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PROJETO DE LEI N.° 157/20

“INSTITUI DIRETRIZES SANITÁRIAS PARA O RETORNO DAS ATIVIDADES EDUCACIONAIS PRESENCIAIS DURANTE A PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS NO ESTADO DO CEARÁ, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.”

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ APROVA:

Art. 1º Ficam estabelecidas diretrizes para o retorno das atividades educacionais presenciais a serem observadas pelos estabelecimentos de ensino durante o Plano de Contingência adotado pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, em decorrência da pandemia do novo coronavírus.

 

Art. 2º São objetivos das diretrizes para o retorno das atividades educacionais presenciais estabelecidas nesta Lei:

I – garantir condições sanitárias no ambiente educacional a fim de prevenir o contágio pelo novo coronavírus de estudantes e profissionais da educação;

II – prestar informações amparadas pela ciência no que diz respeito à pandemia da COVID-19, notadamente sobre as medidas necessárias à prevenção do contágio, tratamento, atendimento médico-hospitalar, dentre outras relevantes aos fins estabelecidos nesta Lei;

III – promover o acolhimento psicossocial de profissionais da educação e estudantes das unidades escolares;

IV – assegurar que o trabalho docente seja exercido em condições seguras no aspecto sanitário e trabalhista, bem como sob orientações pedagógicas e formações técnico-metodológicas adequadas à nova rotina escolar;

V – evitar a evasão e o abandono escolar mediante a articulação com a rede de proteção a crianças e adolescentes;

VI – executar a busca ativa de estudantes em diálogo com as políticas socioassistenciais;

VII – reduzir as defasagens do processo de ensino e aprendizagem decorridas das dificuldades de acesso às atividades escolares não-presenciais.

 

Art. 3º Deverá ser elaborado plano de testagem para a detecção do novo coronavírus em todos os profissionais da educação e em todos os estudantes de cada estabelecimento de ensino.

§1º Terão prioridade para a realização dos testes os profissionais da educação e os estudantes que componham o grupo de risco do novo coronavírus.

§2º Os planos de testagem deverão ser contínuos, iniciando em período anterior ao retorno das atividades educacionais presenciais e perdurando enquanto vigorar o Plano de Contingência adotado pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, em decorrência da pandemia do novo coronavírus.

 

Art. 4º Os estabelecimentos de ensino poderão verificar a temperatura de todas as pessoas que ingressarem no respectivo ambiente, em suas entradas principais, por meio de câmeras termográficas.

 

Art. 5º É obrigatório o uso de máscaras de proteção facial, industriais ou caseiras, por todas as pessoas no interior do ambiente educacional.

§1º Deverão ser entregues aos profissionais da educação e aos estudantes máscaras de tecido reutilizáveis em quantidade suficiente por todo o período de trabalho e de aula, sendo, no mínimo, 1 (uma) para o ambiente educacional e outra para o trajeto entre o domicílio e a unidade de ensino.

§2º Os estabelecimentos de ensino, em diálogo com o Governo Estadual e com a Prefeitura Municipal respectiva, deverão viabilizar o disposto neste artigo.

 

Art. 6º Fica permitido aos profissionais da educação que compõem o grupo de risco do novo coronavírus desempenhar suas atividades em regime especial de trabalho, podendo ser exigida sua presença no ambiente laboral nos casos que for estritamente necessária para a continuidade das atividades educacionais.

§1º Na hipótese de trabalho presencial a ser exercido por profissionais da educação que integrem o grupo de risco do novo coronavírus, o gestor da unidade escolar deverá observar a possibilidade de concentrar as atividades na menor quantidade possível de dias na semana.

§2º Aplica-se o disposto neste artigo aos estudantes que componham o grupo de risco da COVID-19.

 

Art. 7º Todos os ambientes dos estabelecimentos de ensino deverão passar, frequentemente, por processo de desinfecção e higienização especial, sendo recomendável ao término de cada turno de aula.

 

Art. 8º Ficam os estabelecimentos de ensino obrigados a afixar em suas dependências, em locais de fácil acesso, dispensadores de álcool em gel 70% e/ou equipamentos para a higienização das mãos com água corrente e sabão líquido. 

 

Art. 9º Deverá ser promovida campanha permanente de sensibilização sobre a necessidade de cumprimento do distanciamento social pelos estudantes e pelos profissionais da educação como medida de prevenção ao contágio do novo coronavírus.

Parágrafo Único. As atividades coletivas no âmbito das unidades de ensino em que seja inevitável o contato físico entre os estudantes, tais como torneios e jogos interclasse, poderão ser suspensas a critério da gestão escolar, bem como eventos com aglomeração de pessoas.

 

Art. 10 Os estabelecimentos de ensino deverão elaborar, em período anterior ao retorno das atividades educacionais presenciais, protocolo a ser aplicado no caso de haver suspeita ou confirmação de infecção pelo novo coronavírus de estudante ou profissional da educação da referida unidade.

 

Art. 11 As salas de aula deverão observar:

I – distanciamento de 2 (dois) metros, no mínimo, entre as carteiras;

II – ventilação natural em seu interior, bem como a utilização de ventiladores.

Parágrafo Único. Caso não seja possível a observância do distanciamento entre carteiras estabelecido no inciso I deste artigo, os estabelecimentos de ensino poderão reformar a estrutura das salas de aula existentes, bem como construir novas.

 

Art. 12 O retorno das atividades educacionais em cada estabelecimento de ensino estará condicionado:

I – ao regular abastecimento de água;

II – ao devido tratamento de esgoto;

III – à existência de banheiros em adequadas condições estruturais e em quantidade suficiente para atendimento da demanda sem provocar aglomerações ou filas.

 

Art. 13 A critério de normatização emanada pelo Conselho Estadual de Educação, poderão ser estabelecidos horários diversificados de início e de término das atividades educacionais, bem como de intervalo e de refeições, em cada estabelecimento de ensino.

Parágrafo Único. O disposto no caput deste artigo se aplica aos programas de transporte escolar, que funcionarão em correspondência aos horários de início e de término das aulas, devendo ser cumpridas as normas sanitárias voltadas à desinfecção constante do veículo e ao limite de capacidade a fim de ser respeitado o distanciamento social entre os estudantes.

 

Art. 14 Deverá ser realizada avaliação diagnóstica por cada estabelecimento de ensino de todos os profissionais da educação e de todos os estudantes, na qual deve conter questões sanitárias, sociais e econômicas relativas:

I – às condições tecnológicas do domicílio em que residem, notadamente quanto ao acesso a equipamentos eletrônicos, tais como celulares, computadores, tablets e notebooks;

II – à existência de ambiente de estudo e de trabalho adequado no domicílio;

III – ao acesso à internet, discriminando se a conexão é por banda larga fixa ou por pacote de dados móveis próprio;

IV – aos programas de abastecimento de água e de tratamento de esgoto no domicílio;

V – à posse de máscaras de proteção facial, industriais ou caseiras, pelos moradores do domicílio;

VI – à manutenção dos vínculos laborais do estudante ou profissional e dos demais moradores do domicílio durante o período de isolamento social, bem como, no mesmo período, se houve diminuição da renda familiar;

VII – à contaminação pelo novo coronavírus dos moradores do domicílio, bem como se houve óbito em razão da COVID-19 de parente ou pessoa próxima durante o período de isolamento;

VIII – às condições de alimentação do estudante no domicílio, notadamente no que diz respeito à quantidade de refeições por dia.

§1º Deverá ser realizada capacitação permanente dos gestores e dos profissionais de cada unidade de ensino a fim de desenvolverem capacidade de acolhimento e reintegração social dos trabalhadores, estudantes e suas famílias que vivenciaram dores, traumas e tensões durante o período de isolamento social, bem como habilidade para contribuir com o retorno e a readaptação às atividades educacionais presenciais em condições psicossociais adequadas.

§2º O acolhimento e a reintegração social definidos no parágrafo anterior devem envolver a promoção de diálogos com troca de experiências sobre o período vivido, considerando as diferentes percepções de cada faixa etária, bem como a organização de apoio pedagógico, de atividades físicas e de ações relativas à educação alimentar e nutricional.

 

Art. 15 Os estabelecimentos de ensino contarão com serviços de psicologia e de serviço social para atender ao disposto nesta Lei por meio de equipes multiprofissionais, na forma da Lei nº 13.935/19.

 

Art. 16 Poderão ser organizados programas de revisão de atividades realizadas antes do período de suspensão das aulas relativas a cada componente curricular, bem como de eventuais atividades pedagógicas realizadas de forma não-presencial, no âmbito de cada instituição de ensino.

 

Art. 17 Sem prejuízo do disposto no artigo 14 desta Lei, deverá ser realizada avaliação diagnóstica de cada estudante por meio da observação do desenvolvimento relativo à aprendizagem que se procurou desenvolver com as atividades pedagógicas não-presenciais, bem como, caso necessário, ser construído um programa de recuperação, conforme o Parecer nº 05/20, do Conselho Nacional de Educação.

 

Art. 18 Em atenção ao parágrafo único do artigo 10 desta Lei, ficam autorizados os estabelecimentos de ensino a reduzir o número de estudantes por sala de aula mediante a criação de novas turmas por série ou ano.

 

Art. 19 A reorganização do calendário escolar deverá ser objeto de discussão envolvendo gestores de cada instituição, profissionais da educação, estudantes e comunidade local, observado o princípio da gestão democrática na forma da Lei nº 9.394/96.

Parágrafo Único. A definição de que trata o caput deste artigo deverá considerar a previsão de períodos de intervalos para recuperação física e mental de professores e estudantes, bem como momentos de recesso escolar, férias e fins de semana livres. 

 

Art. 20 Para a viabilização do preceituado nesta Lei, fica o Poder Executivo autorizado a estabelecer retorno gradual das atividades educacionais presenciais a partir de níveis, etapas e modalidades da educação.

 

Art. 21 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação com vigência enquanto perdurar o Plano de Contingência adotado pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, em decorrência da pandemia do novo coronavírus.

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO

 

 

JUSTIFICATIVA

A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 6º, os direitos sociais à educação, saúde, alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, lazer, à segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados. O acesso a tais serviços constitui um dever de prestação pelo Estado, em seus diversos entes da federação, que se materializa através de políticas públicas direcionadas ao conjunto da população, notadamente às pessoas mais vulnerabilizadas pelas desigualdades históricas e estruturais da sociedade brasileira.

 

Dentre os direitos humanos citados, menciona-se o direito à saúde no contexto da pandemia do novo coronavírus que atravessa o mundo nesse momento. Sua regulamentação constitucional encontra-se prevista no artigo 196, o qual aduz que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, garantida através de políticas econômicas e sociais a fim de reduzir riscos de doenças e possibilitar o acesso universal a serviços de proteção e recuperação.  

 

As ações e serviços de saúde possuem relevância pública, visto que é um direito estruturante do direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa humana. Razão pela qual a Constituição Federal normatiza o direito à saúde em, pelo menos, 5 (cinco) dispositivos, dentre os quais o artigo 197. Por um lado, cabe ao Poder Público dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e controle; por outro, é possível que a execução das políticas de saúde seja feita diretamente pelo Estado ou por terceiros – pessoas físicas ou jurídicas.

 

Do ponto de vista do estado do Ceará, nossa Constituição recepcionou o direito à saúde em seu texto, prevendo, mediante o artigo 245, que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à eliminação de doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às suas ações e serviços.” Percebe-se, portanto, o vasto arcabouço constitucional que normatiza e protege a saúde como direito, sendo importante destacar sua característica de universalidade.

 

O direito à educação também encontra resguardo em nossa Carta Magna, estando elencado no rol de direitos sociais constante no artigo 6º. Por seu turno, o artigo 205 institui que a educação, “direito de todos e dever do Estado e da família”, deverá ser garantida e estimulada mediante a colaboração da sociedade, com vistas ao desenvolvimento pleno da pessoa, seu preparo para a prática da democracia e sua capacitação ao trabalho. Cabe ao Estado, portanto, em diálogo com a sociedade, efetivar o direito à educação mediante a adoção de políticas públicas.

 

A Constituição Federal dedica a Seção I – “Da Educação” - do Capítulo III – “Da Educação, da Cultura e do Desporto” – em 10 (dez) artigos à regulamentação do direito social à educação. Destacam-se incisos do artigo 206, que estabelece princípios ao ensino: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (I); valorização dos profissionais da educação escolar (V); gestão democrática do ensino público (VI); e garantia do padrão de qualidade (VII). O artigo 208, VII da Carta Cidadã institui que o dever do Estado será efetivado mediante a garantia do atendimento ao educando por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

 

O Estado do Ceará é regido pelo princípio do desenvolvimento de programas e serviços sociais relativos à educação gratuita em todos os níveis, conforme dispõe o inciso IX do artigo 14 da Constituição estadual. De maneira mais detida, o diploma discorre sobre o direito à educação no Capítulo II – Da Educação – do Título VIII – Das Responsabilidades Culturais, Sociais e Econômicas, conforme regulamentação no artigo 215 e seguintes. Vários princípios relativos à educação constantes da Constituição Federal foram recepcionados pela Carta Magna estadual, destacando-se aqueles já citados no presente texto.

 

Do ponto de vista da realidade fática, destaca-se o momento extremamente delicado que se atravessa no mundo, no Brasil e no estado do Ceará, qual seja a maior crise sanitária em escala global dos últimos 100 (cem) anos. A COVID-19 foi reconhecida como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 11 de março do corrente ano. Visto às dificuldades da medicina em enfrentar um vírus recente, a OMS recomendou 3 (três) ações a serem adotadas pelos Estados nacionais para resguardar a saúde de sua população: isolamento e tratamento dos casos identificados, testes massivos e distanciamento social. Ainda em junho de 2020, não há tratamento medicamentoso com eficácia comprovada tampouco vacina que possam ser utilizados para enfrentar a pandemia do novo coronavírus de maneira mais direta.

Um pouco antes do reconhecimento pela OMS da situação pandêmica decorrente do novo coronavírus, o primeiro caso confirmado de COVID-19 no Brasil foi confirmado. No dia 26 de fevereiro, um homem de 61 anos com histórico de viagem para a Itália que havia dado entrada no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, no dia anterior teve o diagnóstico confirmado pelo Ministério da Saúde. Um pouco mais de 3 (três) meses após esse fato, o Brasil atingiu as trágicas marcas de 530 mil casos confirmados e 30 mil óbitos em decorrência do novo coronavírus, sendo o 2º (segundo) país do mundo em número de casos confirmados de COVID-19 e estando entre as 5 (cinco) nações com mais óbitos em decorrência da doença.

No estado do Ceará, os primeiros casos confirmados de coronavírus datam de 15 de março do corrente ano. No início de junho, alcançou-se a triste marca de 50.000 (cinquenta mil) casos de COVID-19 e mais de 3.000 (três mil) mortes. Nosso estado é o 3º com mais número de pessoas com diagnóstico da doença e com mais óbitos em decorrência do novo coronavírus.

Por decorrência dos efeitos nefastos à saúde pública pela pandemia do novo coronavírus, no dia 20 de março do corrente ano, foi publicado o Decreto Legislativo nº 06/20, que reconhece a ocorrência do estado de calamidade pública em território nacional. Com teor similar, o Decreto Legislativo nº 543/20, de 03 de abril, foi publicado em território cearense, reconhecendo o mesmo estado no âmbito do estado do Ceará.

O decreto estadual nº 33.510, de 16 de março de 2020, instituiu situação de emergência em saúde pública em decorrência do novo coronavírus (COVID-19). Seu artigo 3º suspendeu por 15 dias “atividades educacionais presenciais em todas as escolas, universidades e faculdades das redes de ensino pública, obrigatoriamente a partir de 19 de março.” Ainda, o referido diploma recomendou ao setor privado a adoção da interrupção de suas atividades, cujo acatamento foi imediato.

No dia 30 de março de 2020, o Governador do Estado Camilo Santana editou decreto nº 33.532, cujo objeto foi, sobretudo, a prorrogação por 30 (trinta) dias do prazo de suspensão previsto no decreto anteriormente citado. A interrupção das atividades educacionais durante o período de emergência em saúde pública decorrente da COVID-19 abrangeu escolas, cursos, faculdades e universidades, públicas ou privadas. Sucessivos decretos foram publicados pelo Poder Executivo estadual postergando a suspensão das atividades educacionais presenciais.

Logo após a edição do decreto que suspendeu as aulas no Estado do Ceará, a Secretaria de Educação (SEDUC) emitiu comunicado orientando, como estratégia para a reposição das aulas, estudos domiciliares relativos aos temas de cada componente curricular, bem como a utilização de materiais pedagógicos disponíveis em meios eletrônicos (e-mail, aplicativos de mensagens, Aluno Online, Professor Online e/ou plataformas de EAD) como suporte de interação.

Baseando-se nas recomendações sanitárias emitidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o Ministério da Saúde do Governo Federal e a Secretaria Estadual de Saúde (SESA), os estabelecimentos de ensino foram se adaptando à impossibilidade de manter aulas presenciais. Como resposta a tal questão, as instituições, desde creches até universidades públicas e privadas, foram organizando mecanismos virtuais de transmissão de conteúdo e de ensino-aprendizagem.

Cabe destacar que essa realidade foi vivenciada pelo mundo todo. Como escolas e universidades são naturalmente espaços de aglomeração de pessoas, para evitar o alastramento do contágio na sociedade é imperioso a suspensão das atividades presenciais. Entretanto, a continuidade das atividades educacionais por meio remoto impõe uma série de dificuldades e potencializa a desigualdade socioeconômica existente no Brasil e no estado do Ceará, visto que as condições de acesso a equipamentos eletrônicos e à internet são discrepantes quando se compara classes sociais, raça e região do país.

A PNAD Contínua TIC 2018, pesquisa institucional realizada pelo IBGE relativa ao acesso dos domicílios brasileiros à Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), aponta evidências que atestam, de maneira cristalina, o cenário de desigualdade de acesso a equipamentos eletrônicos e à internet no Brasil. No país, o rendimento real médio per capita dos domicílios que utilizam a Internet é de R$1769, enquanto dos que não utilizam é R$940. Mesmo em relação aos domicílios que utilizam a rede web, depara-se com desafios de acesso. O percentual que utiliza banda larga fixa consiste em 75,9%, sujeito a variações regionais: enquanto no Norte e no Nordeste a taxa é de 53,4% e 77,9%, respectivamente, nas outras regiões esse número varia entre 82,3% a 89,7%. Outro dado alarmante que atesta a desigualdade socioeconômica que se expressa no acesso a equipamentos eletrônicos é a porcentagem de domicílios que há microcomputador: 46% das residências na zona urbana possuem este equipamento, enquanto na zona rural o percentual despenca para 14,3%.

As atividades educacionais presenciais, no Brasil, estão suspensas na maior parte das instituições de ensino por determinação dos Governos Estaduais e Municipais. Em reconhecimento a essa realidade no território nacional, foi editada a Medida Provisória nº 934, de 01º de abril, que dispensa os estabelecimentos de ensino de educação básica a cumprir o mínimo de dias de efetivo trabalho escolar nos termos da lei de diretrizes e bases da educação (lei nº 9.394/96), qual seja 200 (duzentos) dias. Ressalte-se que a competência para autorizar a realização de atividades remotas no âmbito da educação é das autoridades dos sistemas de ensino federal, estaduais, municipais e distrital, sendo tal previsão reafirmada no Parecer nº 05/2020, proferido pelo Conselho Nacional de Educação no 28 de abril. A efetiva adoção de alternativa à realização de atividades educacionais presenciais, entretanto, é de responsabilidade de cada estabelecimento de ensino, bem como os suportes digitais, ou não, escolhidos para viabilizar o processo de ensino-aprendizagem.

No estado do Ceará, o Conselho Estadual de Educação emitiu a Resolução nº 481, de 27 de março de 2020, que dispõe sobre regime especial de atividades escolares não presenciais no Sistema de Ensino do Estado do Ceará. Em seu artigo 2º, a referida norma aduz que as atividades remotas poderão ser estabelecidas a critério das instituições ou redes de ensino públicas e privadas da educação básica pertencentes ao Sistema de Ensino do Estado do Ceará. No âmbito da rede de ensino gerida pela Secretaria da Educação (SEDUC), foi lançado um Guia de Apoio aos Estudos Domiciliares, o qual elenca suportes tecnológicos para a interação entre a (o) professora (or) e a (o) aluna (o), plataformas de apoio aos (às) educadores (as) na organização das atividades domiciliares e projetos e serviços aos (às) alunos (as) que não dispõem de acesso regular aos meios tecnológicos, notadamente materiais impressos e realização de atividades quando do retorno às aulas presenciais.

O retorno às atividades educacionais presenciais no estado do Ceará, entretanto, está em fase concreta de planejamento e possui uma data de referência para se efetivar. No dia 28 de maio do corrente ano, o Governo do estado do Ceará anunciou o Plano de retomada responsável das atividades econômicas e comportamentais. Dividido em 5 (cinco) fases a partir de critérios relacionados a riscos sanitários e aspectos econômicos e sociais, o documento estabelece que as etapas abrangem um rol de atividades autorizadas a funcionar, observadas condições sanitárias, prevendo que a evolução de fases seria percebida com o cumprimento de metas relativas à demanda por atendimento nas UPAs e emergências de portas abertas dos pacientes com suspeita de COVID-19, à taxa de ocupação dos leitos de UTI destinados a esses pacientes, ao número de óbitos, dentre outras.

As aulas presenciais de educação formal e não formal estão inseridas na 4ª (quarta), e última, etapa do Plano de retomada. Caso as fases tenham prosseguimento de maneira sequencial, as atividades educacionais presenciais retornariam no dia 20 de julho do corrente ano. Entretanto, a pandemia da COVID-19 dificilmente deixará de ser um risco sanitário no estado do Ceará nessa data. Portanto, é necessário e urgente que se estabeleçam medidas sanitárias, estruturais e pedagógicas voltadas à proteção dos profissionais da educação e dos estudantes para que as escolas e universidades não sejam um vetor de contaminação do novo coronavírus.

Essa complexa realidade está sendo enfrentada em vários países do mundo. Na China, é checada a temperatura dos alunos para que nenhuma pessoa febril entre no ambiente educacional. Na Coreia do Sul, a utilização de máscaras de proteção facial é obrigatória e as mesas e cadeiras são dispostas de tal forma que o distanciamento social seja observado. Na França, os estudantes frequentam as unidades de ensino em alguns dias por semana. Na Austrália, o governo concedeu auxílio financeiro no valor de 6,56 milhões de dólares para que as escolas adquirissem itens de higiene e limpeza. Dinamarca, Suíca, Nova Zelândia, dentre outras nações, retornaram às atividades educacionais presenciais, não sem antes planejar uma série de ações necessárias para que o risco de contágio do novo coronavírus fosse significativamente reduzido.

Faz-se urgente a discussão e o planejamento de diretrizes a serem observadas pelos estabelecimentos de ensino no estado do Ceará, visto que restam menos de 2 (dois) meses para que o retorno às atividades presenciais seja efetivado em escolas e universidades. O Parecer nº 05/2020, do Conselho Nacional de Educação, especificamente no item “2.17 – Diretrizes para a reorganização dos calendários escolares” aponta algumas ações pedagógicas relevantes nesse contexto a serem desempenhadas pelas unidades de ensino, a saber: realização de acolhimento e reintegração social dos professores, estudantes e suas famílias como forma de superar os impactos psicológicos do longo período de isolamento social; realização de avaliação diagnóstica de cada criança por meio da observação do desenvolvimento em relação aos objetivos de aprendizagem e habilidades que se procurou desenvolver com as atividades pedagógicas não-presenciais; organização de programas de revisão de atividades realizadas antes do período de suspensão das aulas; e a garantia de segurança sanitária nas escolas mediante a reorganização do espaço físico do ambiente escolar e o oferecimento de orientações permanentes aos alunos quanto aos cuidados a serem tomados.

O projeto de lei ora apresentado visa contribuir com essa discussão ao estabelecer diretrizes sanitárias a serem observadas pelos estabelecimentos de ensino quando do retorno das atividades educacionais presenciais. Pretende-se regulamentar questões sanitárias stricto sensu, como testagem e medição de temperatura; questões estruturais, como a garantia de tratamento de esgoto e abastecimento de água nas unidades de ensino; e questões pedagógicas, como as constantes no parecer do Conselho Nacional de Educação. As medidas previstas no projeto ora apresentado foram observadas em diversos países ao redor do mundo, bem como foram objeto de discussão envolvendo educadores e pesquisadores com reconhecimento nacional e entidades da educação, estudantes, professores e gestores que diariamente vivenciam o processo de ensino e aprendizagem no estado do Ceará.

Visto que o projeto de lei apresentado se enquadra no direito à saúde, a competência para legislar é comum de todos os entes da federação. O artigo 24 da Constituição Federal, em seu inciso XII, aduz que é competência da União, Estados e Distrito Federal legislar sobre previdência social, proteção e defesa da saúde. Tal previsão encontra amparo em nossa Carta Magna estadual, a qual, mediante regulamentação expressa no artigo 16, indica que é competência do Estado legislar sobre previdência social, proteção e defesa da saúde.

A proposição enquadra-se também no direito à educação, visto que concretiza princípios constitucionais colacionados nesse texto. A competência para legislar sobre essa área é concorrente, conforme se depreende a partir da leitura do inciso IX do artigo 24 da Constituição Federal: “compete à União, aos Estados, e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação.”

Portanto, o projeto de lei ora protocolado está em perfeita harmonia com os ditames constitucionais e legais no que diz respeito à competência federativa, visto seu conteúdo material e os direitos tutelados, notadamente à saúde e à educação. Razão pela qual tramita projeto similar na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, qual seja o PL 2675/2020, de autoria do Deputado Flavio Serafini/PSOL, que dispõe sobre medidas de prevenção à COVID-19 na reabertura das escolas públicas estaduais após o período de isolamento.

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO