PROJETO DE LEI N° 275/19
VEDA A NOMEAÇÃO PARA CARGOS EM COMISSÃO DE PESSOAS QUE TENHAM SIDO CONDENADAS PELA LEI FEDERAL Nº 11.340, LEI MARIA DA PENHA, NO ÂMBITO DO ESTADO DO CEARÁ
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º Fica vedada a nomeação de pessoas que tiverem sido condenadas nas condições previstas na Lei Federal nº 11.340, de 07 de agosto de 2006 - Lei Maria da Penha, no âmbito da Administração Pública direta e indireta, bem como em todos os Poderes do Estado do Ceará, para os cargos em comissão de livre nomeação e exoneração.
Parágrafo único. Essa vedação inicia com a condenação em decisão transitada em julgado, e encerra com o comprovado cumprimento da pena.
Art. 2º O disposto nesta lei não se aplicará, caso a sentença condenatória venha a ser reformada pelas instâncias superiores do Judiciário.
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
NELINHO
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA
O objetivo desta propositura é fortalecer a luta contra a violência doméstica e familiar, vivenciada cotidianamente em nosso Estado do Ceará, crime que atinge milhares de mulheres em nosso País.
De acordo o Tribunal de Justiça do Ceará, em 2018, houve um aumento de quase 200% no atendimento de casos relacionados à violência contra a mulher, segundo pesquisa do Conselho Nacional de Justiça, isso sem levar em consideração os casos que ocorrem e que não chegam ao conhecimento das autoridades públicas.
Entretanto, a pesquisa do Conselho Nacional de Justiça aponta que o Ceará é o estado que mais aplica a Lei Maria da Penha no Brasil. Em 2017, foram julgadas 17.257 ações.
O que se busca com esta proposta, portanto, é atacar as bases da impunidade e fortificar a luta contra este tipo de crime, fazendo com que o Estado dê o bom exemplo à sociedade, impedindo que homens condenados, com sentença transitada em julgado, por violência doméstica e familiar, exerçam cargos cujas atividades têm impacto direto nas vidas de milhões de pessoas, principalmente das mulheres.
Assim, permitir que um agressor condenado exerça função pública, que traz em sua natureza enorme prestígio e responsabilidade, equivale a dizer à população que o crime compensa.
Nesse sentido, pergunta-se: como é possível que a Administração Pública, que é mantida com dinheiro dos impostos pagos pela população, inclusive das mulheres vítimas de agressões, possa utilizar como mão de obra remunerada agressores condenados? Como é possível que uma mulher seja atendida em um órgão público por um agressor condenado pela Lei Maria da Penha?
É importante destacar que o presente projeto veda a nomeação em cargos comissionados de pessoas que tiverem sido condenadas com sentença transitada em julgado, não ferindo por tanto o direito ao contraditório e ampla defesa previsto no Artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, nem tão pouco o princípio de presunção de inocência previsto no Artigo 5º, inciso LVII da nossa Carta Magna, vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
Cumpre destacar, quanto à matéria, que a norma proposta não se insere no âmbito do direito penal, este de competência legislativa privativa da União, uma vez que não cria ou modifica, de modo direto ou indireto, tipos penais ou sanções de natureza penal, nem regula o exercício do ius puniendi estatal. Trata-se de norma de natureza administrativa, voltada à própria Administração Pública do Estado, no que diz respeito à admissão ou contratação de servidores ou agentes públicos.
É de se indagar, no entanto, se haveria óbices à iniciativa legislativa desta Assembleia, haja vista o disposto no artigo 60, § 2º, alínea ‘b’, da Constituição do Estado do Ceará. É dizer: embora seja certo que o Poder Executivo possa legislar, por meio de lei ordinária, sobre as condições de ingresso ou requisitos de admissão de seus próprios servidores, pode-se entender que não caberia ao Poder Legislativo deflagrar o respectivo processo legislativo, cuja repercussão, em última análise, se dirige também aos demais Poderes, em especial ao Poder Executivo, em possível contrariedade com o citado dispositivo constitucional, que assim dispõe:
Art. 60. Cabe a iniciativa de leis:
[...]
§ 2º São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre:
[...]
*b) servidores públicos da administração direta, autárquica e fundacional, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis e militares, seu regime jurídico, ingresso, limites de idade, estabilidade, direitos e deveres, reforma e transferência de policiais militares e de bombeiros militares para a inatividade;
[...]
*§ 3º Ressalvadas as hipóteses previstas no § 2º deste artigo, a iniciativa de leis que disponham sobre as matérias da competência comum e concorrente da União e Estados, previstas na Constituição Federal, poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Governador do Estado e Deputados Estaduais.
Entendemos, no entanto, que a matéria em análise não se enquadra na hipótese de reserva de iniciativa, uma vez que o objetivo precípuo da norma proposta não é pormenorizar requisitos de ingresso na Administração Pública, mas, sim, percorrer o ideal de moralidade, em especial aos preceitos éticos, da Administração Pública, consagrados no artigo 37 da Constituição Federal, em face de agentes já condenados por violência contra a mulher, nos termos da Lei Federal nº 11.340, de 2006.
Ademais, ainda no que diz respeito à iniciativa do Poder Legislativo, devemos mencionar, por oportuno, que existem precedentes em casos análogos. O mais emblemático, sem dúvida, é o da Emenda Constitucional nº 74, de 19 de abril de 2012, de iniciativa do nobre Deputado Heitor Férrer, aprovada por unanimidade por esta Casa Legislativa, que fica vedada a nomeação ou designação para cargos daqueles considerados inelegíveis em razão de atos ilícitos, sendo impedidos de integrar o Poder Executivo, Poder Judiciário, o Ministério Público, os tribunais de contas do Estado e o dos Municípios e as listas tríplices submetidas ao crivo do Executivo, como no caso do cargo de reitor de universidade.
Assim, o comando previsto neste projeto, possui efeitos para dentro e para fora da Administração Pública. Para dentro, porque prima pelo caráter moral de seus agentes, e, para fora, porque tais agentes são, em última análise, os representantes da Administração Pública e sua personificação, sendo coerente, ética, moral, e ao mesmo tempo didática a restrição voltada aos agressores domésticos.
Ainda oportuno, ressaltamos o previsto no art. 14, § 9º da Constituição Federal, que estabelece os casos de inelegibilidade com objetivo de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerando o histórico do candidato, senão vejamos:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994).
Seguindo essa linha de raciocínio, a Lei Complementar Federal nº 64, de 18 de maio de 1990, estabelece os casos de inelegibilidade:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010).
9. contra a vida e a dignidade sexual; e (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010).
Nesse sentido, o dispositivo legal livra dos cargos eletivos aqueles que caminham na contramão da conduta esperada do homem que pensa em representar interesses alheios de maneira proba, e de criminosos declarados por uma decisão judicial que agridem a moralidade, a probidade e os valores éticos, morais e sociais que devem guardar o titular de uma carreira eletiva.
Deveras, a nossa Constituição Federal instituiu a dignidade da pessoa humana como importante fundamento da República Federativa do Brasil, o que quer dizer que a representatividade adequada através de indivíduos idôneos e não criminosos faz parte de uma vida digna do cidadão.
Recentemente, o Governador do Rio de Janeiro sancionou a Lei Estadual nº 8.301, de 28 de fevereiro de 2019, de iniciativa dos deputados estaduais Dr. Julianelli e da Enfermeira Rejane que veda a nomeação para cargos em comissão pessoas condenados pela Lei Maria da Penha, cabendo, por fim, uma interpretação extensiva dos preceitos éticos exigidos aos cargos públicos.
Deputados Estaduais de vários Estados do Brasil, já apresentaram tal proposta, a exemplos do Rio Grande do Norte, Piauí, Sergipe e Minas Gerais.
Portanto, o que se pretende com o projeto de lei em tela é reafirmar, na prática, o compromisso do Estado do Ceará com a repressão da violência contra a mulher, estendendo a questões administrativas, como a nomeação de cargo, emprego ou função pública, a repercussão da condenação pela prática de violência contra as mulheres, razão pela qual solicitamos aos nobres pares da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará a aprovação desta matéria.
NELINHO
DEPUTADO