PROJETO DE LEI N°348/19
DISPÕE SOBRE O ABANDONO AFETIVO DE IDOSOS NO ESTADO DO CEARÁ E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º Fica proibido, no âmbito do Estado do Ceará, o abandono afetivo de idosos em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado.
Parágrafo único. Constitui objetivo desta Lei tornar mais clara a legislação vigente que dispõe sobre o abandono afetivo de idosos e suas sanções, caso a falta da afetividade acarrete consequências à saúde física ou mental do idoso.
Art. 2º Para efeitos desta Lei, considera-se abandono afetivo qualquer situação que caracterize a falta de comprometimento e acompanhamento do responsável pelo idoso em suprir suas necessidades afetivas, em circunstâncias como:
I – A falta de visitas periódicas;
II – O não comparecimento em datas comemorativas da vida do idoso;
III – O não acompanhamento presencial em situações de complicações na saúde do idoso, quando devidamente comunicado;
IV – Ausência de contato telefônico ou por qualquer outro meio eletrônico, e;
V – Outras situações semelhantes que a autoridade competente defina como abandono afetivo.
Art. 3º Constitui obrigação das entidades de atendimento comunicar a situação de abandono afetivo ou material por parte dos familiares ao Ministério Público, para as providencias cabíveis.
Parágrafo único. Qualquer indivíduo que detenha conhecimento da situação de abandono afetivo poderá realizar denúncia ao Ministério Público.
Art. 4º As instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos prestadoras de serviços ao idoso terão direito à assistência judiciária gratuita para o que dispõe nesta Lei.
Art. 5º As entidades públicas e privadas destinadas ao cuidado de idosos deverão anexar uma cópia desta Lei na entrada do estabelecimento com o objetivo de dar ciência aos familiares ou responsáveis de que o abandono afetivo pode se caracterizar crime.
Art. 6º O não cumprimento desta Lei, sujeitará o infrator à pena prevista no art. 98 da Lei Federal nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, bem como no que dispõe o art. 133 do Decreto-Lei Federal nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, sem prejuízo das sanções de natureza civil, penal e definidas em normas específicas.
Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
NELINHO
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA
De acordo o desembargador Jones Figueiredo Alves, presidente nacional da Comissão de Magistrados do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), denomina-se abandono afetivo inverso “a inação de afeto ou, mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos”.
O idoso ao sofrer de desafeto pela família, também perde seus objetivos, envelhecendo e adoecendo mais rapidamente.
O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial. No Ceará, existem mais de 900 mil idosos, o que representa mais de 10% da população, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas, apesar de alguns avanços na área social, ainda são muitas as formas de violência que os idosos sofrem no dia a dia.
O Ceará desponta como o estado nordestino com maior número de denúncias registradas no Disque 100 nos anos de 2017 e 2018, numa média de 1.500 denúncias registradas por ano, sendo que 40% correspondem a negligencia, 30% sobre violência psicológica, 20% de abuso financeiro e 10% sobre violência física ou sexual.
A nossa Constituição Federal em seu artigo 229 afirma que os filhos maiores tem o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade; assim como o artigo 230, também da Carta Magna, disciplina o amparo ao idoso, defendendo sua dignidade e bem estar, garantindo-lhe o direito à vida, reconhecendo ser “dever da família, da sociedade e do Estado, amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar, garantindo-lhes o direito à vida”.
Embora o dever de cuidado das famílias para com os idosos seja regulamentado juridicamente em seu artigo 98 da Lei Federal nº 10.741, Estatuto do Idoso, há um dever determinado pelo respeito e pelo afeto dos laços familiares que independem de jurisdição, que não necessitam de regulamentação, embora muitos sofrem por abandono material e afetivo sem a mínima satisfação de suas necessidades básicas e afetivas, deixando de cumprir com seu dever de zelo e proteção ao idoso.
Os direitos inerentes à família estão estabelecidos constitucionalmente, nos artigos 226 e seguintes, sendo esta, uma instituição responsável pela formação da pessoa humana.
O referido artigo estabelece uma relação jurídica obrigacional, sendo o idoso sujeito ativo, titular dos direitos e a família, a sociedade e o Estado, são os sujeitos passivos com deveres jurídicos.
É importante ressaltar ainda que, ao analisar o disposto no artigo 230, a família é a que primeiro aparece como protetora de seus idosos, elencando os seus direitos como à vida, à liberdade, à manifestação, à saúde, à habitação, à segurança social, à educação, dentre outros. Assegurando os princípios da dignidade e da solidariedade.
Pode-se afirmar, em consonância com o artigo 229 da Constituição Federal de 1988, que, no binômio da relação pais e filhos, dado o dever de cuidado recíproco, “os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência e enfermidade”, ficando estabelecida a obrigação de forma recíproca, o dever de sustento dos pais em relação aos filhos, e destes em relação aos pais.
No julgamento do Resp. 1.159.242/SP (2006), a ministra do STJ, Nancy F. Andrighi, considerando o dever dos filhos para com seus genitores, a falta do cuidar serve de premissa e base para a indenização, pela infração do princípio da afetividade. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp. 1.159.242/SP, manifestou entendimento favorável à aceitação de indenização por abandono afetivo.
Apesar de ter sido caracterizado o dano moral por abandono afetivo na relação entre pai e filho, passou a servir de precedente para decisões de instâncias inferiores. Dessa forma, em casos de abandono afetivo de idoso, referido julgado pode servir como fundamento para reparação dos danos morais quando caracterizada a negligência familiar, conforme Recurso Especial nº 1.159.242/SP, do STJ, da relatora ministra Nancy Andrighi.
Com a possibilidade de cumular danos morais com danos materiais, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no julgamento do Recurso APL: 15391645 PR 1539164-5 (Acórdão), Relator: Gilberto Ferreira, em ação indenizatória deu provimento ao recurso, pois restou comprovado danos morais pelo abandono afetivo da idosa e danos materiais.
A triste realidade de abandono afetivo de idosos em hospitais e lares de longa permanência deve ser combatida com todas as forças pelo Estado, a presente propositura é um passo fundamental para o combate e tal prática. Além disso, o presente projeto encontra-se respaldado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, princípio este que se encontra na Carta Magna, em seu artigo 1º, inciso III, acompanhado de outros direitos e garantias fundamentais.
Para a nobre Jurista Maria Berenice Dias (2013. P.139): "a sua aplicação no plano afetivo é indiscutível, uma vez que pode ser identificado como sendo o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções". Ademais, por se tratar de matéria concorrente, o presente projeto está resguardado pela Constituição Federal, conforme segue:
“Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;”
Sendo assim, considerando a legitimidade da proposição, o não aumento de despesas ao Poder Executivo, o respaldo constitucional da matéria e a não inovação do ordenamento jurídico em competências privativas da União, contamos com o apoio dos Nobres Pares da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará para aprovação do presente Projeto de lei.
NELINHO
DEPUTADO