PROJETO DE LEI N.° 123/2021
“DISPÕE SOBRE A SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DE MANDADOS DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E IMISSÃO NA POSSE, DESPEJOS E REMOÇÕES JUDICIAIS OU EXTRA-JUDICIAIS ENQUANTO MEDIDA TEMPORÁRIA DE PREVENÇÃO AO CONTÁGIO E DE ENFRENTAMENTO DA PROPAGAÇÃO DECORRENTE DO NOVO CORONAVÍRUS (COVID-19)”.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ APROVA:
Art. 1º Ficam suspensos todos os mandados de reintegração de posse, imissão na posse, despejos e remoções judiciais ou extrajudiciais no Estado do Ceará em ações distribuídas durante o estado de calamidade pública em virtude da situação de emergência decorrente do novo coronavírus (COVID-19), declarado pelo Decreto Legislativo nº 543, de 3 de abril de 2020, e prorrogado pelo Decreto Legislativo nº 555, de 11 de fevereiro de 2021.
Parágrafo Único. As disposições contidas no caput aplicam-se exclusivamente a situações de litígio em relação à ocupação de imóveis que antecedem a data de publicação desta Lei.
Art. 2º Ficam suspensas a aplicação e cobrança de multas contratuais e juros de mora em casos de não pagamento de aluguel ou das prestações de quitação dos imóveis residenciais, havendo comprovado pela parte devedora o seu absoluto estado de necessidade durante o estado de calamidade pública ou em virtude da situação de calamidade.
Art. 3º Estas medidas são válidas enquanto vigorar o estado de emergência em saúde pública no Estado do Ceará em razão do novo coronavírus (COVID-19).
Art. 4º Lei entra em vigor na data de sua publicação.
RENATO ROSENO
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA:
O projeto apresentado visa assegurar o direito à moradia ao suspender temporariamente a determinação de reintegração de posse, imissão na posse, despejos e remoções judiciais ou extrajudiciais durante estado de emergência em saúde pública decorrente da pandemia do novo coronavírus no Estado do Ceará. A proposição tem como base a Lei Estadual nº 9.020, de 25 de setembro de 2020, aprovada no Estado do Rio de Janeiro.
Preliminarmente, cumpre afastar qualquer juízo de inconstitucionalidade por supostamente a proposição violar a Constituição Federal ao adentrar em competência privativa da União acerca da regulação de matéria de direito civil e processual civil (artigo 22, I e II). É o que decidiu o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao reestabelecer os efeitos da lei fluminense em sede de Reclamação Constitucional (RCL) nº 45.319, em liminar deferida no dia 23 de dezembro de 2020 em favor da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPERJ) contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que, em ação de inconstitucionalidade movida pela Associação dos Magistrados do Estado (AMAERJ), havia suspendido a eficácia da Lei nº 9.020/20.
O objeto da presente lei se insculpe, na verdade, em matéria de competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal ao versar sobre proteção e defesa da saúde (artigo 24, XII da Constituição Federal). Nesse sentido, transcreve-se cristalino entendimento do ministro Ricardo Lewandowski ao conceder a liminar pretendida pela DPERJ:
Com efeito, entendo que tal decisão, ao menos aparentemente, pode estar a afrontar o entendimento que prevaleceu nos paradigmas invocados na presente reclamação, no sentido de que medidas de proteção à saúde pública durante a pandemia são matéria de competência legislativa concorrente, não havendo hierarquia entre os entes da federação.
Ademais, embora a Lei Estadual 9.020/2020 imponha a suspensão de “mandados de reintegração de posse, imissão na posse, despejo e remoções judiciais ou extrajudiciais” (art. 1º), ao menos a princípio, trata-se de sobrestamento temporário da execução de tais medidas, levando-se em conta a complexidade ora enfrentada em razão da pandemia mundial, somada às peculiaridades daquela unidade federativa.
A urgência da medida está caracterizada pelo fato notório que o contágio do coronavírus é crescente, e que os serviços de saúde podem não suportar a demanda de internações de pacientes infectados, em estado grave de saúde.
Com essa fundamentação, os Ministros desta Corte, em casos análogos ao presente, proferiram decisões na Rcl 40.131-AgR/MS, de relatoria do Ministro Luiz Fux; Rcl 42.573-AgR/MG, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes; e Rcl 41.935-MC/MT, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com liminar deferida pela Presidência do STF durante o recesso de julho.
Dessa forma, em exame perfunctório, próprio dessa fase processual, verifico a presença dos requisitos para a concessão de medida liminar, reservando-me ao exame mais aprofundado da demanda por ocasião do julgamento do mérito.
Isso posto, defiro o pedido liminar para suspender os efeitos da decisão reclamada, suspendendo-se, outrossim, a tramitação da Representação de Inconstitucionalidade 0079151-15.2020.8.19.0000, restabelecendo o dispositivo questionado na Lei Estadual 9.020/2020, até o julgamento de mérito desta reclamação. (grifo nosso)
(STF – RCL 45319, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 23/12/2020, Data de Publicação: 11/01/2021)
Ressalte-se que a decisão foi confirmada, de forma unânime, pela 2ª turma do Supremo Tribunal Federal ao negar agravo regimental movido pela Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro em julgamento virtual finalizado no dia 12 de março do corrente ano – há apenas 10 dias atrás:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. COVID-19. ADPF 672/DF E ADI 6.341-MC/DF. POSSÍVEL AFRONTA AO QUE DECIDIDO NOS REFERIDOS PARADIGMAS. PRESENÇA DOS REQUISITOS CAUTELARES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(STF – Ag. Reg. na medida cautelar na RCL 45319 Rio de Janeiro, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 05/03/2021 – 12/03/2021, 2ª turma do STF, Data de Publicação: 19/03/2021)
A norma em comento – Lei nº 9.020/20, do Estado do Rio de Janeiro – está em plena vigência e seus efeitos aplicados, em decorrência da decisão liminar concedida pelo ministro Lewandowski posteriormente confirmada unanimemente pela 2ª turma da Corte Suprema. A decisão, inclusive, torna-se cada vez mais pertinente e meritória, visto o agravamento da crise sanitária em virtude da pandemia de COVID-19 no Brasil, a qual atinge trágicas marcas expressas na sobrecarga do sistema hospitalar e em novos recordes negativos referentes à taxa de óbitos diária e à média móvel de novos casos e de mortes pelo novo coronavírus.
O projeto de lei protocolizado, portanto, visa contribuir para a efetividade de uma das medidas mais básicas e relevantes no enfrentamento à pandemia, qual seja o isolamento domiciliar (“fica em casa”). Ora, como permanecer na residência se há remoções e despejos? A suspensão temporária, durante o estado de emergência em saúde pública por decorrência da pandemia de COVID-19, do cumprimento de reintegração de posse, imissão na posse, despejos e remoções, é medida que torna possível a observância das medidas relativas ao isolamento social rígido, instituído pelo Estado do Ceará mediante publicação do Decreto nº 33.965, de 04 de março de 2021, e do Decreto nº 33.980, de 12 de março de 2021, prorrogados pelo Decreto nº 33.992, de 20 de março de 2021, notadamente o dever geral de permanência domiciliar e a proibição de circulação de pessoas em espaços públicos ou privados.
O projeto, portanto, visa assegurar o direito à saúde e o direito à moradia, ambos consagrados no artigo 6º, relativo aos direitos sociais, da Constituição Federal de 1988. Razão pela qual merece aprovação por essa Augusta Casa Legislativa, que, caso acate a matéria, pode contribuir decisivamente para a efetivação de garantias fundamentais e de medida relevante para a prevenção e o enfrentamento à pandemia do novo coronavírus no Estado do Ceará, sobretudo perante a população mais vulnerabilizada socioeconomicamente.