PROJETO DE LEI N.º 181/2021
“DISCIPLINA, NO ÂMBITO DO ESTADO DO CEARÁ, O REAJUSTE DOS CONTRATOS DE ALUGUEL, RESIDENCIAL E COMERCIAL, QUE NÃO PODERÁ SER SUPERIOR À INFLAÇÃO OFICIAL DO PAÍS”.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º. Fica estabelecido que o reajuste do valor dos contratos de aluguel, residencial e comercial, não poderá ser superior à inflação oficial do país, quando este ultrapassar sua média histórica anual.
Parágrafo único. É permitida, excepcionalmente, a incidência do índice pactuado, na origem da avença ou de outro índice ou critério referencial, mesmo quando o acumulado for superior à projeção da inflação, desde que expressamente aceita e definida pelas partes interessadas.
Art. 2º. As partes interessadas poderão, a partir da vigência desta lei, negociar e promover mediação nos contratos de locação, evitando a judicialização da questão, sempre que o índice pactuado no respectivo contrato tiver reajuste além da média anual histórica, com o objetivo de restabelecer o equilíbrio contratual celebrado inicialmente.
Art. 3º. Esta lei terá efeitos enquanto perdurar o estado de calamidade pública decretado, em decorrência de pandemia, epidemia, crise e depressão econômica, endividamento público e outro agravamento econômico que, eventualmente, atinja o Estado do Ceará.
Art. 4º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
LEONARDO ARAÚJO
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA:
A pandemia de covid-19 afetou e tem impactado, sobremaneira, além da saúde e da vida das pessoas, como é indiscutível, também a economia, a rotina comercial e de trabalho do povo cearense.
Por tal razão, somando esforço nas iniciativas governamentais já implementadas, este projeto de lei objetiva conferir segurança jurídica e evitar mais agravamento das relações econômicas, comerciais e industriais, no âmbito do nosso Estado, na medida em que traz alternativa para que negócios não sejam fechados e encerrados, permitindo que relações jurídico-comerciais tenham continuidade, em virtude da crise sanitária e econômica vigente, prestigiando o princípio social do contrato, conforme o Novo Código Civil.
Para justificar, trazendo a lume essa triste realidade, apenas no Estado do Ceará, mais de 15 mil micro e pequenas empresas fecharam por conta da pandemia, conforme recentemente informado pela diretoria do SEBRAE.
A maior parte do encerramento dessas atividades deve-se aos custos do comércio e do negócio, em relação à diminuição do volume de vendas e de prestação de serviços, não justificando, com isso, uma incidência de reajuste ou de revisão de contratos em índices, atrelados a indexadores de mercado que não correspondam a uma justa realidade, adequada, ainda, à absoluta falta de capacidade econômica atual, tanto de empresas, quanto de governos.
Além do mais, cerca de 26,04% das pessoas no Nordeste vivem de aluguel, vale dizer, não possuem ainda moradia própria (fonte: Agência Brasil).
Desse modo, na própria Câmara Federal já tramita o Projeto de Lei 1026/21, o qual determina que o reajuste dos contratos de aluguel residencial e comercial não poderá ser superior à inflação oficial do país, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). De autoria do deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), o texto permite o uso de valor superior ao IPCA, desde que com anuência do locatário.
Atualmente, a Lei de Locações determina que o indexador do aluguel será definido entre as partes, mas o mercado imobiliário costuma usar o Índice Geral de Preços e Mercado (IGP-M), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em 2020 o IGP-M acumulou alta de 23,14%, contra 4,52% do IPCA.
As razões do projeto afirmam, ainda, que “o IPCA é o índice mais adequado para os aluguéis porque reflete &,39;o real custo de vida" da população. O projeto tramita em regime de urgência aprovado pelos deputados, e agora deverá ser votado diretamente no Plenário da Câmara, em data a ser definida, segundo informações da Agência Câmara de Notícias.
Apesar dessa iniciativa legislativa federal, os Estados membros possuem competência e devem contribuir, pelo princípio federativo, com soluções viáveis para a sociedade, já que a realidade econômica de um país continental pode se manifestar de maneira pontual e específica, exigindo intervenção normativa própria para contribuir com o aperfeiçoamento social, em cada caso.
Nesse contexto, o art. 23 da Constituição Federal prevê que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, promover programas e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, além de promover a integração social, no âmbito de seu território, dentre outras.
Além disso, o art. 24 da Carta Magna, definiu como competência concorrente, legislar sobre direito econômico, financeiro e de consumo, o que legitima a produção legiferante, no caso em tela, tendo em vista o mérito de justa repactuação econômica de que trata a lei em pauta.
Vejamos os entendimentos jurisprudenciais adiante que reforçam o nosso posicionamento:
O interesse comum inclui funções públicas e serviços que atendam a mais de um Município, assim como os que, restritos ao território de um deles, sejam de algum modo dependentes, concorrentes, confluentes ou integrados de funções públicas, bem como serviços supramunicipais. (...) O art. 23, IX, da CF conferiu competência comum à União, aos Estados e aos Municípios para promover a melhoria das condições de saneamento básico. Nada obstante a competência municipal do poder concedente do serviço público de saneamento básico, o alto custo e o monopólio natural do serviço, além da existência de várias etapas – como captação, tratamento, adução, reserva, distribuição de água e o recolhimento, condução e disposição final de esgoto – que comumente ultrapassam os limites territoriais de um Município, indicam a existência de interesse comum do serviço de saneamento básico. A função pública do saneamento básico frequentemente extrapola o interesse local e passa a ter natureza de interesse comum no caso de instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, nos termos do art. 25, § 3º, da CF. Para o adequado atendimento do interesse comum, a integração municipal do serviço de saneamento básico pode ocorrer tanto voluntariamente, por meio de gestão associada, empregando convênios de cooperação ou consórcios públicos, consoante o arts. 3º, II, e 24 da Lei federal 11.445/2007 e o art. 241 da CF, como compulsoriamente, nos termos em que prevista na lei complementar estadual que institui as aglomerações urbanas. (...) O interesse comum é muito mais que a soma de cada interesse local envolvido, pois a má condução da função de saneamento básico por apenas um Município pode colocar em risco todo o esforço do conjunto, além das consequências para a saúde pública de toda a região. O parâmetro para aferição da constitucionalidade reside no respeito à divisão de responsabilidades entre Municípios e Estado. É necessário evitar que o poder decisório e o poder concedente se concentrem nas mãos de um único ente para preservação do autogoverno e da autoadministração dos Municípios. Reconhecimento do poder concedente e da titularidade do serviço ao colegiado formado pelos Municípios e pelo Estado federado. A participação dos entes nesse colegiado não necessita de ser paritária, desde que apta a prevenir a concentração do poder decisório no âmbito de um único ente. A participação de cada Município e do Estado deve ser estipulada em cada região metropolitana de acordo com suas particularidades, sem que se permita que um ente tenha predomínio absoluto. [ADI 1.842, rel. p/ o ac. min. Gilmar Mendes, j. 6-3-2013, P, DJE de 16-9-2013.]
Atendidos os parâmetros alusivos à razoabilidade, surge constitucional norma estadual a versar proibição de as empresas concessionárias de serviços públicos suspenderem, ausente pagamento, fornecimento residencial de água e energia elétrica em dias nela especificados, ante a competência concorrente dos Estados para legislar sobre proteção aos consumidores – artigo 24, inciso V, da Constituição Federal. [ADI 5.961, rel. p/ o ac. min. Marco Aurélio, j. 19-12-2018, P, DJE de 26-6-2019.]
A competência do Estado para instituir regras de efetiva proteção aosconsumidores nasce-lhe do art. 24, V e VIII, c/c o § 2º (...). Cumpre ao Estado legislar concorrentemente, de forma específica, adaptando as normas gerais de "produção e consumo" e de "responsabilidade por dano ao (...) consumidor" expedidas pela União às peculiaridades e circunstâncias locais. E foi o que fez a legislação impugnada, pretendendo dar concreção e efetividade aos ditames da legislação federal correlativa, em tema de comercialização de combustíveis. (ADI 1.980, voto do rel. min. Cezar Peluso, j. 16-4-2009, P, DJE de 3 de 7-8-2009.mADI 2.832, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 7-5-2008, P, DJE de 20-6-2008).
Resta esclarecer que este projeto de lei não apresenta vício jurídico de iniciativa, uma vez que não impõe nenhuma conduta ao Poder Executivo, mas tão somente dispõe sobre a definição de uma estratégia apta a permitir que as relações de locação sejam mais equilibradas diante das situações excepcionais, em decorrência de pandemia, epidemia, crise e depressão econômica, endividamento público e outro agravamento econômico que, eventualmente, atinja o Estado do Ceará.
Adiante,
elucidamos interpretação jurisprudencial acerca do exercício do poder de
iniciativa
legislativa:
A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz
essencialmente constitucional, pois reside, no texto da Constituição - e nele
somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa,
inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. A
teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa
vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima - considerada a
qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa
- se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo
expresso, a preveja. Em consequência desse modelo constitucional, nenhuma lei,
no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade
suficiente para impor, ao chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder
de iniciativa legislativa (MS 22.690, rel. min. Celso de Mello, j. 17-4-1997,
P, DJ de 7-12-2006).
Sendo assim, esta proposição obedece ao princípio da separação dos poderes, não invadindo a competência privativa do Poder Executivo. Esta iniciativa não é princípio constitucional, mas norma-disposição. A sua relação com o princípio da separação dos poderes envolve uma garantia deste (quanto à independência dos Poderes Executivo e Judiciário), como uma exceção ao próprio princípio (subtração da natural vocação legislativa do Parlamento).
Com base no exposto, considerando-se a relevância da matéria e o perfeito cumprimento dos aspectos legais, constitucionais e regimentais, contamos com o apoio dos nobres parlamentares para a aprovação desta proposição.
LEONARDO ARAÚJO
DEPUTADO