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PROJETO DE LEI N.º 212/2021

 

“DISPÕE SOBRE A PROIBIÇÃO DA OFERTA E DA CELE"BRAÇÃO, POR LIGAÇÃO TELEFÔNICA, DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO DE QUALQUER NATUREZA, DIRECIONADA A APOSENTADOS E PENSIONISTAS, NO ÂMBITO DO ESTADO DO CEARÁ.”

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ APROVA:

 

Art. 1º As instituições financeiras, correspondentes bancários e sociedades de arrendamento mercantil em atividade no Estado do Ceará ficam proibidas de realizar, diretamente ou por intermédio de pessoa física ou jurídica, qualquer atividade de telemarketing ativo, oferta comercial, proposta, publicidade ou outra ação por meio telefônico atinente a convencer aposentados e pensionistas a celebrar contrato de empréstimo de qualquer natureza.

Art. 2º As instituições financeiras, correspondentes bancários e sociedades de arrendamento mercantil em atividade no Estado do Ceará ficam proibidas de celebrar, mediante ligação telefônica, diretamente ou por intermédio de pessoa física ou jurídica, contrato de empréstimo de qualquer natureza com beneficiário aposentado ou pensionista.

§1º Os contratos de empréstimo de qualquer natureza a serem celebrados com beneficiários aposentados e pensionistas deverão necessariamente ser celebrados mediante assinatura de instrumento escrito, devendo o interessado apresentar no ato documento de identidade idôneo.

§2º Não será admitida para a celebração do contrato de que trata este artigo a mera autorização dada em ligação telefônica e nem será reconhecida gravação de voz como  prova de vínculo contratual quando ausente instrumento escrito.

§3º Atendidas as condições do caput e do §1º deste artigo, a celebração de contrato de empréstimo poderá ser realizada por canal não presencial, ficando a contratada obrigada a enviar as cláusulas do contrato por e-mail, por via postal ou por outro meio físico que possibilite o devido recebimento e a plena ciência por parte do interessado.

§4º Nos casos do §3º deste artigo, as instituições financeiras, correspondentes bancários e sociedades de arrendamento mercantil em atividade no Estado do Ceará ficam autorizadas a instituir canal digital para o recebimento do instrumento contratual assinado pelo beneficiário, devidamente acompanhado do documento de identificação idôneo.

 

Art. 3º As instituições financeiras, correspondentes bancários e sociedades de arrendamento mercantil em atividade no Estado do Ceará ficam autorizadas a disponibilizar canal telefônico, site ou outro canal idôneo com a finalidade de que os interessados aposentados e pensionistas solicitem a celebração de contrato de empréstimo de qualquer natureza a ser realizada nos termos desta Lei.

Parágrafo único Os canais de atendimento mencionados no caput deste artigo deverão prestar os devidos esclarecimentos sobre todas as condições de contratação do serviço de forma clara e objetiva.

 

Art. 4º O descumprimento do estabelecido nesta Lei sujeitará as instituições financeiras, correspondentes bancários, sociedades de arrendamento mercantil que lhe derem causa ao pagamento de multa, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

 

Art. 5º A fiscalização do cumprimento do disposto nesta Lei e a aplicação das penalidades pelo seu descumprimento serão de responsabilidade dos órgãos de defesa do consumidor.

 

Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO

 

 

 

JUSTIFICATIVA:

 

            O projeto apresentado tem por objetivo a proteção de aposentados e pensionistas, em sua maioria pessoas idosas, no que diz respeito ao risco de endividamento excessivo em decorrência de empréstimos de qualquer natureza, sobretudo os do tipo consignado em folha de pagamento.

            Assim, ao propor regras que disciplinam a oferta e a celebração, por parte de instituições financeiras, de contratos de empréstimos com aposentados e pensionistas busca-se estabelecer uma proteção específica mais favorável a essa parcela expressiva do universo de consumidores no Ceará, em consonância com os ditames constitucionais de defesa do consumidor, redução das desigualdades e garantia de especial proteção às pessoas que se encontrem em situação de vulnerabilidade.

            A proposta é formalmente constitucional, uma vez que trata de matéria relacionada a produção e consumo e sobre a responsabilidade por dano ao consumidor, as quais, nos termos do art. 24, V e VIII da Constituição Federal são de competência legislativa concorrente entre a União e os Estados.

            Nesse sentido, inclusive, já se posicionou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.727, no qual formou-se maioria no sentido de reconhecer a constitucionalidade da Lei 20.276/2020 do Estado do Paraná a qual estabelece regras semelhantes às propostas neste Projeto de Lei e serviu-lhe de referência.

            É o que se extrai do voto da Relatora da Ação, Ministra Carmem Lúcia, a qual consignou que

Em tema de proteção ao consumidor, cabe à União editar as normas gerais e aos Estados suplementá-las, tal como se dispõe nos §§ 1º e 2º do art. 24 da Constituição da República, não existindo, portanto, supremacia de um ente político em detrimento do outro. Há divisão de competências legislativas para a preservação da segurança jurídica e da organicidade do sistema.

Portanto, as disposições da Lei n. 20.276/2020 do Paraná no sentido de que instituições financeiras, correspondentes bancários e sociedades de arrendamento mercantil estão proibidas de realizar publicidade ou atividade de convencimento de aposentados e pensionistas para a contratação de empréstimos – os quais devem ser expressamente solicitados por esses consumidores – resultam do legítimo exercício da competência concorrente do ente federado em matéria de defesa do consumidor, afeiçoando-se a “legislação estadual às peculiaridades locais, de forma a superar a uniformização simétrica da legislação federal (HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional . 4 ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 356)

 

(STF – ADI 6.727, Relatora Ministra Carmem Lúcia)

 

            Conforme se extrai da análise formulada pela Eminente Ministra Relatora, não há na norma em comento qualquer confronto ou invasão de competências privativas da União. Pelo contrário, neste Projeto de Lei, em atenção às peculiaridades do mercado de consumo cearense, propõe-se a adoção de regras que suplementam as normas gerais editadas pela União e presentes no Código de Defesa do Consumidor.

            A proposição não apresenta ainda qualquer afronta à Constituição do Estado do Ceará, uma vez que a matéria não se enquadra no rol de leis cuja iniciativa de proposição é exclusiva do Governador do Estado, nos termos do art. 60,§2º.

            Com efeito, o art. 60, §3º da Constituição do Estado dispõe que a iniciativa de leis que a Constituição Federal determina a competência concorrente entre a União e os Estados será exercida concorrentemente entre o Governador e os Deputados Estaduais.

            Este é também o entendimento consolidado da Procuradoria desta Casa Legislativa, conforme se extraí da ementa do Parecer exarado na tramitação do Projeto de Lei 39/2012, posteriormente convertido na Lei 16.969/2019

 

CONSTITUCIONAL. PROJETO DE LEI ESTADUAL Nº 39/2012. DISPÕE SOBRE NORMAS DE PROTEÇÃO AOS CONSUMIDORES QUE SE UTILIZEM DE SERVIÇOS DE MANOBRA E GUARDA DE VEÍCULOS EM ESTACIONAMENTOS PÚBLICOS E PRIVADOS NO ESTADO DO CEARÁ, NA FORMA QUE INDICA. RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO. ART. 24, INCISO XIII, DA CF/88. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE DOS ESTADOS-MEMBROS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SUPLEMENTAÇÃO PELOS ESTADOS. POSSIBILIDADE. INICIATIVA PARLAMENTAR. LEGITIMIDADE. PARECER FAVORÁVEL. (grifos nossos).

           

            Desse modo, fica demonstrada constitucionalidade da proposta sob o ponto de vista formal.

            No mérito, a matéria é também revestida de constitucionalidade e de grande relevância e conveniência, uma vez que pretende estabelecer proteção especial a uma parcela particularmente vulnerável do mercado consumidor, a saber, aposentados e pensionistas, público composto majoritariamente por pessoas idosas.

            Importante esclarecer que o projeto não fere o princípio da livre iniciativa, nem tampouco representa excessiva interferência estatal no mercado.

            Trata-se de ação do Poder Público no sentido de harmonizar o exercício da livre iniciativa econômica (a qual se inscreve como um dos fundamentos da República e da Ordem Econômica, nos termos da Constituição Federal) ao dever do Estado de promoção da defesa dos consumidores (art. 5º, XXXII, CF) e de redução das desigualdades (art. 3º, III, CF).

            Tal dever estatal, nos termos do art. 4º, III, do Código de Defesa do Consumidor, é um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, que tem por objetivo, dentre outros, o respeito à dignidade dos consumidores e a proteção de seus interesses econômicos, além da transparência e harmonia nas relações de consumo.

            Nesse sentido, são direitos básicos do consumidor a adequada informação sobre os produtos e serviços ofertados, a proteção contra a propaganda abusiva ou enganosa, e a prevenção da ocorrência de danos patrimoniais e morais.

            Assim, na atuação estatal o princípio da livre iniciativa precisa ser harmonizado com a defesa do consumidor e a redução das desigualdades, mediante a proteção especial aos grupos vulneráveis.

            Ressalte-se que o art. 3º, II da Lei 0.741/2003 (Estatuto do Idoso) garante à pessoa idosa a prioridade na formulação e na execução de políticas públicas sociais específicas. É exatamente isso que se pretende com o presente Projeto de Lei.

            É sabido que esse público apresenta, em razão de sua idade avançada, uma maior vulnerabilidade, estando mais suscetível ao comprometimento excessivo de sua renda em razão da contratação de empréstimos, sobretudo do tipo consignado em folha de pagamento. Essa situação leva a um quadro de vulnerabilidade social e econômica em que tais pessoas veem-se com suas possibilidades de sustento comprometidas.

            A questão ganha especial relevo quando analisada a partir da proliferação de contratações de empréstimos consignados por telefone, o que, sob o pretexto de facilitar o acesso deste serviço aos consumidores, acaba por vulnerá-los ainda mais, tendo em vista a falta de clareza com que, muitas vezes, são apresentados os termos dos contratos.

            No ano de 2020, reclamações contra empréstimos consignados ocuparam o quarto lugar dentre os termas de maior incidência na plataforma Consumidor.gov, administrada pela Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. O número de reclamações chegou a mais de 71 mil, segundo dados do Boletim Consumidor em Números.

            Em decorrência do elevado número de reclamações, foi instaurado pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria Nacional do Consumidor procedimento com o objetivo de averiguar tais denúncias.

            A nota técnica 231/2019 emitida pelo órgão, destaca que contratações de empréstimos por telefone dificultam a compreensão por parte dos interessados dos exatos termos do negócio. Em consequência ocorre o acúmulo de demandas junto aos órgãos administrativos e ao Judiciário, além do sofrimento ocasionado às pessoas idosas, em razão do comprometimento exagerado de sua renda que acaba por comprometer sua capacidade de prover o sustento próprio e de suas famílias.

            A matéria aqui ventilada, portanto, é de comprovada relevância e se inscreve no âmbito da necessária ação do Estado do Ceará na promoção de especial proteção a um grupo vulnerabilizado nas relações de consumo. Além disso, resta demonstrado que o tema se insere na competência legislativa estadual.

            Pelas razões expostas, a proposta merece aprovação por essa Augusta Casa Legislativa, que, caso acate a matéria, pode contribuir decisivamente para a efetivação de direitos e para a promoção de um mercado de consumo orientado pelos princípios consagrados no vigente ordenamento constitucional.

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO