilizar adequadamente os serviços, procedendo com urbanidade e boa-fé;
II - prestar as informações pertinentes ao serviço prestado quando solicitadas;
III - colaborar para a adequada prestação do serviço; e
IV - preservar as condições dos bens públicos por meio dos quais lhe são prestados os serviços de que trata esta Lei.
Art. 9º Para garantir seus direitos, o usuário poderá apresentar manifestações perante a administração pública acerca da prestação de serviços públicos.
Art. 10. A manifestação será dirigida à ouvidoria do órgão ou entidade responsável e conterá a identificação do requerente.
§ 1º A identificação do requerente não conterá exigências que inviabilizem sua manifestação.
§ 2º São vedadas quaisquer exigências relativas aos motivos determinantes da apresentação de manifestações perante a ouvidoria.
§ 3º Caso não haja ouvidoria, o usuário poderá apresentar manifestações diretamente ao órgão ou entidade responsável pela execução do serviço e ao órgão ou entidade a que se subordinem ou se vinculem.
§ 4º A manifestação poderá ser feita por meio eletrônico, ou correspondência convencional, ou verbalmente, hipótese em que deverá ser reduzida a termo.
§ 5º No caso de manifestação por meio eletrônico, prevista no § 4º, respeitada a legislação específica de sigilo e proteção de dados, poderá a administração pública ou sua ouvidoria requerer meio de certificação da identidade do usuário.
§ 6º Os órgãos e entidades públicos abrangidos por esta Lei deverão colocar à disposição do usuário formulários simplificados e de fácil compreensão para a apresentação do requerimento previsto no caput , facultada ao usuário sua utilização.
§ 7º A identificação do requerente é informação pessoal protegida com restrição de acesso nos termos da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 .
Art. 11. Em nenhuma hipótese, será recusado o recebimento de manifestações formuladas nos termos desta Lei, sob pena de responsabilidade do agente público.
Art. 12. Os procedimentos administrativos relativos à análise das manifestações observarão os princípios da eficiência e da celeridade, visando a sua efetiva resolução.
Parágrafo único. A efetiva resolução das manifestações dos usuários compreende:
I - recepção da manifestação no canal de atendimento adequado;
II - emissão de comprovante de recebimento da manifestação;
III - análise e obtenção de informações, quando necessário;
IV - decisão administrativa final; e
Art. 13. Sem prejuízo de outras formas previstas na legislação, a participação dos usuários no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços públicos será feita por meio de conselhos de usuários.
Parágrafo único. Os conselhos de usuários são órgãos consultivos dotados das seguintes atribuições:
I - acompanhar a prestação dos serviços;
II - participar na avaliação dos serviços;
III - propor melhorias na prestação dos serviços;
IV - contribuir na definição de diretrizes para o adequado atendimento ao usuário;
V - acompanhar e avaliar a atuação do ouvidor.
Art. 14 A composição dos conselhos deve observar os critérios de representatividade e pluralidade das partes interessadas, com vistas ao equilíbrio em sua representação.
Parágrafo único. A escolha dos representantes será feita em processo aberto ao público e diferenciado por tipo de usuário a ser representado.
Art. 15 O conselho de usuários terá caráter consultivo e deliberativo, tendo, inclusive, direito a veto.
Art. 16 A participação do usuário no conselho será considerada serviço relevante e sem remuneração.
Parágrafo único. As avaliações feitas pelos usuários, servidores públicos ou não, servirá como base para implementação e melhoria dos serviços públicos no Estado do Ceará.
Art. 17 Regulamento específico disporá sobre a organização e funcionamento dos conselhos de usuários.
Art. 18 Fica instituído o sistema de monitoramento permanente e contínuo dos níveis de satisfação do cidadão com a qualidade dos serviços públicos e da percepção do servidor quanto a clima e condições de trabalho na sua unidade no Estado do Ceará
Parágrafo único. O Poder Executivo fica autorizado a estimular a implantação de sistemas privados de monitoramento permanente que se mostrem capazes de futura auto sustentabilidade financeira.
Art. 19 Os sistemas privados de monitoramento contemplados deverão, obrigatoriamente, cobrir todo o Estado, a partir de subsistemas em todos os municípios, envolvendo, prioritariamente, os serviços de iluminação pública, trânsito, coleta de lixo, segurança, educação, saúde e transporte.
Art. 20 São critérios para aprovação de projetos privados o compromisso de atender todos os municípios, transparência de todos os índices médios, rigor da metodologia, relação custo-benefício atraente, acesso gratuito a todo cidadão e disposição para deixar auditar seu programa se e quando o Estado julgar necessário ou conveniente.
Art. 21 Os órgãos e entidades públicos abrangidos por esta Lei deverão avaliar os serviços prestados, nos seguintes aspectos:
I - satisfação do usuário com o serviço prestado;
II - qualidade do atendimento prestado ao usuário;
III - cumprimento dos compromissos e prazos definidos para a prestação dos serviços;
IV - quantidade de manifestações de usuários; e
V - medidas adotadas pela administração pública para melhoria e aperfeiçoamento da prestação do serviço.
§ 1º A avaliação será realizada por pesquisa de satisfação feita, no mínimo, a cada um ano, ou por qualquer outro meio que garanta significância estatística aos resultados.
§ 2º O resultado da avaliação deverá ser integralmente publicado no sítio do órgão ou entidade, incluindo o ranking das entidades com maior incidência de reclamação dos usuários na periodicidade a que se refere o § 1º, e servirá de subsídio para reorientar e ajustar os serviços prestados, em especial quanto ao cumprimento dos compromissos e dos padrões de qualidade de atendimento divulgados na Carta de Serviços ao Usuário.
Art. 22 Regulamento específico disporá sobre a avaliação da efetividade e dos níveis de satisfação dos usuários.
Art. 23 Esta Lei entra em vigor em até 120 (cento e vinte) dias a contar da sua publicação.
GEORGE LIMA
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA:
A Constituição Federal de 1988 sinaliza a importância da qualidade dos serviços públicos e indica que ao usuário cabe o papel central no processo de avaliação. Quase três décadas depois, o Congresso Nacional vota a Lei 13.460, que estabelece as referências fundamentais desse processo de avaliação, que deve ocorrer nos âmbitos federal, estadual e municipal, alcançando todos os entes públicos (e também os particulares que atuam através de concessão, terceirização ou outro tipo de delegação).
Cabe a cada estado brasileiro normatizar o que lhe couber e agir para atender adequadamente, no seu território, às exigências estabelecidas e em pleno vigor. O projeto que ora se apresenta tem esta finalidade e deve merecer do Parlamento a prioridade possível.
Cabe registrar que a implementação do monitoramento da qualidade no âmbito da prestação de serviço público traz enormes e decisivos benefícios. Senão, vejamos.
1. Para os membros dos parlamentos (assembleia e câmaras municipais) o sistema de monitoramento se transformará em importante ferramenta para cumprimento de uma de suas obrigações, qual seja a de acompanhar a prestação dos serviços públicos/
2. Para o governador e prefeitos, o sistema entregará com a frequência mínima de um ano uma visão panorâmica do desempenho da máquina pública, oferecida pelos milhares de moradores das cidades/
3. Para secretários estaduais e municipais, o sistema funcionará indubitavelmente como um apoio à gestão de cada um, pois, potencialmente, cada cidadão, ao usar o serviço público, terá oportunidade de manifestar de forma objetiva, simples e direta seu grau de satisfação com o atendimento.
4. Para os servidores, o sistema poderá funcionar como um importante reconhecimento da excelência de seu desempenho, se for o caso, ou, quando for a ocasião, como um estímulo para avançar em melhorias objetivas.
5. Para a população, na medida que o monitoramento avançar ao longo dos anos, será cada vez mais perceptível a importância decisiva do serviço público, sua qualidade como consequência de uma boa e atenta gestão.
6. Para as instituições organizadas da sociedade civil, o sistema de monitoramento da qualidade dos serviços públicos significará um avanço inquestionável do regime democrático, um fortalecimento do sistema representativo e um marco na ideia de boa aplicação dos recursos arrecadados com a cobrança de impostos, contribuições e taxas.
Assim, por entendermos ser a presente proposição deveras relevante e significativa, no sentido de se promover o acesso do cidadão à participação e efetivo controle direto dos atos, ações e serviços prestados por toda a administração pública é que submetemos a mesma à ínclita apreciação de Vossas Excelências, pugnando por seu reconhecimento e consequente aprovação.
GEORGE LIMA
DEPUTADO