PROJETO DE LEI N° 632/19

“VEDA A NOMEAÇÃO OU CONTRATAÇÃO, PARA DETERMINADOS CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS, DE PESSOA CONDENADA POR CRIME SEXUAL COMETIDO CONTRA CRIANÇA OU ADOLESCENTE.”

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:

Art 1º - Fica vedada, no âmbito no Estado do Ceará a nomeação ou contração para cargos ou empregos públicos de pessoa condenada por decisão judicial transitada em julgado, desde a condenação até o decurso do prazo de 12 (doze) anos após o cumprimento da pena, por:

I- crimes sexuais contra vulnerável previstos nos artigos 217-A e subsquentes do Código Penal, tais como:

a) estupro de vulnerável;

b) corrupção de menores;

c) satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente;

d) favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável;

e) divulgação de cena de estupro ou de cena de estrupo de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia;

II- crimes previstos nos artigos 240 e subsequentes do Estatuto da Criança e do Adolescente, que tratam da produção, venda, distribuição, aquisição e posse de pornografia infantil e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet;

III- outros crimes de natureza sexual contra crianças ou adolescentes previstos na legislação.

§ 1º - Os cargos e empregos públicos mencionados no “caput” abrangem todos aqueles na administração pública em que se trabalha com crianças e adolescentes, bem como a lotação em unidade administrativa que lhes presta atendimento, tais como creches , escolas, abrigos, clínicas e hospitais pediátricos.

§ 2º - Para efeitos desta lei considera-se cargo ou emprego público todos aqueles de livre nomeação ou exoneração, bem como os que sejam preenchidos por meio de concurso público.

Art 2º - O interessado deverá apresentar comprovação de idoneidade, por meio de certidões de antecentes criminais.

Parágrafo único - Para fins do que trata esta lei, será mantido sob sigilo todos os dados a que obtiver acesso, resguardando a privacidade da pessoa interessada.

Art 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

ANDRÉ FERNANDES

DEPUTADO

JUSTIFICATIVA

Segundo a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) o ceará registrou 4.399 casos de violência sexual deste 2017. O número revela uma média de cinco casos por dia. Os dados supracitados são tenebrosos, mas ficam ainda piores quando verificamos que quem mais sofreu este tipo de crime foram crianças (1.863) e adolescente (1.588), comparados iguais os períodos, de maio de 2017 até maio de 2019 houve um aumento de 8% no total de vítimas. Reportagem divulgada no Portal G1 CE em 26/06/2019. (https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2019/06/29/criancas-e-adolescente-sao-vitimas-mais-frequentes-de-crimes-sexuais-no-ceara.ghtml).

Um crime sexual cometido contra uma criança ou um adolescente pode ser a forma de violência mais aguda e covarde, pois inflige graves danos à vítima mais indefesa por toda sua vida, desde a contaminação por síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), gravidez, depressão e até o suicídio, de acordo com a seguinte citação, extraída de publicação do Ministério dos Direitos Humanos:

“Kendall-Tackett, Williams e Finkelhor (1993) analisaram os estudos sobre as implicações do abuso sexual e decompuseram tais efeitos de acordo com as idades pré-escolar (0 a 6 anos), escolar (7 a 12 anos) e adolescência (13 a 18 anos). Os sintomas mais comuns na faixa de zero a seis anos de idade são: ansiedade, pesadelos, transtorno de estresse pós-traumático e comportamento sexual inapropriado. Para as crianças em idade escolar, os sinais mais corriqueiros incluem: medo, distúrbios neuróticos, agressão, pesadelos, problemas escolares, hiperatividade e comportamento regressivo. Na adolescência, os indícios mais comuns são: depressão, isolamento, comportamento suicida, autoagressão, queixas somáticas, atos ilegais, fugas, abuso de substâncias e comportamento sexual inadequado. Os autores concluíram que existem sintomas comuns às três fases: pesadelos, depressão, retraimento, distúrbios neuróticos, agressão e comportamento regressivo” (CERQUEIRA, 2009, p.3 apud Violência contra Crianças e Adolescentes).

Justamente em razão da gravidade de tais crimes, devemos adotar todas medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de abuso sexual, em atenção ao artigo 19 do Decreto Federal nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, que promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança.

De acordo com o art. 227 da Constituição Federal (CF) é dever do Estado colocar a criança e o adolescente a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Ademais, ainda que não seja um entendimento especificamente aplicável no caso de servidores públicos, vale mencionar o Tema nº 1 da Tabela de Incidentes de Recursos de Revista Repetitivos (TIRRR) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que dispõe sobre a exigência de apresentação de certidão de antecedentes criminais por candidatos a certos empregos. A referida Corte fixou a tese de que é ilegítima e configura dano moral tal exigência se: i) configurar tratamento discriminatório; ii) não estiver fundamentada em previsão legal; ou iii) não decorrer da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido.

A contrario sensu, a exigência da apresentação da referida certidão é legítima e não caracteriza lesão moral quando estiver amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo de cuidadores de menores, idosos ou deficientes, em creches, asilos ou instituições afins. A exegese firmada no Tema nº 1 da TIRRR do TST vincula toda a Justiça Trabalhista, de acordo com entendimento do próprio TST.

Cumpre salientar as alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) promovidas pela Lei Federal nº 13.046, de 1º de dezembro de 2014. O art. 70-B do ECA obriga entidades públicas ou privadas que atuem nas áreas a que se refere o art. 71, dentre outras, a contar com pessoas capacitadas a reconhecer e comunicar ao Conselho Tutelar suspeitas ou casos de maus-tratos praticados contra crianças e adolescentes. No mesmo sentido dispõe o art. 94-A do ECA para entidades públicas ou privadas que abriguem ou recepcionem crianças e adolescentes.

O art. 245 do ECA prevê ser uma infração administrativa deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente.

Se os profissionais citados no referido art. 245 possuem o dever legal de comunicar à autoridade competente casos de maus-tratos contra criança ou adolescente, já que sua omissão configura uma infração administrativa, é razoável que estes mesmos profissionais não tenham sido condenados pelos mesmos maus-tratos que devem reportar. O citado dispositivo vai ao encontro do escopo ora perseguido, no sentido de se assegurar que pessoas que cometeram crimes sexuais contra crianças não possam exercer função na qual tenham de lidar com elas.

Consoante verificamos nos dispositivos legais acima, não é de hoje a preocupação do legislador em estabelecer critérios mais rigorosos de qualificação para profissionais que trabalham com crianças e adolescentes, e que a razoabilidade da medida discutida deve ser cotejada com as balizas já delimitadas no ordenamento jurídico.

O caput e o parágrafo único do artigo 1º desta proposição foram redigidos com o intuito de abranger todas as hipóteses em que uma pessoa, na administração pública, poderia trabalhar prestando atendimento a crianças ou adolescentes. Nesse sentido, preferimos utilizar a genérica expressão unidade administrativa junto com um rol exemplificativo não exaustivo, em atenção ao conceito de posto de trabalho previsto no art. 5º, XII, da Lei Complementar nº 180, de 12 de maio de 1978, que dispõe sobre a instituição do Sistema de Administração de Pessoal e dá providências correlatas.

Optamos por mencionar expressamente, nos incisos do art. 1º, os crimes sexuais contra vulnerável previstos no Código Penal e outros previstos no ECA, sem excluir outras hipóteses já existentes na legislação ou que serão instituídas futuramente.

A vedação de pena com caráter perpétuo prevista no art. 5º, XLVII, “b” da Constituição Federal norteou o estabelecimento do prazo de restrição contido no caput do art. 1º da minuta. Em homenagem aos direitos fundamentais, registramos no p. único do art. 2º que o Poder Público possui o dever de guardar sigilo das informações referentes à pessoa que é objeto da certidão de antecedentes criminais.

Por fim, não deixamos de observar que o item 5 do art. 9º da Lei Federal nº 1.079, de 10 de abril de 1950, prevê ser um crime de responsabilidade contra a probidade na administração a infração das normas legais no provimento dos cargos públicos.

ANDRÉ FERNANDES

DEPUTADO