DISPÕE SOBRE A PROMOÇÃO DE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E
DETERMINA A EXCLUSÃO DE ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS E AÇUCARADOS NAS ESCOLAS
PÚBLICAS E PARTICULARES NO ÂMBITO DO ESTADO DO CEARÁ.
O
PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art.
1º. Esta Lei, em consonância com as diretrizes do Programa Nacional de
Alimentação Escolar, Lei n° 11.947, de 16 de junho de 2009, que estabelece
normas gerais para promoção da alimentação saudável, determina a exclusão de
alimentos ultraprocessados e açucarados nas escolas públicas e particulares no
âmbito do Estado do Ceará.
Art.
2º. Para fins de alimentação saudável, ultraprocessados e açucarados,
considera-se:
I
- Alimentação saudável: é aquela baseada em equilíbrio e variedade na ingestão,
sendo composta de proteínas, gorduras, carboidratos (incluindo fibras),
vitaminas, minerais, preferencialmente in natura, orgânicos e/ou minimamente
processados.
II
– Alimentos ultraprocessados e açucarados: são produtos cuja fabricação envolve
diversas etapas, técnicas de processamento e ingredientes, muitos deles de uso
exclusivamente industrial.
Art.
3º A rede de ensino pública e privada obedecerá aos padrões estabelecidos nesta
Lei.
Art.
4º Fica proibida a comercialização e o consumo, no ambiente escolar, dos
alimentos ultraprocessados e açucarados descritos no inciso II do artigo 2°
desta lei, tendo como rol exemplificativo o anexo I.
Art.
5º O Poder Executivo poderá determinar prazo para as cantinas escolares e
qualquer outro comércio de alimentos que se realize no ambiente escolar, e nas
cercanias desta, se adéquem aos princípios desta Lei.
Art.
6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
RENATO
ROSENO
DEPUTADO
ESTADUAL - PSOL
JUSTIFICATIVA
O
Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece em seu artigo 4° que “é dever
... do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitário”, tendo estes a “preferência na formulação
e na execução das políticas sociais públicas”.
Compete
aos Estados promover as diretrizes estabelecidas pelo Programa Nacional de
Alimentação Escolar – PNAE (Lei n° 11.947/2009), que definem, prioritariamente,
“o emprego da alimentação saudável e adequada”.
A
Organização Mundial da Saúde (OMS) já classifica a obesidade como uma epidemia,
atingindo cerca de 18% das crianças e adolescentes entre 5 e 18 anos.
Dados
do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) apontaram que, em
2017, 53% dos adolescentes do Ceará, acompanhados pela atenção básica do SUS,
estavam se alimentando mal, consumindo produtos industrializados regularmente.
Dados do Ministério da Saúde de 2018, colocam o Ceará no segundo lugar no
ranking do Nordeste de crianças com obesidade, atingindo 10,51% das menores de
5 anos (Ministério da Saúde, 2018).
Em
2014 o Ministério da Saúde publicou o Guia Alimentar para a População
Brasileira com diretrizes nacionais e recomendações sobre alimentação adequada
e saudável, tendo como regra elementar a preferência por “alimentos in natura
ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos
ultraprocessados”.
Diante
disto, o Ministério da Saúde sugere “a implementação de normas e
regulamentações para cantinas de escolas públicas e privadas com objetivo de
limitar a venda de alimentos não saudáveis, considerando que o ambiente em que
crianças e adolescentes fazem suas escolhas alimentares precisa favorecer as
opções saudáveis e protegê-los dos fatores que contribuem para as doenças
relacionadas à alimentação. As cantinas escolares que muitas vezes oferecem
alimentos de baixo valor nutricional contribuem para escolhas não saudáveis
pelas crianças e, é papel do estado priorizar o ambiente escolar como um dos
espaços para o desenvolvimento de estratégias de Promoção da Alimentação
Adequada e Saudável.” (Ministério da Saúde, 2018).
A
fabricação de alimentos ultraprocessados, feita em geral por indústrias de
grande porte, envolve diversas etapas e técnicas de processamento e muitos
ingredientes, dentre eles, sal, açúcar, óleos, gorduras e substâncias de uso
exclusivamente industrial. Sendo, ainda, ingredientes de uso industrial comuns
nesses produtos as proteínas de soja e do leite, extratos de carnes,
substâncias obtidas com o processamento adicional de óleos, gorduras,
carboidratos, bem como substâncias sintetizadas em laboratório a partir de
alimentos e de outras fontes orgânicas como petróleo e carvão (BRASIL, 2014).
Além
disso, alimentos ultraprocessados possuem composição nutricional desbalanceada
e são processados com alto teor de gorduras, açúcares e de sódio, para estender
sua duração e intensificar o sabor, ou mesmo para encobrir sabores indesejáveis
oriundos de aditivos ou de substâncias geradas pelas técnicas envolvidas no
ultraprocessamento.
Ainda,
em razão da ausência ou da presença limitada de alimentos in natura nesses
produtos, tendem a ser muito pobres em fibras. Estas, essenciais para a
prevenção de doenças do coração, diabetes e vários tipos de câncer.
Essa
mesma condição faz com que os alimentos ultraprocessados sejam igualmente
pobres em vitaminas, minerais e em outras substâncias com atividade biológica
que estão naturalmente presentes em alimentos in natura ou minimamente
processados (BRASIL, 2014).
Sua
composição nutricional desbalanceada favorece doenças do coração, diabetes e
vários tipos de câncer, além de contribuir para aumentar o risco de
deficiências nutricionais, pois geralmente são consumidos ao longo do dia,
substituindo das refeições principais alimentos essenciais como frutas, leite,
água e preparações culinárias.
Outros
prejuízos à saúde inerentes ao consumo desses alimentos é o comprometimento dos
mecanismos que sinalizam à saciedade e controlam o apetite, favorecendo, assim,
o consumo involuntário de calorias e aumentando o risco de obesidade. Entre
essas características, destacam-se:
HIPERSABOR:
com a “ajuda” de açúcares, gorduras, sal e vários aditivos, alimentos
ultraprocessados são formulados para que sejam extremamente saborosos, quando
não para induzir hábito ou mesmo para criar dependência.
COMER
SEM ATENÇÃO: a maioria dos alimentos ultraprocessados é formulado para ser
consumido em qualquer lugar e sem a necessidade de pratos, talheres e mesas. É
comum o seu consumo em casa enquanto se assiste a programas de televisão, na
mesa de trabalho ou andando na rua.
TAMANHOS
GIGANTES: em face do baixo custo dos seus ingredientes, é comum que muitos
alimentos ultraprocessados sejam comercializados em recipientes ou embalagens
gigantes e a preço apenas ligeiramente superior ao de produtos em tamanho
regular, aumentando, portanto, o risco de obesidade.
CALORIAS
LÍQUIDAS: no caso de refrigerantes, refrescos e muitos outros produtos prontos
para beber, o aumento do risco de obesidade é em função da comprovada menor
capacidade que o organismo humano tem de “registrar” calorias provenientes de
bebidas adoçadas.
Nesse
contexto, estudos reforçam hipóteses de que a obesidade não tratada durante a
infância aumenta a chance de desenvolvimento da obesidade na vida adulta,
contribuindo com o aumento dos riscos de desenvolvimento de doenças
cardiovasculares (MEDEIROS ER et al., 2018).
Ainda,
segundo a OMS, aproximadamente 41 milhões de crianças com idade abaixo de 5
anos são obesas ou apresentam sobrepeso em todo o mundo. Essas prevalências são
observadas com maior prevalência em países de renda baixa e média, com aumento
de 4,8% para 6,1% entre 1990 e 2014 (ONU, 2019).
Já
o panorama da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
(FAO) e a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) aponta que na América
Latina e Caribe, 7,2% das crianças menores de cinco anos estão com sobrepeso, o
que representa um total de 3,9 milhões de crianças, sendo que 2,5 milhões moram
na América do Sul, 1,1 milhão na América Central e 200 mil no Caribe (FAO/OPAS,
2016).
As
taxas mais elevadas de sobrepeso infantil entre 1990 e 2015 foram registradas –
em números totais - na América Central (onde a taxa cresceu de 5,1% para 7%), o
maior aumento na prevalência foi registrado no Caribe (cuja taxa aumentou de
4,3% a 6,8%) (FAO/OPAS, 2016).
Em
relação às crianças brasileiras, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF)
mostrou que a prevalência de excesso de peso na faixa etária de 5 a 9 anos
variou de 32 a 40% em crianças do Sudeste, do Sul e do Centro-Oeste, e de 25 a
30% no Norte e no Nordeste. Já a prevalência de obesidade atinge mais de 14%
das crianças brasileiras (IBGE). E, ao observar esses valores, fica claro que o
aumento da prevalência de excesso de peso e obesidade entre crianças tem
ocorrido de forma acelerada em curto período de tempo.
De
acordo com a VIGITEL (2016), em 10 anos, as doenças crônicas avançaram com
aumento de 61,8% de casos de diabetes e aumento de 14,2% de casos de
hipertensão em adultos. O excesso de peso cresceu 26,3% e a obesidade, cresceu
60% em dez anos. Isso acarretou em um investimento do Governo Federal de R$
1,08 Bilhão para os municípios realizarem a compra de medicamentos para Atenção
Básica, incluindo diabetes e hipertensão em 2016. Diante desse cenário, é
notória a necessidade de ações de promoção da saúde e prevenção, para reduzir a
mortalidade prematura por doenças crônicas não transmissíveis.
Outros
dados importantes estão no relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) que
revela que os países mais pobres do mundo podem ganhar US$ 350 bilhões até 2030
aumentando os investimentos na prevenção e tratamento de doenças crônicas não
transmissíveis, como as doenças cardíacas e o câncer, que, juntos, custam US$
1,27 por pessoa a cada ano. Tais ações salvariam mais de 8 milhões de vidas no
mesmo período. O relatório indica que a adoção de medidas eficazes para
prevenir e controlar as DCNTs custa apenas US$ 1,27
por pessoa a cada ano nesses países. Os ganhos em saúde desse investimento, por
sua vez, gerariam US$ 350 bilhões, evitando os custos com a saúde e aumentando
a produtividade até 2030, além de salvar 8,2 milhões de vidas durante o mesmo
período (OPAS Brasil, 2018).
Nesse
contexto, conclui-se que medidas governamentais devem ser adotadas visando a
promoção da saúde e o controle do aumento da obesidade entre crianças
brasileiras, fortalecendo, inclusive, o programa de alimentação escolar saudável
imprescindíveis para combater essa realidade. Diante disto, peço a colaboração
dos meus excelentíssimos pares para a aprovação desta importante proposição que
foi construída juntamente ao Conselho Regional de Nutricionista – 6ª Região.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL.
Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed.
Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
BRASIL.
Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de
Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Vigitel Brasil, 2016.
FAO/OPAS.
América Latina y el Caribe. Sobrepeso afeta quase
metade da população de todos os países da América Latina e Caribe. Panorama de la Seguridad Alimentaria y
Nutricional em América Latina y el Caribe 2016.
FAO/OPAS.
América Latina y el Caribe. Sobrepeso afeta quase
metade da população de todos os países da América Latina e Caribe. Panorama de la Seguridad Alimentaria y
Nutricional em América Latina y el Caribe 2016.
IBGE
– Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos
Familiares 2008-2009 – POF. Rio de Janeiro, 2010.
Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (Brasil). Pesquisa de orçamentos
familiares 2008-2009: antropometria e estado
nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Rio de Janeiro.
IBGE. 2010.
INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). POF 2008 –2009. Antropometria e estado nutricional de crianças,
adolescentes e adultos no Brasil, 2010.
Medeiros
ER, Pinto ESG, Paiva ACS, Nascimento CPA, Rebouças DGC, Silva SYB. Facilidades
e dificuldades na implantação do Programa Saúde na Escola em um município do
nordeste do Brasil. Rev Cuid.
2018; 9(2): 2127-34. https://doi.org/10.15649/cuidarte.v9i2.514
Ministério
da Saúde (BR). Guia Alimentar da população brasileira [Internet]. 2 ed.
Brasília: MS. 2014. 156 p. Disponível em:
http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira.pdf
Ministério
da Saúde (BR). No Ceará, 53% dos adolescentes acompanhados no SUS consomem
produtos industrializados [Internet]. Brasília: MS. 2018. Disponível em:
http://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/44511-no-ceara-53-dos-adolescentes-acompanhados-no-sus-consomem-produtos-industrializados
NG, M. et al. Global, regional, and national
prevalence of overweight and obesity in children and adults during 1980-2013: a
systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. The Lancet, v. 384, p. 766-81, 2014.
ONU.
Organização das Nações Unidas. Brasil assume compromisso de frear avanço da
obesidade até 2019.
OPAS
Brasil. Investir no controle de doenças crônicas não transmissíveis gera
grandes retornos financeiros e de saúde, afirma OMS. OMS; 2018.
REIS,
C. E. G.; VASCONCELOS, I. A. L.; BARROS, J. F. N. Políticas públicas de
nutrição para o controle da obesidade infantil. Revista Paulista de Pediatria.,
v. 29, n. 4, p. 625 –33, 2011.
VITOLO
MR. Nutrição: da gestação ao envelhecimento. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2015.
ANEXO
I
Alimentos
ultraprocessados (rol exemplificativo e similares):
Achocolatados;
Biscoitos
recheados;
Balas
e guloseimas;
Barras
de cereais;
Bebidas
energéticas;
Cereais
açucarados matinais;
Caldos
com sabor carne, frango, peixe ou de legumes;
Iogurtes
e bebidas lácteas adoçadas e aromatizadas;
Misturas
para bolos;
Mistura
para sopas em pó;
Macarrão
e temperos “instantâneos”;
Maionese
e outros molhos prontos
Pó
para refrescos;
Produtos
congelados e prontos para consumo (massas, pizzas, hambúrgueres, nuggets, salsichas e outros embutidos);
Pães
doces e produtos de panificação que possuem substâncias como gordura vegetal
hidrogenada, açúcar e outros aditivos químicos;
Queijos
ultraprocessados;
Refrigerantes;
Salgadinhos
“de pacote”;
Sorvetes
industrializados.