PROJETO DE LEI Nº 630/19
“RECONHECE, NOS TERMOS QUE INDICA, DIREITO À INDENIZAÇÃO AOS FILHOS SEGREGADOS DOS GENITORES COM HANSENÍASE SUBMETIDOS À POLÍTICA DE ISOLAMENTO COMPULSÓRIO NO ESTADO DO CEARÁ.”
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art.1º. Fica reconhecido, nos termos desta Lei, o direito à indenização, a título reparatório, às pessoas que foram segregadas de seus genitores no curso da política de isolamento compulsório de pessoas com hanseníase baseada no Decreto 16.300/1923 e nas Leis nº 610/1949 e 5.511/1968, cujos pais tenham ficado sob a guarda e responsabilidade de órgãos da estrutura administrativa do Estado do Ceará, ou em quaisquer dependências desses órgãos.
§1º - Farão jus à indenização de que trata o caput os que comprovadamente foram separados de pelo menos um dos seus genitores em razão da política de isolamento compulsório por hanseníase, desde que não tenha obtido de qualquer Ente Federativo, pelo mesmo motivo, ressarcimento por dano moral ou material.
§2º - O pedido de indenização deverá ser formulado no prazo de 24 meses, contados da instalação da Comissão Especial de que trata o artigo seguinte.
Art. 2º. Fica criada Comissão Especial, a ser constituída pelo Governador do Estado, com a finalidade de avaliar a procedência dos pedidos de indenização, instituída nesta Lei, por meio de processo administrativo próprio, regulamentado pelo Chefe do Poder Executivo.
§1º - A Comissão Especial funcionará junto à Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos, que a dotará de recursos humanos e materiais necessários, podendo ser assessorada por servidores públicos estaduais, designados pelo Governador do Estado.
Art. 3º. A Comissão Especial será composta por:
I – 1 (um) representante da associação dos filhos separados;
II – 1 (um) representante da Procuradoria Geral do Estado;
III – 1 (um) representante da Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos;
IV – 1 (um) representante da Casa Civil;
V – 1 (um) representante da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará;
VI – 1 (um) representante da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Ceará;
VII – 1 (um) representante da Defensoria Pública Estadual;
VIII – 1 (um) representante do Ministério Público Estadual.
Art. 4º. Os interessados deverão requerer à Comissão Especial a análise de seus casos, mediante requerimento próprio, instruído com as informações e documentos que comprovem que foram segregados de seus genitores nos termos do art. 1º desta Lei.
Art. 5º. A indenização de que trata esta Lei será paga pelo Estado em montante não superior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), devendo sua definição levar em consideração a extensão e a gravidade dos danos sofridos.
Art. 6º. A indenização especial instituída nesta Lei possui natureza personalíssima, não sendo transmitida para herdeiros ou sucessores.
Art. 7º. A indenização será concedida mediante decreto do Governador do Estado, após a emissão de parecer favorável da Comissão Especial criada por esta Lei.
Art. 8º. O pagamento da indenização importará em plena quitação ao Estado.
Art. 9º. O Poder Executivo regulamentará esta Lei em 60 dias.
Art. 10. As despesas decorrentes desta Lei correrão à conta das dotações consignadas no orçamento do Estado.
Art. 11. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 12. Revogam-se as disposições em contrário.
GUILHERME LANDIM
DEPUTADO
Justificativa
Inicialmente cumpre-nos destacar, que o objetivo da presente proposição é a de reconhecer o direito a percepção de indenização, a título reparatório, as pessoas que foram separadas de seus genitores no curso da política de isolamento compulsório baseada no Decreto 16.300/1923 e nas Leis n. 610, de 13 de janeiro de 1949 e 5.511, de 15 de outubro de 1968, que configurou inquestionável violação aos direitos humanos.
A política segregacionista das pessoas acometidas pela hanseníase teve início em território nacional a partir do Decreto 16.300/1923, que trazia a previsão de internação compulsória dos enfermos nos denominados leprosários.
Esse modelo de política pública, que defendia o isolamento dos enfermos do restante da sociedade como forma de conter a proliferação da doença, trazendo sofrimento físico e psicológico aos portadores da enfermidade, vigorou até meados dos anos 80.
No Ceará, tivemos a presença de dois hospitais-colônias ou leprosários, que funcionaram entre os anos de 1928 e 1973. O hospital-colônia Antônio Diogo, no município de Redenção e a Colônia Antônio Justa, na cidade de Maracanaú, que funcionaram praticamente como depositário de pacientes, eis que relegados a própria sorte.
Destaca-se, que muitos dos pacientes tiveram filhos durante o período de isolamento. Os filhos, ao nascer, eram separados de seus genitores e levados para instituições denominadas de “educandários”, sem qualquer contato com seus pais, sendo induzidos a esquecê-los, aproximando-se ao que hoje definimos como alienação parental, nesse caso, essa alienação era institucionalizada, tendo em vista que promovida por agentes públicos.
Para melhor ilustrar a situação, trazemos abaixo excerto da Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 373/2007 encaminhada ao Presidente da República, que posteriormente foi convertida na Lei 11.520/2017. Vejamos:
“6. A disciplina nos preventórios era extremamente rígida, com aplicação habitual de castigos físicos desmesurados. As crianças eram induzidas a esquecerem seus pais, porquanto a hanseníase era considerada uma “macha” na família”.
Dessa forma, vê-se claramente que tanto os pacientes quanto os seus filhos foram submetidos a situações degradantes, ante a ausência de ações humanitárias pelo Estado, que de forma inquestionável violou os direitos humanos, gerando danos indeléveis ainda que submetidos a força corrosiva do tempo.
Por todo exposto, e para que sejam reconhecidos pelo Estado os efeitos deletérios da política de isolamento, bem como para que sejam adotadas medidas reparatórias a esse período sombrio da nossa história, marcado pela barbárie e desumanidade, é que propomos o presente Projeto de Lei para que seja submetido à discussão e votação dessa Augusta Casa Legislativa.
GUILHERME LANDIM
DEPUTADO