PROJETO DE INDICAÇÃO
N.º 394/2021
“INSTITUI A POLÍTICA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E
ATENÇÃO INTEGRAL AOS ÓRFÃOS DO FEMINICÍDIO NO ESTADO DO CEARÁ.”
A
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARA DECRETA:
Art. 1º Fica instituída, no
âmbito do Estado do Ceará, a Política Estadual de Proteção e Atenção Integral
aos órfãos do Feminicídio, voltada para a promoção de
atenção multissetorial de crianças e adolescentes
cujas mulheres responsáveis legais foram vítimas de Feminicídio.
Art. 2º Para os fins desta
Lei, consideram-se órfãos do feminicídio as crianças
e adolescentes dependentes de mulheres assassinadas em contexto de violência
doméstica e familiar ou de flagrante menosprezo e discriminação à condição de
mulher, caracterizando-se como crime de “Feminicídio”
nos termos que dispõe a Lei Federal nº 13.104, de 9 de
março de 2015, e a Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.
§ 1º As mulheres vítimas de Feminicídio referidas no caput são todas aquelas que se autoidentificam com o gênero feminino, vedadas
discriminações por raça ou grupo étnico, orientação sexual, religião, cultura,
deficiência, idade, escolaridade e de outras naturezas, nos termos da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e
dispositivos correlatos.
§ 2º A execução da Política Estadual
de Proteção e Atenção Integral aos órfãos do Feminicídio
será orientada pela garantia da proteção integral e prioritária dos direitos
das crianças e dos adolescentes, preconizada pela Lei Federal nº 8.069, de 13
de julho de 1990.
§ 3º A Política Estadual de Proteção
e Atenção Integral aos órfãos do Feminicídio
compreende a promoção, entre outros, dos direitos à assistência social,
psicológica, à saúde, à alimentação, à moradia, à educação e à assistência
jurídica gratuita para órfãos do feminicídio,
compreendendo-os(as) também como vítimas colaterais da
violência de gênero.
§4º À criança e ao adolescente em
situação de orfandade decorrente do descrito no caput deste artigo será
concedido auxílio no valor de um salário mínimo a ser pago mensalmente, até o
alcance da maioridade civil.
Art. 3º São princípios da
Política Estadual de Proteção e Atenção Integral aos órfãos do Feminicídio:
I - o fortalecimento do Sistema
de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Sistema Único de Saúde
e do Sistema Único de Assistência Social, em seus componentes especializados no
atendimento a vítimas de violência, como equipamentos públicos prioritários no
atendimento a órfãos do Feminicídio e responsáveis
legais;
II - o atendimento
especializado e por equipe multidisciplinar dos órfãos do Femincídio,
com prioridade absoluta, considerada a condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento;
III - o acolhimento e proteção
integral como dever norteador do trabalho dos serviços públicos e conveniados
implicados no fluxo de atendimento dos órfãos do feminicídio;
IV - a vedação às condutas de
violência institucional, praticadas por instituição pública ou conveniada, para
não gerar revitimização dos órfãos do Femincídio, nos termos do art. 4º, inciso IV, da Lei
Federal nº 13.431, de 4 de abril de 2017.
Art. 4º A Política Estadual de
Proteção e Atenção Integral aos Órfãos do Feminicídio
tem como objetivo assegurar a proteção integral e o direito humano das crianças
e dos adolescentes de viverem sem violência, preservando sua saúde física e
mental, seu pleno desenvolvimento e seus direitos específicos na condição de
vítimas ou testemunhas de violência no âmbito de relações domésticas,
familiares e sociais, resguardando-os de toda forma de negligência,
discriminação, abuso e opressão, na forma que dispõe o art. 2º da Lei Federal
nº 13.431, de 4 de abril de 2017.
Parágrafo único. Para alcançar o
objetivo referido no caput, na execução da Política Estadual de Proteção e
Atenção Integral aos órfãos do feminicídio
incentivar-se-á a intersetorialidade, visando à
promoção de atenção e proteção multissetorial, pelo
Estado do Ceará, de órfãos do feminicídio e seus
responsáveis legais, de modo a integrar os serviços da Rede de Proteção às
Mulheres em Situação de Violência e do Sistema de Garantia dos Direitos da
Criança e do Adolescente.
Art. 5º A execução da Política
Estadual de Proteção e Atenção Integral aos Órfãos do feminicídio
terá como diretrizes:
I - o incentivo à
realização de estudos de caso pela rede local para vítimas e familiares em
contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher ou de Feminicídio tentado, para atuar na prevenção da
reincidência e da letalidade da violência de gênero, bem como para garantir a intersetorialidade na proteção integral dos direitos de
crianças e adolescentes;
II - a obrigatoriedade de
comunicação ao conselho tutelar competente, pela Delegada ou pelo Delegado de
Polícia competente, do nome completo de crianças e adolescentes dependentes de
vítimas de Feminicídio e suas respectivas idades,
devidamente identificados ao se lavrarem ocorrências de violência doméstica e
familiar contra a mulher, consoante o art. 12, § 1º, inciso II, da Lei Federal
nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, para que o órgão
atue como articulador dos serviços de proteção;
III - o atendimento
humanizado, pelo conselho tutelar da localidade, de crianças e adolescentes
órfãos do Feminicídio, para encaminhamento de
denúncias de violações de direitos ao Ministério Público do Ceará, aplicando-se
as medidas protetivas cabíveis e referenciamento
na rede de atendimento, nos termos do art. 136, inciso I, da Lei Federal nº
8.069, de 13 de julho de 1990;
IV - o atendimento de
órfãos do feminicídio e responsáveis legais, por
unidades de referência do Sistema Único de Assistência Social,
preferencialmente por Centros de Referência Especializados de Assistência
Social, para concessão de benefícios socioassistenciais
de provimento alimentar direto em caráter emergencial e auxílio em razão do
desabrigo temporário, bem como orientação para preenchimento de formulários
para acesso a benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS de
seus ascendentes, a exemplo de auxílio-reclusão e pensão por morte;
V
- a realização de escuta especializada de crianças e adolescentes
dependentes de mulheres em situação de violência doméstica e familiar, quando
necessário, visando minimizar a revitimização
decorrente de escuta não qualificada e dar celeridade às medidas protetivas, nos termos da Lei Federal nº 13.431, de 4 de abril de 2017;
VI
- a observância em decisões de processos judiciais relativos à guarda de
órfãos do Feminicídio, da perda do poder familiar por
quem praticou o Feminicídio, nos termos do art.
1.638, Parágrafo único, inciso I, alínea “a”, da Lei Federal nº 10.406, de 10
de janeiro de 2002;
VII
- o estabelecimento de estratégias de atendimento médico e de assistência
judiciária gratuita, de forma prioritária, à crianças
e adolescentes órfãs e órfãs de vítimas de Feminicídio;
VIII
- a garantia, com prioridade, do atendimento psicossocial e
psicoterapêutico especializado e por equipe multidisciplinar dos órfãos e órfãs do Feminicídio e
seus responsáveis legais, preferencialmente em localidade próxima à sua
residência, para o acolhimento e a promoção da saúde mental;
IX
- a capacitação e o acompanhamento de pessoas que ofertarem lar provisório
aos órfãos e órfãs do Feminicídio, que foram
afastados do convívio familiar por medida protetiva
determinada judicialmente ou, para adesão voluntária, de membros da família
extensa que passarão a ser seus responsáveis legais,
para a reconstrução de vínculos familiares e comunitários;
X
- quando houver a necessidade, a inserção do órfão e
órfã do Feminicídio e seus familiares ou
responsáveis legais em programas de proteção policial do Estado do Ceará;
XI
- a garantia do direito à educação dos órfãos e órfãs do
Feminicídio, mediante a apresentação de
documentos comprobatórios da situação de violência, para que seja priorizada a
matrícula de dependentes de mulheres vítimas de Feminicídios
tentados ou consumados, em instituição educacional mais próxima ao domicílio,
ou a transferência para a unidade escolar requerida, independentemente da
existência de vagas, nos termos do art. 9º, § 7º, da Lei Federal nº 11.340, de
7 de agosto de 2006;
XII
- a priorização dos órfãos do Feminicídio em
programas, projetos e ações sociais no âmbito do Estado do Ceará;
XIII
- a implementação de políticas de acompanhamento
aos órfãos e órfãs do Feminicídio, com atenção
especial para as consequências físicas e psicológicas;
e
XIV
- a integração operacional de órgãos do Poder Judiciário, Ministério
Público, Defensoria Pública, Conselho Tutelar e encarregados
da execução das políticas sociais básicas e de assistência social, para
o efetivo atendimento multissetorial de crianças e
adolescentes filhos de vítimas de Feminicídio.
Art.
6º São exemplos de ações que poderão ser implementadas
no âmbito da Política Estadual de Proteção e Atenção Integral aos órfãos do feminicídio:
I
- oferta de capacitação continuada às servidoras e aos servidores que
atuam na Rede de Proteção às Mulheres em Situação de Violência e no Sistema de
Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente sobre o conteúdo desta Lei;
II
- promoção de campanhas permanentes e ações de sensibilização sobre os
direitos de familiares de vítimas de Feminicídio
previstos nesta Lei; e
III
- monitoramento da adesão voluntária de familiares de vítimas de Feminicídio aos serviços articulados no âmbito desta
Política.
Art.
7º Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos
necessários para a sua efetiva aplicação.
Art.
8º Estando a presente proposição de acordo com a conveniência do Poder
Executivo, como rege a Constituição Estadual, o Governador do Estado enviará
para esta Casa Legislativa uma mensagem para apreciação.
AUGUSTA
BRITO
DEPUTADA
JUSTIFICATIVA:
O Brasil é um dos países mais
violentos do mundo. Sob todos os aspectos, o número de mortes violentas chegou
a níveis insuportáveis. Seja causada por guerra entre narcotraficantes, seja
causada pelo mau-preparo das forças de segurança, seja causadapela
cultura da violência, as taxas de mortalidade no Brasil seguiram nos últimos
anos uma trajetória de alta, o que tem preocupado especialistas, políticos, mas sobretudo a população negra e pobre das periferias das
cidades.
Não é mais tranquila
a situação das mulheres. As taxas de feminicídio -
homicídio causado contra a mulher por questão de gênero - no Brasil seguem
elevadas e demandam além de uma mudança estrutural em nossa sociedade, a
intervenção do Estado para prevenir as ocorrências e punir, conforme a lei, os
assassinos de mulheres.
A partir de março de 2015, a Lei
13.104/2015 alterou o Código Penal Brasileiro e incluiu o feminicídio
como uma das formas qualificadas do homicídio, assim compreendida quando a
morte de uma mulher decorre de violência doméstica e familiar ou quando
provocada por menosprezo ou discriminação da condição do sexo feminino.
As mortes de mulheres também são
definidas por características relacionadas aos contextos em que ocorrem, as
circunstâncias e segundo as formas de violência empregadas, conforme disposto
nas Diretrizes Nacionais de Feminicídio[1]:
“Os contextos envolvem o ambiente
privado e se referem à violência doméstica e familiar, conforme definida na Lei
11.340/2006, mas não se restringem a esses espaços podendo ocorrer também nos
espaços públicos, inclusive em áreas dominadas pelo crime organizado
(narcotráfico, quadrilhas ou máfias).
As circunstâncias incluem a
violência nas relações familiares, mas também aquelas situações de maior
vulnerabilidade como a exploração sexual, o tráfico de mulheres, e a presença
do crime organizado.
As formas de
violência geralmente envolvem a imposição de um sofrimento adicional para as
vítimas, tais como a violência sexual, o cárcere privado, o emprego de tortura,
o uso de meio cruel ou degradante, a mutilação ou desfiguração das partes do
corpo associadas à feminilidade e ao feminino (rosto, seios, ventre, órgãos
sexuais).”
Sobre a ocorrência dos casos de feminicídio se faz importante destacar a necessidade de se
desenvolver uma visão ampliada para o crime cometido contra a vida dessas
mulheres - é importante enxergar além do fato delituoso, mas também, as raízes
sociais, históricas e culturais[2].
Segundo o Anuário Brasileiro da
Segurança Pública 2020[3], nos anos de 2018 e 2019, em números absolutos, o
país teve um total de 1.229 ( mil duzentos e vinte e
nove) óbitos por feminicídio em 2018 e 1.326 ( mil
trezentos e vinte e seis) em 2019, isto mostra que houve uma variação de 7,1%
(sente virgula 1 por cento) entre esses dois anos.
Fazendo um recorte regional, e
trazendo para o caso do Estado do Ceará, em 2018 foram registrados, em números
absolutos, no ano de 2018, 30 (trinta) mortes por feminicídio
e em 2019, 34 (trinta e quatro) óbitos pela mesma razão, gênero.
Fica evidente, por essa narrativa,
que o combate a tais fenômenos deletérios não podem ficar adstritos à pura e
simples esfera policial, por mais competente que sejam os agentes públicos de
repressão. Estão a exigir, tais fenômenos deletérios, uma imediata intervenção
parlamentar, na forma de um disciplinamento jurídico mais abrangente e mais
eficaz, bem como com a elaboração de políticas públicas capazes de dar proteção
a esse segmento.
Importante destacar também que,
durante o ano de 2020, em publicação disponibilizada pela Rede de Observatórios
de Segurança[4], constatou-se que nos estados de São
Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Pernambuco, por dia cinco mulheres foram
vítimas de feminicídio.
Entre os mais de 18 mil eventos
relacionados à segurança pública e a violência, 1.823 se referem aos crimes de
gênero contra a mulher, o que dá a média de cinco casos ao dia. Feminicídios e violência contra mulher ocupam o terceiro
lugar entre os registros da Rede em 2020. Estão atrás apenas de eventos com
armas de fogo e ações policiais – que tradicionalmente ocupam o noticiário
policial. Em 58% dos casos de feminicídios e 66% dos
casos de agressão, os criminosos eram companheiros da vítima.
Por dia, cinco mulheres foram
vítimas de feminicídio em 2020, conforme estudo da
Rede de Observatórios da Segurança, que monitora a violência nos estados de São
Paulo, Pernambuco, da Bahia, do Rio de Janeiro e Ceará, totalizando 449 casos
de feminicídio, ou seja, assassinato de mulheres
cometidos em função da vítima ser do gênero feminino.
A pesquisa registrou 74% mais casos de feminicídios
que o governo do Ceará. Em 2021, de janeiro a agosto, a SSPDS registrou a
ocorrência de 13 casos de feminicidio.
Dados disponibilizados pela
Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado Ceará mostram que, de
janeiro à agosto de 2021, foram registrados 12.206
(doze mil duzentos e seis) ocorrências de violência doméstica tipificadas na
Lei Maria da Penha.
[1] ONU Mulheres. Diretrizes
Nacionais do Feminicídio: investigar, processar e
julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres. Disponível
em: http://www.onumulheres.org.br/wpcontent/uploads/2016/04/diretrizes_feminicidio.pdf.
[2] FEMINICÍDIO: a dor de contar
mortes evitáveis Ou sobre a (ir)responsabilidade do
Estado na prevenção do assassinato de meninas e mulheres - FÓRUM CEARENSE DE
MULHERES/AMB; abril,2020.
[3] Homicídios de mulheres e feminicídios (1) -Brasil e Unidades da Federação –
2018-2019
[4]Ramos,
Silvia, A dor e a luta das mulheres: números do feminicídio
/ Silvia Ramos...[et al.]; ilustração Juliana Gama. -
Rio de Janeiro : Juliana Gonçalves, CESeC, 2021.
AUGUSTA
BRITO
DEPUTADA