PROJETO DE LEI N° 523/19
ESTABELECE O DIREITO DAS MÃES AMAMENTAREM SEUS FILHOS DURANTE A REALIZAÇÃO DE CONCURSOS PÚBLICOS REALIZADOS PARA INVESTIDURA EM CARGO OU EMPREGO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º. Esta Lei estabelece o direito das mães amamentarem seus filhos de até 6 (seis) meses de idade durante a realização de concursos públicos realizados para investidura em cargo ou emprego na administração pública estadual.
Art. 2º. Fica assegurado à mãe o direito de amamentar seus filhos de até 6 (seis) meses de idade durante a realização de provas ou de etapas avaliatórias em concursos públicos na administração pública no Estado do Ceará, mediante prévia solicitação à instituição organizadora.
§ 1º - Terá o direito previsto no caput deste artigo a mãe cujo filho tiver até 6 (seis) meses de idade no dia da realização de prova ou de etapa avaliatória de concurso público.
§ 2º - A prova da idade será feita mediante declaração no ato de inscrição para o concurso e apresentação da respectiva certidão de nascimento durante sua realização.
Art. 3º. Deferida a solicitação de que trata o art. 2º desta Lei, a mãe deverá, no dia da prova ou da etapa avaliatória, indicar uma pessoa acompanhante que será a responsável pela guarda da criança durante o período necessário.
Parágrafo único. A pessoa acompanhante somente terá acesso ao local das provas até o horário estabelecido para fechamento dos portões e ficará com a criança em sala reservada para essa finalidade, próxima ao local de aplicação das provas.
Art. 4º. A mãe terá o direito de proceder à amamentação a cada intervalo de 2 (duas) horas, por até 30 (trinta) minutos, por filho.
§ 1º - Durante o período de amamentação, a mãe será acompanhada por fiscal.
§ 2º - O tempo despendido na amamentação será compensado durante a realização da prova, em igual período.
Art. 5º. O direito previsto nesta Lei deverá ser expresso no edital do concurso, que estabelecerá prazo para que a mãe manifeste seu interesse em exercê-lo.
Art. 6º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
DEPUTADO ANDRÉ FERNANDES
JUSTIFICATIVA
O Projeto de Lei em questão tem dois objetivos precípuos: favorecer a participação da mulher nos concursos públicos e proteger a correta alimentação de bebês recém-nascidos, com até seis meses de idade. O conhecimento hoje corrente da importância do aleitamento materno, tanto para o bebê quanto para a mãe. Para a criança, o leite materno fortalece a imunidade; dá segurança e tranquilidade; tem características bioquímicas já conhecidas pelo organismo da criança, evitando o surgimento de alergias; ajuda no desenvolvimento devido ao esforço para mamar; reduz as cólicas; combate a anemia; impulsiona o desenvolvimento cognitivo; e desenvolve a arcada dentária, entre tantos outros benefícios já estudados e comprovados. Já para a mãe o aleitamento reduz o estresse devido ao contato com o filho, que fortalece o vínculo; diminui os riscos de desenvolver doenças como anemia, osteoporose, doenças cardíacas, depressão e câncer de mama e de ovário; eleva a autoestima; e facilita o retorno ao peso anterior à gestação.
O presente Projeto de Lei dispõe sobre o direito de as mães amamentarem seus filhos durante a realização de concursos públicos realizados para investidura em cargo ou emprego na administração pública estadual. Estabelece, portanto, que as mães terão o direito de amamentar os filhos de até seis meses de idade no decorrer das provas mediante solicitação prévia à instituição organizadora do concurso e declaração da idade da criança no ato da inscrição, que será comprovada com a apresentação da certidão de nascimento no momento do exame. É previsto, ainda, que a mãe indique, no dia da prova, um acompanhante, o qual será o responsável pela guarda da criança por todo o período de realização do evento, durante o qual a mãe poderá amamentar, acompanhada por fiscal, a cada intervalo de duas horas, por até trinta minutos cada filho, sendo o tempo correspondente acrescido no tempo disponível para a realização da prova.
Não podemos pensar em atitude mais nobre de uma mãe para com seu filho que o ato de amamentar, de nutrir e ao mesmo tempo dar atenção e afeto à criança que, conforme já comprovado, terá mais defesas em seu organismo e se desenvolverá com mais saúde, tanto física, pela proteção e nutrição adequadas, quanto psíquica, pelo constante contato e cuidado materno. A importância da amamentação tem sido debatida nos meios médicos há anos e também sido objeto de políticas públicas de saúde que envolvem desde a criação de bancos de leite materno até campanhas de incentivo à amamentação. Desta forma, nada mais justo que a administração pública, autora dessas políticas, incentivar e facilitar, para as mães, o ato da amamentação durante a realização de concursos públicos, como mais uma forma de demonstrar sua importância. Além disso, do ponto de vista das políticas de igualdade para as mulheres, é também justo que se conceda tal direito, tendo em vista que a mulher, da qual a criança depende para sua adequada nutrição no período de amamentação, não terá condições idênticas de competição nos concursos públicos se não puder amamentar seu filho durante os longos períodos de realização das provas.
DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS E DO ENTENDIMENTO DO STF
Sobre a matéria em questão, percebe-se que não há óbices para a deflagração pelo Parlamento Estadual da iniciativa de leis que verse sobre “concursos públicos”, em razão da competência remanescente ou residual que lhe é conferida pela Constituição Federal (art. 25, parágrafo 1º):
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
§ 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
A abrangência do projeto em estudo atinge os concursos realizados por órgãos do Governo do Estado do Ceará, sendo importante destacar, apenas a título de ilustração, que o Supremo Tribunal Federal possuía entendimento segundo o qual seriam inconstitucionais as leis de origem Parlamentar estadual que tratassem sobre matéria relacionada à criação e provimento de cargo público, por infringência, em razão do princípio da simetria, ao art. 61, parágrafo 1º, inciso II, alíneas ‘a’ e ‘c’, da Constituição da República:
“Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
(…)
II - disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração
(…)
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
A Constituição Estadual, por sua vez, reproduz o referido comando da Constituição Federal, nos seguintes termos:
“Art. 60. Cabe a iniciativa de leis:§2ºSão de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre:
a)criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta, autárquica e fundacional, e de empregos nas empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos, ou aumento de sua remuneração;
Contudo, a própria Corte Superior vem alterando o referido posicionamento ao entender que as leis de iniciativa Parlamentar que versem sobre concurso público são constitucionais desde que não tratem de matéria relativa a servidores públicos e a regime jurídico (matéria relacionada ao provimento de cargo público), e sim de regras e condições anteriores à investidura ao cargo público, como é o caso em questão:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N° 6.663, DE 26 DE ABRIL DE 2001, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. O diploma normativo em causa, que estabelece isenção do pagamento de taxa de concurso público, não versa sobre matéria relativa a servidores públicos (§ 1º do art. 61 da CF/88). Dispõe, isto sim, sobre condição para se chegar à investidura em cargo público, que é um momento anterior ao da caracterização do candidato como servidor público. Inconstitucionalidade formal não configurada. Noutro giro, não ofende a Carta Magna a utilização do salário mínimo como critério de aferição do nível de pobreza dos aspirantes às carreiras púbicas, para fins de concessão do benefício de que trata a Lei capixaba nº6.663/01. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI2672, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min.CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2006, DJ 10-11-2006PP-00049 EMENT VOL-02255-02 PP-00219 RTJ VOL00200-03 PP-01088LEXSTF v. 29, n. 338, 2007, p. 21- 33) (grifos nossos).
No mesmo sentido, no ano de 2011, o Supremo Tribunal Federal, por meio de decisão monocrática do Ministro Marco Aurélio, negou seguimento ao Recurso Extraordinário de n.º 448.4634, corroborando o entendimento do julgado supracitado, in verbis:
DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – CONCURSO PÚBLICO –TAXA – ISENÇÃO – LEI ESTADUAL – CONSTITUCIONALIDADE –PRECEDENTE DO PLENÁRIO – NEGATIVA DE SEGUIMENTO. 1. O Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe concedeu a segurança requerida, consignando (folha 50): MANDADO DE SEGURANÇA – LEI ESTADUAL– CONSTITUCIONALIDADE – SERVIDOR PÚBLICO – ESTADO DE SERGIPE – TAXA PARA INSCRIÇÃO EM CONCURSO – ISENÇÃO. Os Estados estão autorizados a legislarem sobre direito Tributário em competência concorrente com a União e o Distrito Federal. Inteligência do inciso I, do Art. 24, da Constituição Federal. Preliminar de Inconstitucionalidade rejeitada. Descabe a cobrança de taxa para inscrição de servidor público Estadual em concurso promovido por entidade pública Estadual de qualquer dos Poderes. Writ concedido. Decisão por maioria. 2.O Supremo, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº2.672-1/ES, assentou a harmonia, com a Carta da República, da Lei nº6.663, de 26 de abril de 2001, do Estado do Espírito Santo, que concedia idêntico benefício. O acórdão, cuja publicação ocorreu no Diário da Justiça de 10 de novembro de 2006, restou assim ementado: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N° 6.663, DE 26 DE ABRIL DE 2001, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. O diploma normativo em causa, que estabelece isenção do pagamento de taxa de concurso público, não versa sobre matéria relativa a servidores públicos (§ 1º do art. 61 da CF/88). Dispõe, isto sim, sobre condição para se chegar à investidura em cargo público, que é um momento anterior ao da caracterização do candidato como servidor público. Inconstitucionalidade formal não configurada. Noutro giro, não ofende a Carta Magna a utilização do salário mínimo como critério de aferição do nível de pobreza dos aspirantes às carreiras públicas, para fins de concessão do benefício de que trata a Lei capixaba nº 6.663/01. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. 3. Ante o quadro, nego seguimento a este extraordinário. 4. Publiquem. Brasília, 28 de abril de 2011. Ministro MARCO AURÉLIO Relator (RE 448463, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 28/04/2011, publicado em DJe-086DIVULG 09/05/2011 PUBLIC 10/05/2011) (original sem destaque)
Devemos frisar, por fim, que a presente proposição, da forma como regulamenta o tema em questão, não impõe condutas ao Poder Executivo Estadual, às suas Secretarias e/ou Órgãos vinculados, estando, ainda, em consonância com os dispositivos contidos nos artigos 60 e 88 da Constituição Estadual; tampouco gera despesa àquele Poder (parágrafo 1º, art. 60, CE), afigurando-se perfeitamente viável sob o ponto de vista jurídico-constitucional.
Portanto, ante o evidente interesse público da matéria e, principalmente, em razão da importância deste projeto, solicito gentilmente o apoio dos meus nobres pares para a aprovação da presente propositura.