PROJETO DE LEI N° 342/19
DISPÕE SOBRE A CRIAÇÃO, O MANEJO, O COMÉRCIO E O TRANSPORTE DE ABELHAS SEM FERRÃO (MELIPONÍNEOS) NO ESTADO DO CEARÁ.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1o – Ficam permitidos, nos termos desta Lei, a criação e o manejo de abelhas sem ferrão no Estado do Ceará, e definida a meliponicultura como atividade agropecuária conforme a legislação vigente afim à regulamentação do setor no Estado do Ceará.
§1º – O caput de que trata este artigo considera a meliponicultura nos termos da criação, da proteção, da guarda, das diversas formas de manejo sustentável, da aquisição, da permuta, da exposição, do trânsito e do comércio de colônias de abelhas sem ferrão (meliponíneos), de parte destas, de espécimes, bem como, do uso dessas abelhas nos serviços de polinização de culturas agrícolas e das espécies vegetais do ambiente local.
§2º – Cabe ao órgão estadual competente a responsabilidade de registrar os meliponários estabelecidos nos termos desta Lei, de acordo com suas exigências sanitárias e de funcionamento do estabelecimento, autorizar nestes termos, alterações cadastrais e operacionais necessárias no âmbito do criatório, e fiscalizar (as) espécie (s) de abelhas em exploração, a localização geográfica do criatório e os dados pessoais do meliponicultor ou da empresa.
Art. 2o – Fica definida a atividade agropecuária da meliponicultura, no Estado do Ceará, como uma atividade que pode ser exercida com fins lucrativos (criação no meio rural ou no meio urbano na forma profissional) ou sem fins lucrativos (criação no meio rural ou no meio urbano na forma amadorista, educativa e incentivadora de criatórios).
§1º – Fica definido que, para a meliponicultura com fins lucrativos, não haverá limitação do número quantitativo de colônias por meliponário.
§2º – Fica definido que, para a meliponicultura sem fins lucrativos, nas modalidades amadoristas e educativas de criatórios, haverá limitação do número quantitativo de colônias por meliponário em cinqüenta colônias por criatório, quer seja de uma espécie ou de mais de uma espécie.
§3º – Fica definido que, para a meliponicultura sem fins lucrativos, na modalidade incentivadora de criatórios, não haverá limitação quantitativa do número de colônias por criatório.
Art. 3o – Nos termos desta Lei, ficam definidas as seguintes especificações e denominações:
I - abelhas nativas, abelhas sem ferrão, abelhas nativas sem ferrão e abelhas indígenas sem ferrão: são termos populares que designam as espécies de meliponíneos;
II - meliponíneos: abelhas sociais da ordem Hymenoptera pertencentes à família Apidae, à subfamília Apinae, à tribo Meliponini (Michener 2007) que podem ser criadas em colmeias, de onde desempenham plenamente suas atividades biológicas e comportamentais, além de, livremente, promoverem a polinização da flora nativa;
III - colônia: nas abelhas sociais refere-se ao conjunto de indivíduos que vivem em um mesmo ninho, formando uma sociedade composta por uma ou mais rainhas, operárias e zangões;
IV - favos ou discos de cria: nas colônias de meliponíneos referem-se ao conjunto de células, onde se desenvolvem as crias, agrupadas em favos compactos horizontais, helicoidais ou verticais, bem como, em favos em cachos, cujas células são esparsas e ligadas entre si por pilares de cerume;
V - colméia: ninho artificial para abrigar as colônias de abelhas sem ferrão preparado na forma de caixas racionais ou de estruturas rústicas, como troncos de árvores, cabaças, vasos de cerâmica e outros tipos;
VI - ninhos-isca ou ninhos-armadilha: recipientes construídos ou aproveitados, conforme se utilizem madeira, papelão, garrafas plásticas (PET), caixas de leite etc., tendo a finalidade de atrair enxames de abelhas sem ferrão, para a formação de colônias nos meliponários.
VII - meliponicultura: no contexto desta proposta de lei entende-se como a criação de meliponíneos nas suas diversas formas (criação profissional, amadorista e educativa no meio rural ou urbano, conforme o caput do Art. 1o);
VIII - meliponário: espaço estabelecido para a criação de espécies de abelhas sem ferrão compondo um conjunto de colônias alojadas em colmeias apropriadamente preparadas para o manejo, manutenção e proteção dessas abelhas;
IX - meliponicultor: pessoa que mantém colônias de meliponíneos em locais apropriados (meliponários) com o objetivo de utilizá-las na produção principalmente de mel, pólen, própolis e de colônias para uso próprio ou para a comercialização, bem como, nos serviços de polinização de espécies de culturas agrícolas e das espécies silvestres visando a conservação sustentável do meio ambiente;
X - manejo: as diversas formas de conduzir a criação de abelhas sem ferrão levando-se em conta, principalmente, o local adequado para a implantação do meliponário, a acomodação das colônias em modelos de colmeias condizentes com as finalidades exploratórias do criatório, os métodos de multiplicação e de alimentação das colônias, as inspeções periódicas das colmeias, dentre outros;
XI - conservação: refere-se à proteção dos recursos naturais implicando no uso racional desses recursos garantindo, porém, sua sustentabilidade e existência para as gerações futuras; a meliponicultura inclui-se neste conceito.
Art. 4o – Fica definido que os meliponários já estabelecidos e a se estabelecerem nos seus municípios e, devidamente reconhecidos pelo órgão estadual competente, passam a ser considerados como unidades representativas de criatórios de espécies de abelhas sem ferrão já submetidas às técnicas de manejo seculares e modernas que vinculam o desempenho de suas colônias dentro do padrão característico de indivíduos criados livremente.
Art. 5o – Fica definido que a utilização específica de colônias de abelhas sem ferrão para realizar a polinização de culturas agrícolas e similares em casa de vegetação, é indispensável a existência de responsabilidade técnica, nos termos desta Lei, em função de cada espécie utilizada, para que as colônias não ultrapassem o tempo permitido, tecnicamente, dentro do recinto e, seja assegurado o manejo adequado para a manutenção das funções biológicas das colônias.
Art. 6° – Ficam definidas, no anexo único desta Lei, as espécies de abelhas sem ferrão que podem ser criadas na forma que indica e na forma determinada nesta Lei.
Art. 7o – Cabe às classes profissionais de Engenheiro Agrônomo, Engenheiro Florestal, Biólogo, Veterinário e Zootecnista a responsabilidade técnica na orientação da criação das diversas espécies de abelhas sem ferrão do estado do Ceará.
Art. 8o – A ampliação de meliponários somente poderá ser realizada através da divisão artificial de colônias, da aquisição de colônias em meliponários registrados ou da captura de enxames na natureza por meio de métodos não destrutivos já em uso, como os ninhos-isca, conforme ditam as legislações pertinentes em vigor.
Art. 9o – Ficam liberados, nos termos desta Lei, a criação, o manejo, o comércio e as demais atividades que envolvam colônias de abelhas sem ferrão dentro de zona rural ou urbana no Estado do Ceará.
Parágrafo único – Para a criação de abelhas sem ferrão em áreas urbanas deverão ser respeitadas as disposições previstas no Plano Diretor Municipal de cada Cidade em que se desenvolver essa atividade.
Art. 10 – Como garantia da proteção das abelhas sem ferrão nos ambientes naturais (in situ) do estado do Ceará, é proibida a coleta de colônias dessas abelhas diretamente nos seus ninhos na natureza.
Parágrafo único – Em casos especiais, contudo, como em áreas de derrubadas de matas, de tragédias naturais ou de outras situações urgentes e relevantes os meliponicultores registrados poderão solicitar autorização para a coleta de colônias junto aos órgãos ambientais competentes.
Art. 11 – Aos meliponicultores registrados, fica permitido o comércio, nos termos da aquisição, da permuta e da exposição, bem como, o trânsito de colônias de abelhas sem ferrão, partes destas e espécimes dentro do território do estado do Ceará, desde que esses materiais estejam acompanhados da Guia de Trânsito Animal (GTA) emitida pelo órgão competente.
Parágrafo único – Somente poderão transitar e serem comercializadas no território cearense, colônias, partes destas e espécimes que sejam originados em conformidade com os termos desta Lei.
Art. 12 – Fica autorizado, no Estado do Ceará, nos termos desta Lei, o comércio e o transporte de produtos das abelhas sem ferrão, provenientes da meliponicultura, como o mel, o pólen, a própolis e o cerume.
Parágrafo único – Os produtos de abelhas sem ferrão definidos no caput do art. 12 desta Lei devem ser comercializados conforme as exigências da legislação do consumidor.
Art. 13 – Os meliponicultores em atividade no Estado do Ceará, independente da modalidade de suas atividades, devem se cadastrar junto ao órgão estadual competente, no prazo de até 24 (vinte e quatro) meses contados a partir da publicação desta Lei, sob pena de responderem nos termos das legislações vigentes e aplicáveis.
Parágrafo único – Os criadores de abelhas sem ferrão em atividade anterior à vigência desta Lei, que se regularizarem no prazo definido no caput do art. 13 desta Lei, ficam dispensados de comprovar a origem de suas colônias e não sofrerão penalidades de quaisquer natureza.
Art. 14 – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
NEZINHO FARIAS
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA
Os Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Bahia e Paraná já têm Leis Estaduais regulamentando a criação, manejo, transporte, comercialização e dando outras providências referentes às Abelhas Sem Ferrão na atividade da Meliponicultura.
As abelhas sem ferrão pertencem ao grupo dos apídeos e contam com cerca de 400 (quatrocentas) espécies identificadas que se distribuem através das Regiões Tropicais e Subtropicais das Américas, da África, do Sudoeste da Ásia e da Austrália.
Em território brasileiro, tem-se evidência de que os silvícolas locais domesticaram algumas espécies como a uruçu-nordestina (Melipona scutellaris) e a tiuba (M. fasciculata), de ocorrência, respectivamente, em vegetação de Mata Atlântica e Cerrado.
Na vegetação de Caatinga também é de se supor que a espécie jandaíra (Melipona subnitida) tenha sido explorada pelos indígenas, haja vista a sua abundância nas depressões sertanejas, a facilidade que esta espécie tem em se submeter ao manejo e o mel de excelente qualidade.
A prática da criação dessas abelhas no Brasil utilizando cortiços (troncos de árvores ou caixas rústicas) teve início no período colonial e, ao que tudo indica, em decorrência da fragmentação da vegetação original que contribuiu para essa medida acomodatícia dos criatórios junto às residências.
A criação de abelhas sem ferrão (meliponíneos) passou a ser chamada de “meliponicultura” pelo brasileiro Prof. Paulo Nogueira-Neto, em 1953.
Nos últimos anos, a criação de abelhas sem ferrão tem tomado um grande impulso em algumas regiões do Brasil ao mesmo tempo em que ocorre, em diversas localidades, a formação de grupos de meliponicultores estabelecidos em associações devidamente credenciadas conforme as exigências legais.
No Ceará foi fundada, em 04 de setembro de 2013, a Associação Cearense de Meliponicultores (ACEMEL), com sede em Fortaleza, cuja finalidade básica é promover a proteção das abelhas sem ferrão e dos seus habitat naturais, congregar os criadores dessas abelhas e instruí-los conforme as novas técnicas de manejo, a fim de que essa atividade tenha sucesso garantido.
A meliponicultura já vem sendo desenvolvida há mais de três séculos na região Nordeste e, no Ceará, esta atividade tem desempenho em todo o seu território, conforme as particularidades ambientais e as características das espécies de abelhas locais. Neste sentido fica claro que as espécies silvestres aqui exploradas, sob um regime de livre domesticação, além de expressarem um potencial zootécnico compensatório, vêm contribuindo para a complementação de renda dos pequenos e médios agricultores cearenses.
Em decorrência das abelhas sem ferrão estarem incluídas entre os animais silvestres, a sua exploração acha-se normatizada pela Resolução 346/2004 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) (atualmente uma nova versão resolutiva está em andamento de elaboração) e pela Instrução Normativa nº 169/08 (IBAMA). Esses recursos enquadram essas abelhas no mesmo nível de outros animais silvestres (p. ex.: mamíferos e aves) no que se refere aos procedimentos da criação em cativeiro.
Neste caso devemos entender aqui que, embora as abelhas sejam animais da fauna nativa, elas são bastante diferentes de outros animais, quanto ao “criatório em cativeiro”. Ou seja, para as abelhas eussociais a sua “domesticação é livre”, pois elas não ficam submetidas a um regime “típico de cativeiro” quando impomos, às colônias, as diversas formas de manejo. Na proposta de um criatório com essas espécies, não obstante elas serem manejadas de acordo com os procedimentos técnicos em uso, todos os processos bioecológicos e comportamentais da colônia e dos indivíduos são normais e livremente desenvolvidos, tendo as abelhas, inclusive, a liberdade para enxamear e exercer as suas atividades externas de coletas de alimentos e polinização de espécies nativas e, até mesmo, de espécies agrícolas.
Contudo, outras particularidades expressas por esses recursos normativos devem ser levadas em consideração, principalmente aquelas relacionadas ao meio ambiente, bem como, outras que especificamente contemplam as espécies de abelhas, como por exemplo: “permitida a comercialização de colônias ou parte delas desde que sejam resultado de métodos de multiplicação artificial ou de captura por meio da utilização de ninhos-isca”; “permitida a exploração dessas espécies desde que sejam levados em conta os ecossistemas a que pertencem ou de origem”.
Neste particular, a meliponicultura pode, dentre outras coisas, beneficiar ecologicamente a vegetação nativa local através dos processos de polinização das espécies, do favorecimento da recuperação de áreas degradadas, bem como, da recomposição das populações de meliponíneos e, até mesmo, de outros animais em áreas fragmentadas da vegetação local.
O objetivo desses esclarecimentos é trazer para o estado do Ceará uma normatização, assegurada por lei, que permita o desenvolvimento de uma meliponicultura totalmente possível de ser executada à semelhança, por exemplo, da apicultura, sem transtornos para os meliponicultores e tão pouco para as autoridades competentes que neste estado da federação administram atividades concernentes à agropecuária. Neste contexto, portanto, a meliponicultura passaria a ser regulamentada e amparada conforme as normas em uso pelos setores estaduais que regimentam os diversos segmentos da agricultura e da pecuária cearense.
Assim cabe aos interessados na criação de abelhas sem ferrão comprometerem-se com as seguintes regras: dispor de ambiente adequado e saudável para esta atividade; ter compromissos com a preservação do meio ambiente; utilizar no seu criatório espécies de abelhas nativas do ambiente local; aumentar o seu plantel somente através do uso da multiplicação artificial ou da aquisição de colônias em meliponários devidamente registrados; usar no meliponário as técnicas modernas de manejo em vigência; cumprir rigorosamente as normas estabelecidas por lei para o desenvolvimento da meliponicultura no estado do Ceará.
Nos dias atuais, a meliponicultura vem caracterizando-se como uma atividade produtiva em expansão no meio rural apresentando-se como uma exploração alternativa e complementar, principalmente para os pequenos e médios agricultores. Dada a sua simplicidade e qualidade das tecnologias empregadas temos como resultados produtos limpos que beneficiam tanto as demandas ecológicas locais, quanto as sociais e econômicas, permitindo assim, a sustentabilidade ambiental.
Neste sentido, esse negócio pode ser caracterizado como um empreendimento que demanda um baixo volume de investimento; facilita ao meliponicultor o manejo da produção, bem como, o fechamento da cadeia produtiva com o beneficiamento e a distribuição dos produtos gerados; possibilita a ocupação de toda a família, já que a produção é composta por diversos produtos (mel, pólen, própolis, cera, enxames para revenda e até aluguel de colônias para polinização de culturas agrícolas); contribui para a preservação da natureza, pois, não destrói nem polui o meio ambiente; e permite, ainda, que essas abelhas desempenhem livremente as atividades internas da colônia e as suas ações como polinizadoras das espécies nativas das nossas matas.
Por outro lado, para que haja toda essa harmonização nesta atividade o meliponicultor deverá ser, antes de tudo, um defensor da natureza e trabalhar pela sua preservação, haja vista que sem as espécies vegetais não teremos os produtos das abelhas.
De um modo geral, na meliponicultura o mel é o produto principal e o mais representativo para a comercialização, muito embora essas abelhas produzam pólen de excelente qualidade, própolis e cera em grande quantidade, produtos esses ainda pouco aproveitados, tanto pelas comunidades locais, quanto comercialmente. Para demonstração da capacidade de produção das abelhas sem ferrão em pauta, apresentamos a Tabela em anexo, onde se acha destacado esse potencial produtivo de cada espécie no que se refere ao mel e ao pólen.
Outra atividade da meliponicultura que vem dando bons resultado é a formação de colônias para revenda, que em muitos casos tem superado a cotação do mel. Essa procura aumenta à medida que o meliponicultor oferece enxames de boa qualidade quanto à capacidade produtiva. O procedimento de formação de colônias para comercialização deve ser exclusivamente a partir das matrizes existentes no meliponário, a fim de que o meliponicultor tenha sempre em garantia a não agressão ao meio ambiente.
O sucesso da meliponicultura no Ceará, todavia, acha-se atrelado, também, ao desempenho de uma assistência técnica eficiente, à capacitação do público alvo nos labores do manejo e no despertar da conscientização sobre a preservação ambiental, bem como, à agregação de valores aos produtos das abelhas, a fim de que os processos de comercialização dos mesmos tenham êxito. Aqui cabe a participação efetiva e afetiva de associações de meliponicultores para que os criadores de abelhas sem ferrão distribuídos ao longo do território cearense possam e venham a se organizar em torno de um compromisso que envolva esse novo empreendimento, onde muitos têm nesta atividade uma nova complementação de renda.
Submeto a presente proposição à apreciação de meus nobres pares.
NEZINHO FARIAS
DEPUTADO