VOLTAR

 

PROJETO DE LEI N.º 326/20

 

¨ASSEGURA O DIREITO À TRADUÇÃO SIMULTÂNEA PARA A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS DE PRONUNCIAMENTOS OFICIAIS DE AGENTES POLÍTICOS DO ESTADO DO CEARÁ, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS¨.

 

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ APROVA:

 

Art. 1º Fica assegurado às pessoas com deficiência auditiva o direito à tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras) de pronunciamentos oficiais proferidos por agentes políticos do Estado do Ceará.

§1º. Entende-se por Libras a forma de comunicação e expressão definida na lei federal nº 10.436/02, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras.

§2º Para os fins desta lei, ficam definidos agentes políticos como aqueles investidos em cargos públicos por meio de eleição, nomeação ou designação que atuam no exercício da função política e da vontade superior de Estado cujas competências estão estabelecidas na Constituição do Estado do Ceará.

 

Art. 2º O direito à tradução simultânea para Libras a que se refere esta lei será exercido mediante a utilização dos seguintes recursos:

I – janela com intérprete de Libras, no caso de transmissão de pronunciamento por serviços de telecomunicação e/ou por sítios da internet;

II – presença física de intérprete de Libras junto ao agente político, no caso de coletiva de imprensa, inauguração de equipamento ou serviço público, pronunciamento transmitido de forma simultânea ou outros eventos similares.

Parágrafo Único. As ferramentas referidas nos incisos deste artigo poderão ser adotadas isolada ou cumulativamente.

 

Art. 3º Sem prejuízo ao disposto nesta lei, poderão ser utilizadas legendas escritas em pronunciamentos oficiais, veiculados por serviços de telecomunicação e/ou sítios da internet, de agentes políticos do Estado do Ceará.

 

Art. 4º Fica autorizado o Ministério Público do Estado do Ceará a fiscalizar o cumprimento desta lei.

 

Art. 5º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO

 

JUSTIFICATIVA:

 

O presente projeto de lei visa estabelecer tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – de pronunciamentos oficiais proferidos por agentes públicos do Estado do Ceará. Tal medida possui fundamental importância no que tange a efetivação dos direitos à comunicação e informação, prevendo sua prestação de maneira acessível.

 

O decreto federal nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, promulgou em território nacional a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova York no dia 30 de março de 2007. O referido documento, conforme o artigo 4 – obrigações gerais, estabelece que “os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência.” São princípios constantes da Convenção: plena e efetiva participação e inclusão na sociedade, igualdade de oportunidades e acessibilidade, dentre outros.

 

O conceito de “discriminação por motivo de deficiência” possui distinta relevância para se compreender atos e políticas públicas que o Estado deve se abster de praticar. Compreende-se pelo conceito citado qualquer diferenciação, exclusão ou restrição com fundamento na deficiência com o efeito de impossibilitar o exercício de direito em igualdade de oportunidade com as demais pessoas, inclusive a recusa de adaptação razoável, hipótese em que se enquadra a ausência de tradução em Libras de pronunciamentos oficiais, sobretudo aqueles concernentes à pandemia de COVID-19.

 

Dentre as obrigações dos Estados instituídas pela Convenção, destacam-se a proteção e promoção dos direitos das pessoas com deficiência em todos os programas e políticas; a abstenção em participar de qualquer ato incompatível com a Convenção; e a atuação das autoridades públicas e instituições em estrita conformidade com o texto normativo.

 

O artigo 11 da Convenção regulamenta “situações de risco e emergências sanitárias”, aduzindo que os Estados deverão tomar medidas necessárias para assegurar a proteção e a segurança das pessoas com deficiência que se encontrarem em situações de risco. Indubitavelmente, o acesso a informações oficiais, sanitárias e científicas acerca de pandemias configura medida necessária para a proteção das pessoas com deficiência, sobretudo aquelas comunicações relativas a medidas decretadas pelo Poder Executivo bem como à adoção de condutas individuais pelos cidadãos no sentido da prevenção do contágio e do tratamento de saúde caso sejam acometidos pela doença.

 

É no artigo 21 da Convenção – “liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação” - que o presente projeto de lei diretamente se enquadra. Segundo a regulamentação internacional e incorporada ao nosso ordenamento jurídico pátrio, os Estados Partes devem fornecer, prontamente e sem custo adicional, todas as informações destinadas ao público em geral em formatos acessíveis e tecnologias apropriadas aos diferentes tipos de deficiência, comando o qual busca efetivar no estado do Ceará o presente projeto de lei.

 

Cabe destacar que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência possui status de emenda constitucional em nosso ordenamento jurídico pátrio, conforme dispõe o parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal ao prever que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos serão equivalentes às emendas constitucionais, desde que respeitado quórum especial de deliberação no Congresso Nacional.

 

Do ponto de vista infraconstitucional, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – lei federal nº 13.146/15 – destina-se a assegurar e promover os direitos das pessoas com deficiência, visando sua inclusão e cidadania. Os artigos 4º e 6º do diploma legal regulam, respectivamente, o direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e à proteção contra negligência, discriminação e tratamento desumano ou degradante. Associado a tais direitos, é previsto o dever, pelo Estado, sociedade e família, de assegurar à pessoa com deficiência as garantias legais concernentes à vida, à saúde, à acessibilidade, à informação, à comunicação, à dignidade, ao respeito, entre outras.

 

O artigo 24 da LBI assegura às pessoas com deficiência o acesso às informações por meio de variadas formas de comunicação constantes no texto legal, quais sejam a Libras, o Braille e dispositivos multimídia, dentre outros formatos. O artigo 68 da referida norma está inserida no capítulo II – “do acesso à informação e à comunicação” – aduzindo que o poder público deve adotar mecanismos de incentivo à produção e distribuição de livros em formatos acessíveis, inclusive em publicações da administração pública ou financiadas com recursos públicos. Ou seja, embora a presente proposição não verse sobre publicações, e sim pronunciamentos oficiais de agentes políticos, é inegável que o aspecto teleológico é o mesmo: garantir condições para que os direitos à informação e comunicação sejam exercidos.

 

Nesse sentido, destaca-se a lei federal nº 10.436/02, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, mediante seu reconhecimento como meio legal de comunicação e expressão. Seu artigo 2º estabelece a garantia, pelo poder público em geral e empresas concessionárias, de formas institucionalizadas de apoio ao uso e difusão da Libras como meio de comunicação das comunidades surdas do Brasil. Por sua vez, o artigo 3º estabelece que as instituições públicas devem garantir atendimento e tratamento adequado às pessoas com deficiência auditiva.

 

No estado do Ceará, em sentido similar, foi publicada a lei nº 13.100/01, de autoria da deputada Gorete Pereira, a qual reconhece oficialmente em nosso território a Libras como meio de comunicação objetiva e de uso corrente, bem como dispõe sobre a implantação da aludida língua como oficial na rede pública de ensino para pessoas surdas.

 

No que se refere à regulamentação infralegal, ressalte-se o decreto federal nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que, em seu artigo 26, §2º, aduz que o Poder Público estadual buscará garantir às pessoas surdas tratamento diferenciado por meio do uso e difusão de Libras.

 

Percebe-se, portanto, o amplo arcabouço normativo que protege os direitos das pessoas com deficiência, destacando-se, objeto do presente projeto de lei, as garantias à informação e comunicação em formato acessível. Razão pela qual o Poder Legislativo estadual deve envidar esforços para conferir concretude ao exercício dos direitos constitucionalmente assegurados, regulamentados por legislação ordinária e normas administrativas.

 

Ressalte-se que no Brasil vivem cerca de 10 milhões de pessoas com deficiência auditiva, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), dentre as quais 2,7 milhões possuem surdez profunda. Parte desse expressivo contingente populacional não possui conhecimento acerca da língua portuguesa (possui pouca fluência na língua portuguesa escrita, sendo considerada sua segunda língua), e/ou não escuta som algum, o que demanda pelo Poder Público a prestação de informações acessíveis em Libras no caso de pronunciamentos oficiais para que a comunicação seja estabelecida com respeito a quem se destina.

 

No contexto de pandemia que vivemos, esse problema é absolutamente fundamental para construirmos uma cidadania plena e que o direito à saúde, tão importante nesse momento, seja assegurado. Como a população surda terá acesso às informações sanitárias prestadas pelo Ministro e pelos Secretários de Saúde em “lives” que não contém janelas com intérprete de Libras ou presença física do profissional ao seu lado? Como enfrentar as notícias falsas, fenômeno tão nocivo à democracia e à saúde no contexto de crises sanitárias, perante a população surda se não há legenda escrita em vídeos institucionais ou inexistem as ferramentas já expostas de tradução simultânea?

 

Este problema foi percebido pelas Federação Brasileira das Associações dos Profissionais Tradutores e Intérpretes e Guia-Intérpretes de Língua de Sinais (FEBRAPLIS) e Associação de Intérprete de Libras do Acre, as quais atestaram que, naquele estado onde mais de 800 pessoas surdas vivem, os pronunciamentos oficiais não tiveram intérprete de libras. Essa realidade motivou o envio de diversos ofícios pelas instituições e a atuação de parlamentares, bem como a cobertura jornalística da situação, entretanto não houve adequação da atuação pública aos direitos já elencados nessa justificativa.

 

No estado da Paraíba, após atuação da Defensoria Pública do Estado (DPE-PB) em articulação com a Coordenadoria de Promoção dos Direitos das Pessoas Idosas e das Pessoas com Deficiência do Ministério Público da Paraíba (MPPB) e a Assembleia Legislativa (ALPB), juntamente com a sociedade civil, os anúncios feitos pelo Governador João Azevêdo e pelo Prefeito de João Pessoa Luciano Cartaxo contaram com a interpretação simultânea para Libras, conforme noticiado pelo portal G1 no dia 16 de junho do corrente ano. As recomendações expedidas pelos órgãos e acatadas pelo Poder Público foram motivadas legalmente pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e pela Lei Brasileira de Inclusão, normas explanadas ao longo do presente texto.

 

No âmbito do Senado Federal, tramita projeto de lei de autoria da senadora Kátia Abreu (PL nº 465/17), que busca garantir atendimento e tratamento adequado às pessoas com deficiência auditiva mediante a oferta do serviço de intérprete de Libras em instituições públicas e concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde. Destaca-se a interface do direito à informação e comunicação com o direito à saúde, relação que motivou a apresentação do projeto de lei ora protocolizado, especialmente no contexto de pandemia que vivemos.

 

Por último, menciona-se que a apresentação do presente projeto de lei está em estrita conformidade com os ditames constitucionais no que se referem à competência legislativa. O artigo 23, II da Constituição Federal prevê que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência” (sic), razão pela qual, além do mérito inquestionável da matéria, deve ser aprovado por esta Augusta Casa Legislativa.

 

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO