PROJETO DE LEI N° 431/19
“ALTERA A LEI N° 13.230, DE 27 DE JUNHO DE 2002.”
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º O Artigo 1º da Lei nº 13.230, de 27 de junho de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1º Fica autorizada a criação, nas escolas da rede pública e nas escolas privadas do Estado do Ceará, de comissões de proteção e prevenção à violência contra a criança e o adolescente.”
Art. 2º O Artigo 2º da Lei nº 13.230, de 27 de junho de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 2º Compete à Comissão de Proteção e Prevenção à Violência contra a Criança e Adolescente:
I – desenvolver, com a comunidade escolar, planos de prevenção às diversas expressões de violência previstas na Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, identificadas no ambiente escolar;
II – notificar e tomar as medidas cabíveis, do ponto de vista educacional e legal, nos casos de violência contra a criança e o adolescente, bem como realizar o devido encaminhamento às instituições e autoridades competentes, quando necessário;
III – implantar protocolo único de registro, sistematização e notificação nas escolas para os casos de violência contra crianças e adolescentes;
IV – notificar os casos de suspeita de violência ao Conselho Tutelar, nos termos da legislação vigente.
§ 1º Os planos a que se refere o inciso I devem contemplar o disposto nas leis estaduais n° 14.178/2008, que institui a Semana Estadual de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, n° 16.044/2016, que institui a Semana Maria da Penha na Rede Estadual de Ensino, nº 16.481/2017, que cria a semana Janaína Dutra de promoção do respeito à diversidade sexual e de gênero no Estado do Ceará, n° 16.482/2017, que institui a Semana Estadual de Prevenção aos Homicídios de Jovens no âmbito do Estado do Ceará, nº 16.483/2017, que institui a Semana de Conscientização e Prevenção ao Suicídio nas Escolas da Rede Pública Estadual e Universidades Estaduais do Ceará.
§ 2º Os estabelecimentos de ensino da educação básica manterão ações permanentes de sensibilização e formação da comunidade escolar para prevenção à violência e promoção dos direitos da criança e do adolescente.”
Art. 3º O Artigo 3º da Lei nº 13.230, de 27 de junho de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 3º O protocolo único de registro, sistematização e notificação dos casos atendidos pelas comissões de proteção e prevenção à violência contra a criança e o adolescente nas escolas constará das seguintes ações:
I – registro dos casos recebidos em formulário unificado, produzido pelas Secretarias de Educação do Estado;
II – sistematização dos atendimentos realizados a fim produzir dados que subsidiem políticas de prevenção à violência contra a criança e o adolescente;
III – notificação dos casos de suspeita de violência, bem como de demandas especiais e urgentes da criança e do adolescente, ao Conselho Tutelar, de acordo com os artigos 13 e 245 da Lei Federal 8.069/1990, sem prejuízo da notificação às demais autoridades competentes, quando necessário.
Parágrafo Único. A comissão de proteção e prevenção à violência contra a criança e o adolescente, por meio da unidade escolar, será responsável pela guarda e manutenção, em sigilo, dos documentos de sistematização dos atendimentos, sob responsabilidade da unidade escolar.”
Art. 4º O Artigo 4º da Lei nº 13.230, de 27 de junho de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 4º Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das condutas criminosas, as formas de violência são as definidas no artigo 4° da Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, e no artigo 6º da Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019.”
Art. 5º O Artigo 5º da Lei nº 13.230, de 27 de junho de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 5º A Comissão de Proteção e Prevenção à Violência contra a Criança e o Adolescente deverá ser composta dos seguintes membros:
I – o Diretor Escolar;
II – 01 (um) professor, podendo ser membro do Conselho Escolar;
III – 01 (um) funcionário da escola, podendo ser membro do Conselho Escolar.
§ 1º Os representantes a que se referem os incisos II e III serão escolhidos entre seus pares mediante processo eletivo.
§ 2º O mandato dos representantes a que se referem os incisos II e III será de 2 (dois) anos, permitida uma recondução mediante novo processo de escolha.”
Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
RENATO ROSENO
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA
A presente proposta visa aprimorar e atualizar a Lei nº 13.230/2002 que dispõe sobre a criação de comissões de atendimento, notificação e prevenção à violência doméstica contra criança e adolescente nas escolas de rede pública e privada do Estado do Ceará.
A referida Lei foi fundamental para a visibilidade da violência conta a criança e o adolescente no Estado. Há dezessete anos a Lei 13.230/2002 significou uma quebra de paradigma na atuação do Sistema de Garantia de Direitos, incluindo no processo educacional, o debate sobre a importância da obrigatoriedade do cumprimento a toda legislação vigente, quanto à notificação dos casos de violência contra a criança e o adolescente. O momento e os novos formatos de violência que, inclusive, implicam diretamente o ambiente escolar impõem a atualização de alguns aspectos da Lei.
Preliminarmente, importa salientar que o projeto ora apresentado não implica em aumento de despesas para o Poder Executivo nem altera a competência e estrutura organizacional da Administração Direta e Indireta, estando em plena sintonia com os ditames do artigo 60 da Constituição do Estado do Ceará. Não fere, portanto, a competência de iniciativa do processo legislativo atribuída privativamente ao Governador do Estado, haja vista, que não cria estrutura organizacional do Poder Executivo.
Durante o período da realização do processo constituinte brasileiro (1988), se conclui o longo processo de estabelecimento da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), tratado de direitos humanos que reconhece a titularidade da criança como sujeito de direitos humanos gerais e especiais no sistema internacional de direitos humanos.
A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu artigo 227, que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
O referido artigo é amplamente utilizado pela literatura jurídica como base legal para a elaboração da doutrina da proteção integral da criança e do adolescente. A Constituição Federal define, com prioridade absoluta, a criança e o adolescente como foco central de todas as preocupações institucionais, notadamente a destinação de recursos públicos, o atendimento nos serviços públicos e a destinação de proteção e socorro em circunstâncias de violência e negligência.
Os princípios constantes do artigo 227 da Constituição Federal e do artigo 3º do ECA são autoaplicáveis. É necessário, entretanto, que políticas públicas sejam produzidas a fim de assegurar os direitos previstos nas referidas normas. Nesse sentido, o artigo 13 do ECA expressa que “os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.”
A preocupação constitucional não se limita à redação do artigo 227 da Constituição Federal, expressando-se também nos textos constitucionais dos demais entes da federação, notadamente os estados. No Estado do Ceará, o Título VIII, Capítulo IX da Constituição Estadual (“Da família, da criança, do adolescente, do idoso e da mulher”) contém dispositivos de proteção aos direitos da criança e do adolescente. O artigo 272 reproduz o comando do artigo 227 da Constituição Federal, elencando uma série de direitos que devem ser prestados através das ações promovidas pela família, sociedade e pelo Estado.
Todo esse processo culminou com uma radical mudança paradigmática: a visão da “criança-objeto”, presente no Código de Menores, traduzindo uma perspectiva higienista, menorista e correicional é substituída, a partir da mobilização social, pela visão da criança como sujeito de direitos, como se identifica no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O Brasil foi o primeiro país a promulgar, em 1990, um marco legal em consonância com a Convenção sobre os Direitos da Criança, o ECA, decorrido apenas um ano de sua aprovação no âmbito das Nações Unidas. Ao reconhecer a cidadania e a condição humana da criança e do adolescente e a condição de sujeitos de direitos, assumem todos a responsabilidade pela promoção, controle e garantia desses direitos.
O ECA traz caminhos, como as políticas de garantia de direitos, que propõem e detalham os deveres de instituições e atores em relação ao tratamento a ser dispensado a crianças e adolescentes no país, também previstas na Constituição Federal.
Nesse contexto, a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará aprovou a Lei nº 13.230/2002, que “dispõe sobre a criação de comissões de atendimento, notificação e prevenção à violência doméstica contra criança e adolescente nas escolas de rede pública e privada do Estado do Ceará”.
Esta importante iniciativa buscou concretizar os princípios constitucionais, bem como os ditames constantes no Estatuto da Criança e do Adolescente, de proteção contra negligência, exploração, opressão, violência, crueldade e discriminação. A comissão criada nas escolas, através do exposto no artigo 5º da referida lei, deve ser composta por representantes dos professores, de pais e mães dos estudantes, da comunidade, dos estudantes e do Conselho Escolar.
A atenção com atos de violência praticados contra a criança e o adolescente das redes pública e privada de ensino ampliou-se, do ponto de vista legal, mediante leis que buscaram coibir essa prática, especialmente dentro do ambiente escolar. A lei de combate ao bullying nas escolas, Lei Federal 13.663/2018, inclui entre as atribuições das escolas a promoção da cultura da paz e medidas de conscientização e prevenção a diversos tipos de violência. O texto acrescenta à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – lei 9.394/1996), dispositivos para determinar que as instituições de ensino deverão promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente intimidação sistemática (bullying) e ainda estabelecer ações destinadas a promover a cultura de paz nas escolas.
Desde 2002, a lei em questão constitui importante ferramenta de proteção e prevenção à violência praticada contra a criança e o adolescente no ambiente doméstico. Entretanto, a sociedade complexificou-se e faz-se necessário proceder a algumas atualizações para aproximar a legislação do dia a dia do ambiente escolar.
Quando se trata de violência contra a criança e o adolescente, a grande estratégia é a prevenção, uma vez que políticas com tal intuito evitarão a ocorrência de agressões. Considera-se que, no momento em que a violência ocorre, todo o sistema de garantia de direitos já falhou.
Nos últimos anos, o Brasil teve avanços significativos na garantia dos direitos da criança e do adolescente, a exemplo da redução da mortalidade infantil. No entanto, as desigualdades sociais ainda afetam grande parte das crianças e adolescentes do país, violando seus direitos e fazendo com que muitos não cheguem à vida adulta. Isso porque, ao serem excluídos das políticas públicas, esses meninos e meninas correm o risco de serem vítimas de formas extremas de violência.
Um forte indicador de que esse tema demanda constante diálogo e reflexão é que os índices de homicídios, violência sexual e violência contra adolescentes no sistema socioeducativo têm se tornado uma questão crítica no país. Desde 2012, a taxa de homicídios de adolescentes tem sido mais alta do que a da população em geral. E há um perfil claro dos adolescentes mortos: são, em sua maioria, meninos negros, pobres, moradores das periferias dos grandes centros urbanos, muitos dos quais estavam fora da escola há pelo menos seis meses antes de serem assassinados.
Ao mesmo tempo em que crescem os homicídios de adolescentes, aumenta também o número de meninos e meninas cumprindo medidas socioeducativas em meio fechado. Isso significa que a internação dos adolescentes não tem ajudado a reduzir a violência.
O País precisa, com urgência, adotar medidas efetivas de prevenção e resposta a formas extremas de violência. Se o cenário atual se mantiver, 43 mil meninos e meninas podem ser assassinados no Brasil entre 2015 e 2021 (IHA 2014).
A escola é o local privilegiado para o processo de educação necessário para a prevenção aos diversos tipos de violência, porque trabalha com o conhecimento, com valores, atitudes e a formação de hábitos. Ao mesmo tempo, pode também ser local de violação de direitos ou de identificação de violações cometidas em outros espaços sociais.
Entendemos que um projeto de escola que busque a formação da cidadania, precisa ter como objetivos: fazer com que a escola se torne mais atualizada, debatendo a violência e os direitos humanos a partir do processo de conscientização permanente, relacionando esses conteúdos ao currículo escolar; incentivar comportamentos de trocas, de solidariedade e de diálogos; e, sobretudo, ser ponte entre a criança e o adolescente vítima de violência e os diversos mecanismos de proteção presentes no Sistema de Garantia de Direitos.
As alterações que ora propomos foram dialogadas com representantes de diversos segmentos que participam do cotidiano da escola: professores, organizações não-governamentais que atuem com direito à educação de crianças e adolescentes, servidores das Secretarias de Educação (SEDUC) e diversas outras entidades da sociedade civil e do Poder Público.
Tratam-se de adequações aos novos cenários da violência e do papel que a escola tem na prevenção. Um dos principais objetivos almejados com as alterações propostas é melhor definir as atribuições das comissões para a prevenção, criar protocolos que unifiquem o atendimento e possibilitem a sistematização dos dados com vistas a possibilitar sua utilização na formulação de políticas públicas.
A escola tem importante papel para o funcionamento do Sistema de Garantia de Direitos, sobretudo com relação às ações de prevenção à violência. Para isso, as comissões de proteção e prevenção à violência nas escolas devem dispor de ferramentas que busquem garantir o anonimato ao denunciante de violência ou suspeita de violência; a proteção da criança ou do adolescente no ambiente escolar; o sigilo dos dados fornecidos e caso denunciado e a sistematização de dados que possam auxiliar na formulação de políticas públicas.
É fundamental ressaltar as atribuições das referidas comissões no âmbito da prevenção à violência praticada contra crianças e adolescentes no âmbito escolar. Para isso, sugere-se o desenvolvimento de planos de prevenção que incorporem ações envolvendo a comunidade escolar, como o estabelecimento de protocolo único de atenção, o registro, a sistematização e a notificação dos casos atendidos.
Por último, busca-se definir a composição da comissão de proteção e prevenção às violências com o objetivo de resguardar o sigilo das informações e a proteção à vítima e ao denunciante.
Ressalte-se que a proposta apresentada obedece aos ditames legais no que diz respeito à constitucionalidade da iniciativa e do mérito, tendo em vista que se adequa aos preceitos do artigo 60 da Constituição do Estado do Ceará. O referido projeto não implica em aumento de despesas (§1º) tampouco cria cargos ou altera a estrutura organizacional da Administração Pública (§2º), razão pela qual a iniciativa da proposição pode ser do Poder Legislativo.
Certo que a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará continuará a envidar esforços institucionais na defesa dos direitos da criança e do adolescente, solicitamos aos Pares aprovação da referida matéria, a fim de fortalecermos os mecanismos legais de proteção e prevenção à violência cometida dentro e fora do ambiente escolar.
RENATO ROSENO
DEPUTADO