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PROJETO DE INDICAÇÃO N.º 304/2021

 

“INSTITUI A COMISSÃO INTERSETORIAL DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS URBANOS DO CEARÁ”.

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ INDICA:

 

Art. 1º  Fica instituída a Comissão Intersetorial de Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos no Ceará (CIMCFURB-CE).

Art. 2º A Comissão Intersetorial de Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos no Ceará (CIMCFURB-CE terá como objetivo construir soluções pacíficas para conflitos fundiários urbanos coletivos que envolvam famílias de baixa renda ou grupos sociais vulneráveis, buscando assegurar o direito à moradia digna e adequada, o acesso à terra urbanizada regularizada e a promoção dos direitos humanos.

Art. 3º A Comissão Intersetorial de Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos no Ceará será composta por um representante titular e um respectivo suplente indicados pelos seguintes órgãos e entidades:

I – Gabinete do Governador do Estado; 

II - Secretaria das Cidades;

III- Secretaria de Proteção Social, Justiça, Mulheres e Direitos Humanos;

IV –  Secretaria do Meio Ambiente;

V – Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social;

VI – Centro de Referência em Direitos Humanos;

VII  - Tribunal de Justiça do Estado do Ceará;

VIII – Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará;

IX – Ministério Público do Estado do Ceará;

X – Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Ceará;

XI – Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Ceará.


§ 1º O Gabinete do Governador fornecerá o suporte administrativo para o funcionamento da CIMCFURB-CE.

§ 2º Ato do Governador do Estado disporá sobre o funcionamento da CIMCFURB-CE.


§ 3º Poderão participar das reuniões da CIMCFURB-CE, a convite da coordenação ou por solicitação do interessado, representantes de movimentos sociais, organizações da sociedade civil, de universidades e especialistas de órgãos e entidades públicas ou privadas que exerçam atividades relacionadas ao tema.

§ 4º A participação na composição da CIMCFURB-CE é considerada serviço público relevante e não enseja remuneração.

Art. 3º  Compete à Comissão Intersetorial de Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos no Ceará:

I – Buscar soluções pacíficas para conflitos fundiários coletivos que envolvam famílias de baixa renda ou grupos vulneráveis, buscando garantir o direito a moradia e os demais direitos humanos das pessoas envolvidas na situação de conflito;

II – Viabilizar canal de diálogo entre as partes envolvidas em conflitos fundiários urbanos e destas com o poder público com vistas a garantir solução habitacional adequada para as famílias afetadas;

III - Responder, nos termos da lei, ao Poder Judiciário e ao Ministério Público sobre questões relativas aos conflitos fundiários urbanos que estejam sob sua análise;

IV - Estimular o diálogo e a ação articulada entre órgãos federais, estaduais e municipais com o objetivo de alcançar soluções pacíficas nos conflitos fundiários urbanos no Ceará;

V - Sugerir medidas para promover a celeridade nos processos administrativos e judiciais referentes à regularização fundiária urbana e aquisição de moradias por famílias de baixa renda;

VI – Atuar para que, no cumprimento de decisões judiciais, sejam respeitados os direitos humanos e sociais dos envolvidos nos conflitos fundiários.

VII - Divulgar e atuar para que seja dado fiel cumprimento às Resoluções nº 10 de 17 de outubro de 2018 e 17 de 06 de agosto de 2021, ambas do Conselho Nacional dos Direitos Humanos.

VIII – Elaborar  protocolo a ser seguido nas hipóteses em que seja extritamente necessária a execução de remoções coletivas judiciais e extrajudiciais que impactem pessoas de baixa renda ou outros grupos vulneráveis, estabelecendo medidas atinentes a garantir os direitos humanos dos envolvidos, em acordo com as normas nacionais e internacionais que tratam do tema.

Art. 4º  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO

 

 

 

JUSTIFICATIVA:

 

A presente proposição se justifica pela necessidade de atuação do poder público na busca de soluções para a exacerbada conflitualidade fundiária urbana no estado do Ceará. Tal situação tem como consequências graves violação ao direito fundamental à moradia digna e a outros direitos humanos de coletividades formadas por famílias de baixa renda e outros grupos vulneráveis.

De acordo com os dados mais recentes da Fundação João Pinheiro publicados no ano de 2021, em 2019 o Ceará apresentava um déficit habitacional estimado em 239.187 habitações. Esse dado dimensiona a dificuldade do acesso das populações de menor renda à moradia adequada e a vulnerabilidade a que estão sujeitas. Sem acesso a políticas habitacionais e ao mercado formal para aquisição da moradia, uma parte expressiva da população recorre a ocupação de áreas ociosas públicas ou privadas como única forma de prover a sua habitação.

Na raiz dessa questão está o processo desigual de desenvolvimento urbano das cidades brasileiras caracterizado pela ausência ou ineficiência de políticas de provimento habitacional, por um planejamento urbano excludente e pela dificuldade de apropriação dos ganhos da urbanização por parte das populações de baixa renda.

O estado de emergência em saúde desencadeado pela pandemia de Sars-Cov2 iniciada em 2020 e a crise econômica por ela gerada deram contornos dramáticos a essa questão. A ocorrência de elevado volume de despejos judiciais e administrativos durante o período de pandemia, momento em que uma das mais importantes recomendações de prevenção ao contágio é o isolamento social, representa uma grave crise humanitária que se agrava diariamente.

Segundo levantamento realizado pelo Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar Lima a partir dos casos assessorados pelo escritório, de março de 2020 até maio de 2021, 1545 famílias em situação de vulnerabilidade social estavam ameaçadas de despejo no estado do Ceará.  O levantamento leva em consideração conflitos fundiários com repercussão coletiva em áreas urbanas e rurais do estado.

O Conselho das Cidades, na Resolução 87 de 08 de dezembro de 2009, define o conflito fundiário como a disputa pela posse ou propriedade de imóvel urbano, bem como impacto de empreendimentos públicos e privados, envolvendo famílias de baixa renda ou grupos sociais vulneráveis que necessitem ou demandem a proteção do Estado na garantia do direito humano à moradia e à cidade.

A mesma resolução define como fundamentais a estratégia da prevenção e mediação de conflitos fundiários como forma de efetivar o direito à moradia e à cidade. Semelhante disposição é contida no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3).

É essencial destacar que o direito à moradia digna tem status constitucional no ordenamento jurídico brasileiro (artigo 6º, caput da Constituição Federal de 1988) e é assegurado em normas de direito internacional que vinculam o Estado brasileiro, a exemplo do artigo 11 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC).

Na mesma toada, a Constituição do Estado do Ceará assegura o direito de todo cidadão à moradia em seu art. 289, inserido em capítulo destinado à política urbana estadual, que tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos seus habitantes (art. 288).

Em situações de despejos coletivos de famílias de baixa renda, além do direito fundamental à moradia, são comuns violações a outros direitos humanos e fundamentais, como o direito à integridade pessoal e à dignidade da pessoa humana. Tanto é que o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas no Comentário Geral nº 7 sobre o direito a moradia adequada e despejos forçados, estabeleceu que estes últimos são incompatíveis, prima facie, com os requisitos do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC).

Nesse sentido, o tratamento adequado aos conflitos fundiários é fundamental para formular soluções habitacionais. A criação de instâncias de prevenção e de mediação de conflitos fundiários coletivos tem sido adotada como estratégia para mitigar as violações de direitos humanos nesses contextos, caminhando para uma gestão mais eficiente de tais situações de modo a construir soluções garantidoras de direitos para todos os envolvidos.

 A nível federal foi criada a Comissão Intersetorial para Mediação de Conflitos Urbanos por meio da Portaria Interministerial nº 17, de 27 de junho de 2014.  Além disso, diversos estados brasileiros, seja por meio de leis ou de decretos emanados do Poder Executivo, estabeleceram semelhante iniciativa em suas esferas de atribuição, demonstrando a sua importância e efetividade para a resolução de conflitos.

São exemplos de unidades da federação que possuem comissões intersetoriais de mediação de conflitos fundiários: Distrito Federal (Decreto nº 39.6292019), Rio Grande do Norte (Decreto 27.732/2018), Paraíba (Lei nº 11.614/2019), Maranhão (Lei nº 10.46/2015), Paraná (Decreto nº 10.438/2018) , Minas Gerais (Lei 13.064/2000) e Mato Grosso (Portaria 37/2020/Secretaria de Direitos Humanos)

Reforçando a urgência e a necessidade da instituição de uma política voltada para a mediação de conflitos fundiários, a Resolução nº 17 de 06 de agosto de 2021 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos reconheceu como conduta violadora dos direitos humanos a realização de despejos sem ordem judicial e em seu art. 3º, IX determinou a criação, pelo poder público, de políticas e estratégias de mediação no âmbito de conflitos fundiários coletivos.

Desse modo, é fundamental que o Estado do Ceará adote a medida indicada nesta proposição, em consonância com as diversas normativas nacionais e internacionais mencionadas e à exemplo de iniciativas exitosas adotadas em outras unidades da federação.

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO