VOLTAR

PROJETO DE LEI N.º 177/2021

 

“DISPÕE SOBRE AS DIRETRIZES PARA A POLÍTICA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA PARA A CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”.

 

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ APROVA:

 

Art. 1º Ficam definidas as diretrizes para a política estadual de educação contextualizada para a convivência com o semiárido nas escolas da rede pública estadual de ensino do Estado do Ceará, nos termos desta Lei.

Parágrafo Único. Por política estadual de educação contextualizada para a convivência com o semiárido entende-se o conjunto de diretrizes, princípios e normas orientadoras para as práticas educacionais e pedagógicas emancipatórias, ancoradas na realidade local, considerando as dimensões social, cultural, econômica, ambiental e política, para contribuir com o desenvolvimento sustentável do semiárido, a promoção da equidade e igualdade étnico-racial e de gênero e a formação de uma cultura de paz, por meio de práticas restaurativas, visando a emancipação dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

 

Art. 2º A proposta político-pedagógica de que trata esta Lei será instituída no âmbito da rede pública estadual de ensino do Estado do Ceará, tomando como base o Plano Estadual de Educação, notadamente em relação às metas 03, 07, 08 e 21; os arts. 26 e 28 da Lei nº 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional; as Resoluções nº 01, de 03 de abril de 2002, e nº 02, de 28 de abril de 2008, ambas do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica; e o Decreto federal nº 7.352, de 04 de novembro de 2010, os quais incorporam à educação temas e processos imprescindíveis ao desenvolvimento sustentável local pertinentes à realidade regional, tomando-a como base para a construção e apreensão do conhecimento universal.

Parágrafo Único. São temas e processos relacionados ao desenvolvimento sustentável local o meio ambiente, a convivência com o semiárido, a agricultura familiar e a agroecologia, a diversidade cultural, a valorização dos conhecimentos populares, principalmente da região semiárida, as atividades econômicas, a literatura, as etnias e seu processo histórico e contemporâneo no Brasil, as famílias, as relações de gênero e geração, a organização comunitária e as relações sociais pautadas em uma cultura de paz.

 

Art. 3º A política estadual de educação contextualizada para a convivência com o semiárido obedecerá aos princípios norteadores da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a saber:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a ciência, a arte e o saber;

III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância;

V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

VI – gratuidade do ensino público;

VII – valorização do profissional da educação;

VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;

IX – garantia de padrão de qualidade;

X – valorização da experiência extraescolar;

XI – incentivo à pesquisa;

XII – vinculação entre a educação, o trabalho e as práticas sociais.

 

Art. 4º São princípios das diretrizes para a política estadual de educação contextualizada para a convivência com o semiárido:

I – reconhecimento do direito dos povos do semiárido a uma educação contextualizada em todos os níveis, etapas e modalidades;

II – respeito às diferenças de gênero, geração, raça e etnias, cultura regional, credo religioso e orientação sexual;

III – valorização da multiplicidade de tempos e espaços pedagógicos;

IV – construção coletiva do saber;

V – participação efetiva das famílias na gestão escolar e na produção do conhecimento contextualizado;

VI – transdisciplinariedade e interdisciplinariedade na construção do conhecimento;

VII – respeito à autonomia político-pedagógica da escola na formulação dos projetos educacionais;

VIII – valorização e formação continuada dos profissionais da educação;

IX – protagonismo dos educandos no processo de ensino e aprendizagem;

X – diálogo como parâmetro para a prevenção, mediação e resolução de conflitos escolares.

 

Art. 5º São objetivos da política estadual de educação contextualizada para a convivência com o semiárido:

I – promover o planejamento e a concretização das ações político-pedagógicas bem como o aperfeiçoamento e a disseminação de práticas de convivência com o semiárido;

II – fomentar, no âmbito da comunidade escolar, práticas restaurativas para a prevenção, mediação e resolução de conflitos com vistas à mitigação das violências;

III – garantir a formação continuada dos profissionais da educação voltada à qualificação das práticas e metodologias pedagógicas emancipatórias e contextualizadas com a região semiárida;

IV – incluir a temática “gênero e direitos das mulheres” no sistema educacional;

V – estimular a implementação da Lei nº 11.645/08, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”;

VI – integrar a concepção da educação contextualizada para a convivência com o semiárido aos diversos programas, projetos e ações desenvolvidos pelo sistema educacional do Estado do Ceará.

 

Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

 

 

RENATO ROSENO

 

DEPUTADO

 

 

 

JUSTIFICATIVA:

 

A educação contextualizada tem como base a realidade social de professores (as) e estudantes e busca contextualizar o processo de ensino-aprendizagem com as dimensões cultural, econômica, social e ambiental de determinada localidade na qual a comunidade escolar está inserida. Assim, visa promover a produção do conhecimento a partir da realidade com o objetivo de modifica-la, devendo estar associada a um currículo efetivamente contextualizado para que o processo educacional tenha sentido concreto na vida de professores (as) e estudantes.

 

Um dos pressupostos da educação contextualizada consiste em “entender que as pessoas se constroem e constroem seu conhecimento a partir de seu contexto, com relações mais amplas” (MENEZES; ARAÚJO, 2007, p. 42). Esse conceito se desdobra na necessidade de que o processo educacional seja interdisciplinar e intercultural, tendo em vista que a realidade social existe e se apresenta às pessoas por inteira, e não de forma hermeticamente fragmentada.

 

Destaque-se que a lei de diretrizes e bases da educação, lei federal nº 9.394/96, possui inspiração no conceito de educação contextualizada em diversos dispositivos, em especial os artigos 26 e 28. O caput do artigo 26, ao determinar que os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter uma base nacional comum, preceitua que esta base deve ser complementada “por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura da economia e dos educandos”. (grifo nosso)

 

O artigo 28, por seu turno, ao dispor sobre a oferta de educação básica para a população rural, aduz que “os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região”. Essas adaptações consistem em currículos e metodologias apropriadas às necessidades e aos interesses dos (as) estudantes, adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas e correspondência à natureza do trabalho no meio rural.

 

No âmbito infra legal, o decreto federal nº 7.352, de 04 de novembro de 2010, dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA. Destaque-se o artigo 6º da norma, no qual é possível perceber a inspiração na educação contextualizada, a qual determina que os recursos didáticos, pedagógicos, tecnológicos, culturais e literários deverão atender às especificidades e apresentar conteúdos relativos aos conhecimentos das populações do campo, sendo considerados saberes próprios da comunidade visando a construção de propostas de educação no campo contextualizadas.

 

Embora leis e normas infra legais que tratam sobre educação contextualizada versem sobretudo acerca da realidade rural, não se confunde aquele conceito com o relativo à educação do campo. Como assevera o professor Josemar da Silva Martins, “a contextualização da educação não diz respeito apenas às escolas do campo, mas também às escolas urbanas. Os impedimentos ou dificuldades da inserção deste modelo de ensino nas escolas do campo são os mesmos que verificamos nas escolas urbanas, ou seja, é a tradição de um currículo universalista e generalista que temos”.

 

Especialmente no Nordeste brasileiro, a discussão sobre educação contextualizada se aplica sobretudo à realidade do semiárido. Por características geográficas, a sub-região se notabiliza, sobretudo, por ter altas temperaturas e períodos de estiagem com chuvas concentradas em poucos meses do ano. A seca, sem dúvidas, é um fenômeno climático, entretanto a concentração de terras e do acesso à água faz com que as populações mais vulnerabilizadas, sob o ponto de vista econômico e social, sofram os efeitos da estiagem. Nesse sentido, a educação contextualizada para a convivência com o semiárido possui relevância fundamental para a realidade das famílias que moram nessa região bem como para o processo de ensino-aprendizagem em escolas localizadas em municípios do semiárido.

 

A realidade do estado do Ceará não difere do restante do Nordeste. 95% dos municípios cearenses, 175 dos 184, se localizam na região semiárida. Esta delimitação, decidida pelo Conselho Deliberativo da SUDENE, considera a presença do bioma Caatinga nos territórios, a situação de vulnerabilidade e de pobreza a qual as populações estão submetidas, a falta de alimentos, escassez hídrica, degradação dos recursos naturais e redução da produção agrícola. São problemas, portanto, que devem ser enfrentados com políticas públicas, dentre as quais a efetivação do direito à educação e a implantação de um projeto educacional que tenha como base o contexto em que estudantes, comunidade e profissionais da educação estão inseridos.

 

Nesse sentido, destaca-se a atuação do “projeto Contexto: educação, gênero e emancipação”, realizado pela Plataforma Educação Marco Zero, composta por WeWorld Brasil, Instituto Maria da Penha (IMP), Cáritas Diocesana de Crateús, Escola Família Agrícola Dom Fragoso, dentre outras organizações. Um dos objetivos do referido projeto é tornar a educação contextualizada uma política pública para as escolas de 21 municípios do interior do estado do Ceará, alcançando 134 escolas municipais, mais de 1500 professores (as) e cerca de 20.000 estudantes.

 

Fruto dessa atuação, foi aprovado projeto de lei que dispõe sobre diretrizes para uma “política municipal de educação contextualizada para a convivência com o semiárido” em Novo Oriente (lei nº 802/19) e tramitam proposição com teor similar em vários municípios cearenses do interior do estado. Ressalte-se que tais projetos estão alinhados com o que preceitua o Plano Estadual de Educação (lei nº 16.025/16), notadamente o disposto nas metas 03, 07, 08 e 21.

 

Cumpre incluir como referência normativa a lei estadual piauiense nº 6.346/13, que dispõe sobre a inserção em disciplinas dos ensinos Fundamental e Médio da rede pública estadual de conteúdos curriculares e metodologias aplicadas com o tema Aprendendo a Conviver no Semiárido. A lei enumera como objetivos o combate à pobreza em regiões assoladas pela seca, a proposição aos (às) estudantes de convivência com o meio ambiente em que estão inseridos, a prevenção ao êxodo rural e o desenvolvimento econômico da região com a valorização dos produtos locais. Percebe-se, portanto, a relação orgânica que a educação contextualizada busca estabelecer entre o meio no qual estudantes estão inseridos e o processo de ensino-aprendizagem.

 

Pelas razões de fato e de direito acima colacionadas, propomos o presente projeto de lei visando constituir diretrizes para a política estadual de educação contextualizada para a convivência com o semiárido nas escolas da rede pública estadual de ensino do estado do Ceará. A proposição enquadra-se no disposto na lei de diretrizes e bases da educação bem como no Plano Estadual de Educação, que, em sua meta 21, visa assegurar, ampliar e garantir Política de Educação Indígena, Quilombola e do Campo, objetivo que encontra relação com os que o projeto de lei ora apresentado busca concretizar.

 

Por último, cumpre destacar que a proposição está incluída no rol de objetos que a competência para legislar é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal, tendo em vista que trata prioritariamente sobre educação e de maneira incidental proteção do meio ambiente (incisos VI e IX do artigo 24 da Constituição Federal). Ademais, o projeto em comento não cria cargos públicos, não dispõe sobre servidores públicos, não altera competências de órgãos da administração direta e indireta tampouco cria gastos sem previsão orçamentária, encontrando-se em perfeita harmonia aos ditames constitucionais presentes nas alíneas do parágrafo 2º do artigo 60 da Constituição Estadual.

 

 

RENATO ROSENO

 

DEPUTADO