PROJETO DE LEI N° 54/20

“DISPÕE SOBRE O FINANCIAMENTO DE BOLSAS DE ESTUDO PATROCINADOS POR EMPRESAS PRIVADAS, NA FORMA QUE INDICA.”

 

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:

 

Art. 1° - As empresas que patrocinarem bolsas de estudo para professores que estejam cursando a graduação ou programa de pós-graduação strictu ou lato sensu, em atendimento ao disposto pelo § 4º do art. 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional, poderão exigir dos beneficiários que, em contrapartida, lhes prestem tarefas para implementação de projetos de alfabetização ou de aperfeiçoamento educacional de seus empregados.

§ 1°. Considera-se para fins da presente norma como projeto de alfabetização a inclusão e o acesso de pessoas que não tiveram possibilidade de inserção na rede formal de educação em idade apropriada à alfabetização e escolarização, dessa forma contribuindo para a melhoria na qualidade pessoal, social e profissional dos mesmos.

§ 2°. Conceitua-se aperfeiçoamento educacional para fins da presente norma iniciativas que promovam a melhor qualificação de seu beneficiário com objetivo de desenvolver mais habilidades para aumentar seu desempenho e manter-se atualizado no mercado de trabalho.

Art. 2º – A ocupação a que se refere o art. 1º serão prestados durante ou após a conclusão do curso, por tempo proporcional ao período em que vigorou a bolsa, não podendo ultrapassar a 4 (quatro) anos, nem submeter o beneficiário a mais de 2 (duas) horas diárias, sendo o mínimo dessa carga horária 2 (duas) vezes semanais da contraprestação.

Parágrafo único – Se a bolsa for concedida pela própria Instituição de Ensino Superior frequentada pelo beneficiário, esta poderá exigir do mesmo a execução da obrigação durante a realização do curso.

Art. 3º – Fica o Poder Executivo autorizado a conceder à empresa patrocinadora da bolsa prevista na presente lei, mediante requerimento da interessada, incentivo fiscal.

Art. 4º – O Poder Executivo Estadual regulamentará a presente lei no prazo de 90 (noventa) dias contados da publicação da presente lei.

Art. 5º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em sentido contrário.

 

NEZINHO FARIAS

DEPUTADO

 

 

JUSTIFICATIVA

 

Quanto a iniciativa da matéria é de se frisar que a função de legislar é atribuída, de forma típica, ao Poder Legislativo, o que pressupõe que a este Poder deva ser dada a possibilidade de deflagrar o processo legislativo, exceto quando haja expressa previsão em sentido contrário.

Dito isto, resta claro de que as hipóteses constitucionais de iniciativa privativa formam um rol taxativo. E, mais ainda, configuram a exceção, devendo, portanto, ser interpretadas de forma restritiva.

É válida a clássica lição da hermenêutica, segundo a qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva e que, portanto, os casos de iniciativa privativa devem ser elencados em rol taxativo, Nesse sentido e ainda corroborando este entendimento o Supremo Tribunal Federal já pacificou a jurisprudência de que:

 

A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa. na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (STF, Pleno, ADI-MC n° 724/RS, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 27.4.2001 (original sem grifos).

 

Como asseverou o ministro Gilmar Mendes durante o julgamento da ADI n° 2.417/SP:

... uma interpretação ampliativa da reserva de iniciativa do Poder Executivo, no âmbito estadual, pode resultar no esvaziamento da atividade legislativa autônoma no âmbito das unidades federativas.

 

Dito isto, é cediço que a partir do princípio da simetria, na legislação estadual, como iniciativa do executivo, aplicam-se as mesmas hipóteses de iniciativa privativa reservada ao Presidente da República elencadas na Constituição Federal, a saber:

 

Art. 61. ...

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; 

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; 

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. 

 

Nesse sentido, observa-se que a presente propositura em nenhum momento cria cargo na administração pública, secretaria ou disciplina sobre regime jurídico de servidor. Quanto a organização administrativa é de se salientar que essa reserva constitucional prevista no art. 61, §1º, II, “b” se limita ao territórios federais, consoante pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “A reserva de lei de iniciativa do chefe do Executivo, prevista no art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, somente se aplica aos Territórios federais”. (ADI 2.447, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 4-3-2009, P, DJE de 4-12-2009)

Colaciona-se ainda outras jurisprudências firmadas pelo Supremo Tribunal Federal que reconhecem a constitucionalidade de projetos de lei de iniciativa parlamentar que instituam praticas públicas.

No âmbito da Constituição Estadual do Ceará o artigo 215 e seus incisos asseguram o direito a educação de qualidade da forma mais ampla possível, corroborando a ideia do presente projeto de implantar, promover e melhorar a educação de todos os cidadãos cearenses. Veja-se o referido artigo, bem como seus incisos:

 

Art. 215. A Educação, baseada nos princípios democráticos na liberdade de expressão, na sociedade livre e participativa, no respeito ao meio ambiente e aos direitos humanos e garantindo formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos nacionais e regionais, é um dos agentes do desenvolvimento, visando a plena realização da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, contemplando o ensino as seguintes diretrizes básicas:

(...)

II – pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

(...)

VI – garantia de padrão de qualidade;

VII – formação de seres humanos plenamente desenvolvidos, capazes de compreender os direitos e deveres da pessoa, do cidadão, do Estado e dos diferentes organismos da sociedade;

VIII – fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade internacional, assim como a preservação, a difusão e expansão do patrimônio cultural da humanidade;

(...)

IX – preparação dos indivíduos para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos, que permitem utilizar as possibilidades do meio em função do bem comum;

(...)

 

Assim, o referido projeto que tem o intuito incentivar e possibilitar a melhora da educação Estadual encontra seus fundamentos tanto na legislação federal quanto na legislação estadual.

Nessa toada, faz-se pertinente salientar que o presente projeto de lei se espelha na Lei 11.743/2002 do Estado do Rio Grande do Sul, objeto de questionamento de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2663/RS de relatoria do Excelentíssimo Senhor Ministro Luiz Fux, quando ficou assentado que é constitucional lei de iniciativa parlamentar que crie parceria com as empresas que patrocinarem bolsas de estudo para professores que estejam cursando a graduação ou programa de pós-graduação.

Ficou salientado, que na atual estruturação do ordenamento jurídico constitucional o direito a educação foi elevado a categoria de fundamental, estando arrolado no art. 6º da CRFB/88 como direito social, verbis:

 

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Grifou-se)

 

Destarte, consoante se depreende na inegável importância do direito a educação aliado a observação da complexidade das relações sociais modernas, conclui-se que se faz imprescindível que o Estado fomente parcerias públicas com a iniciativa privada que visem o benefício da sociedade. É nesse sentido que desponta a presente propositura.

A legislação brasileira tem percebido como as parcerias com a iniciativa privada podem se prestar a esse papel, a título de exemplo, cite-se a Lei 11.079/04 que criou o sistema de Parcerias Público Privadas.

A competência legislativa de Estado-Membro para dispor sobre educação e ensino, prevista no art. 24, IX, da CF, autoriza a fixação, por lei local, da possibilidade de concessão de bolsas de estudo a professores em aprimoramento do sistema regional de ensino.

Ainda no que diz respeito a competência legislativa, de acordo com a ADI 5768/CE o Tribunal, por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado na ação direta para declarar, sob o ângulo formal, a inconstitucionalidade do artigo 60, § 2º, alínea d, da Constituição do Estado do Ceará, na redação dada pela Emenda nº 61, de 19 de dezembro de 2008 e retirou do Governador a competência privativa para a concessão de incentivos fiscais. Assim, a presente temática passou, também, a poder ser tratada pelo Deputado Estadual.

Frise-se, o presente projeto de lei detém potencial para beneficiar o Estado do Ceará, a sociedade e as empresas cearenses que, a partir desta iniciativa, terão mais uma ferramenta para capacitação técnico e científica de professores e trabalhadores de todo o Estado do Ceará.

 Nesse sentido, o projeto visa contribuir com educação considerando que ainda hoje o Ceará possui 1 milhão de pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever, o que corresponde a 14,2% da população, estando entre os nove estados que detêm a maior da taxa de analfabetismo do Brasil, predominante na Região Nordeste. 

Além disso, metade da população com 25 anos ou mais de idade no Ceará não chegou a completar o Ensino Fundamental, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 14,5% desse público não possuem qualquer instrução e 35,6% têm o Ensino Fundamental incompleto. Entre os cearenses a partir dessa mesma faixa etária, apenas 8,5% têm o Ensino Fundamental completo e, entre os que ingressaram no Ensino Médio, somente 24% completaram. Levando em consideração etapas mais avançadas de ensino, os números são ainda menores, uma vez que apenas 10% das pessoas com 25 anos ou mais terminaram o Ensino Superior. Por esta razão faz-se necessário o aumento de oportunidades e meios de aprimoramento da educação e qualificação dos cearenses.

Além da proposta de alfabetizar e proporcionar a complementação do ensino para os profissionais das empresas que aderirem a proposta em questão, o projeto também pode beneficiar por meio da contraprestação do titular da bolsa que poderá ensinar línguas estrangeiras, se for essa a sua especialização, para os empregados da empresa patrocinadora, os qualificando melhor dentro do mercado de trabalho, principalmente, para estarem aptos a atender melhor o mercado que é movimentado pelo turismo, tendo em vista que o Ceará recebeu 156,4 mil turistas estrangeiros até novembro de 2019, segundo a Secretaria do Turismo do Ceará (Setur). O número representa 12% a mais de visitantes se comparado ao mesmo período do ano de 2018, quando 139,6 mil estrangeiros estiveram no estado.

Assim, solicitamos de nossos pares a aprovação desta matéria.

 

NEZINHO FARIAS

DEPUTADO