PROJETO DE LEI N.º 212/19
INSTITUI O ESTATUTO DA PESSOA COM CÂNCER NO ÂMBITO DO ESTADO DO CEARÁ.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ
D E C R E T A:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1.º Institui no âmbito do Estado do Ceará o Estatuto da Pessoa com Câncer, destinado a promover e estabelecer, em condições de igualdade, as normas, diretrizes e critérios básicos para a inclusão social e cidadania participativa plena e efetiva da pessoa diagnosticada com câncer.
Parágrafo único: Esta Lei busca assegurar, promover, proteger e resguardar o exercício pleno e em condições de igualdade de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas diagnosticadas com câncer.
Art. 2.º Para fins de aplicação desta Lei, considera-se:
I - apoios especiais, a orientação e a supervisão, entre outros elementos que auxiliem ou permitam compensar uma ou mais limitações físicas da pessoa com câncer, favorecendo a sua autonomia, de forma a contribuir com sua inclusão social, bem como beneficiar o processo de habilitação e reabilitação ou qualidade de vida;
II - ajudas técnicas, qualquer elemento que facilite a autonomia pessoal ou possibilite o acesso e o uso de meio físico, visando à melhoria da funcionalidade e qualidade de vida da pessoa com câncer, como produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia inclusive os adaptados ou especialmente projetados, como órteses e próteses, bolsas coletoras para ostomizados, entre outros;
III - procedimentos especiais, meios utilizados para auxiliar a pessoa que, devido ao estágio de sua enfermidade, exige condições peculiares para o desenvolvimento de atividades, como jornada de trabalho variável, horário flexível, entre outros;
IV - pessoa com câncer clinicamente ativo, o paciente que tenha esta condição atestada por dois médicos especialistas (cirurgião oncológico, oncologista clínico, hematologista ou radioterapeuta) da rede pública ou conveniada ao SUS.
Parágrafo único: O atestado médico de que trata o inciso IV, terá validade de no máximo 3 (três) meses, podendo ser revalidado quantas vezes for necessário, desde que comprovada a atividade da doença a ser realizada mediante a apresentação de exames clínicos pelo paciente e avaliação do médico responsável.
CAPÍTULO II
DOS PRINCÍPIOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Art. 3.º São princípios fundamentais deste Estatuto:
I - respeito à dignidade da pessoa humana e à autonomia individual;
II - não discriminação;
III - inclusão e participação plena e efetiva na sociedade;
IV - igualdade de oportunidades;
V – informação clara e confiável sobre a doença e o seu tratamento;
VI – estímulo à conscientização, à educação e ao apoio familiar;
Art. 4.º É garantido ao portador de câncer previsto no art. 4.º desta Lei o direito de preferência no atendimento, dentre outras medidas:
I - a de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
II - o pronto atendimento nos serviços públicos estaduais ou de relevância pública junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;
III - destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a pessoa com câncer;
IV - priorização do atendimento da pessoa diagnosticada com câncer por sua própria família, em detrimento de abrigo ou entidade de longa permanência, exceto das que não possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência, prevendo:
a) a criação e aparelhamento de serviços multidisciplinares de atenção domiciliar;
b) formação de cuidadores habilitados;
c) orientação (treinamento) familiar; e,
d) cuidados paliativos.
V - capacitação e educação continuada dos recursos humanos nas áreas da pessoa com câncer, bem como na de prestação de serviços;
VI - estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre aspectos ligados à enfermidade e os mecanismos de tratamento e cura;
VII - garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais;
VIII - priorização de atendimento:
a) nos serviços de transporte de pacientes fornecidos diretamente pelo poder público;
b) nas casas de apoio mantidas com recursos públicos; e,
c) no fornecimento de medicamentos.
CAPÍTULO III
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Art. 5° São direitos fundamentais do paciente com câncer:
I – obtenção de diagnóstico precoce;
II – acesso a tratamento universal, equânime, adequado e menos nocivo;
III – acesso a informações transparentes e objetivas relativas à doença e ao seu tratamento;
IV – assistência social e jurídica;
V – prioridade nos serviços públicos e privados prestadores de serviços;
VI – proteção do seu bem-estar pessoal, social e econômico;
VII – presença de acompanhante durante o atendimento e o período de tratamento;
CAPÍTULO IV
Dos Deveres
Art. 6.º É dever do Estado, da sociedade, da comunidade e da família assegurar, com preferência, às pessoas diagnosticadas com câncer, a plena efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à habitação, à previdência social, habilitação e reabilitação, à convivência familiar e comunitária, dentre outros decorrentes da Constituição Federal e das leis, que propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.
Art. 7.º Nenhuma pessoa com câncer será objeto de negligência, discriminação, tratamento desumano ou degradante, punida na forma da lei qualquer ação ou omissão aos seus direitos.
§ 1.º Considera-se discriminação qualquer distinção, restrição ou exclusão em razão da doença, mediante ação ou omissão, que tenha o propósito ou efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e liberdades fundamentais.
§ 2.º Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada para promover a inclusão social ou o desenvolvimento pessoal, não sendo as pessoas com a enfermidade obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência.
Art. 8.º É dever de todos comunicar a autoridade competente qualquer forma de ameaça ou violação dos direitos da pessoa com câncer.
Art. 9.º A atenção à saúde da pessoa com câncer será prestada com base nos princípios e diretrizes previstos na Constituição Federal e demais legislações vigentes.
Art. 10.º Incumbe ao Poder Público estadual desenvolver políticas públicas de saúde específicas voltadas para as pessoas com câncer, que incluam, em outras, as seguintes ações:
I - promoção de ações e campanhas preventivas da doença;
II - garantia do acesso universal, igualitário e gratuito aos serviços de saúde públicos;
III - estabelecimento de normas técnicas e padrões de conduta a serem observados pelos serviços públicos e privados de saúde no atendimento da pessoa com câncer;
IV - criação de uma rede de serviços de saúde regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente, voltada ao atendimento da pessoa com câncer, incluindo serviços especializados no tratamento, habilitação e reabilitação;
V - disseminação de práticas e estratégias de atendimento e de reabilitação baseadas na comunidade, a partir da atuação privilegiada dos agentes comunitários de saúde e das equipes de saúde da família;
VI - fomento à realização de estudos epidemiológicos e clínicos, com periodicidade e abrangência adequadas, de modo a produzir informações sobre a ocorrência da doença;
VII - estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico que promova avanços na prevenção, no tratamento e atendimento das pessoas portadoras de câncer;
VIII - promoção de processos contínuos de capacitação dos profissionais que atuam no sistema público de saúde, em todas as áreas, para o atendimento da pessoa com câncer;
IX - capacitação e orientação de cuidadores familiares e grupos de autoajuda de pessoas com câncer;
X - fornecimento de medicamentos comprovadamente eficazes, órteses, próteses e demais recursos necessários ao tratamento, habilitação e reabilitação da pessoa portadora de câncer previstos na tabela do Sistema Único de Saúde - SUS; e,
XI - cuidados paliativos.
CAPÍTULO V
DO ATENDIMENTO ESPECIAL ÀS CRIANÇAS E AOS ADOLESCENTES
Art. 11. O atendimento prestado às crianças eaosadolescentes com câncer,ou em suspeição, deverá ser especial em todas suas fases, devendo ser garantido tratamento universal e integral, priorizando a prevenção e o diagnóstico precoce
CAPÍTULO VI
Das Disposições Finais
Art. 12. O direito à saúde do portador de câncer será assegurado mediante a efetivação de políticas sociais públicas de modo a construir seu bem-estar físico, psíquico, emocional e social no sentido da construção, preservação ou recuperação de sua saúde.
Art. 13. É obrigatório o atendimento integral à saúde da pessoa com câncer por intermédio do Sistema Único de Saúde.
Parágrafo único. Entende-se por atendimento integral aquele realizado nos diversos níveis de hierarquia e de complexidade, bem como nas diversas especialidades médicas, de acordo com as necessidades de saúde das pessoas com câncer, incluindo a assistência médica e de medicamentos, psicológica, odontológica, ajudas técnicas, oficinas terapêuticas e atendimentos especializados, inclusive atendimento e internação domiciliares.
Art. 14. A pessoa com câncer clinicamente ativo terá direito a atendimento especial nos serviços de saúde, públicos e privados, que consiste, no mínimo, em:
I - assistência imediata, respeitada a precedência dos casos mais graves e oferecimento de acomodações acessíveis de acordo com a legislação em vigor;
II - disponibilização de locais apropriados para o cumprimento da prioridade no atendimento, conforme legislação em vigor, em casos tais como agendamento de consultas, realização de exames, procedimentos médicos, entre outros; e,
III - direito à presença de acompanhante, durante os períodos de atendimento e de internação, devendo o órgão de saúde proporcionar as condições adequadas para a sua permanência em tempo integral, exceto em ambientes de UTIs.
Art. 15. A assistência social à pessoa com câncer será prestada de forma articulada e com base nos princípios e diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, integrada com as demais políticas sociais, observadas também as demais normas pertinentes.
Art. 16. À pessoa com câncer deverá ser concedido, pelo médico assistente ou pelo hospital, mediante requerimento do interessado ou de seu representante, feito em duas vias, os dados de seu prontuário médico ou hospitalar, atestados, laudos, resultados de exames e biópsias, que servirão para instruir todos os pedidos e, com isso, fazer valer seus direitos.
Art. 17. Os direitos e garantias previstos nesta Lei não excluem os já estabelecidos em outras legislações.
Art. 18. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
CARLOS
FELIPE
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA
O Câncer é uma das principais causas de morte em todo o mundo, uma doença extremamente agressiva que gera um impacto desestruturante na vida do paciente e da família.
Existe hoje cerca de 32 milhões de pessoas com câncer no planeta, sendo que por ano temos 15 milhões de novos casos e desses algo em torno de 9 milhões vem à óbito devido a doença. A avaliação da Organização Mundial da Saúde, órgão subordinado a Organização das Nações Unidas – ONU, é que o numero de novos casos deverá crescer a pesar do alto investimento internacional que tem sido feito para estudos e avanços tecnológicos para o combate ao câncer.
No Brasil os números seguem a mesma tendência, estima-se que nos próximos 20 anos se registre um crescimento de 78% nos números de câncer no Brasil. Hoje temos mais de 500 mil novos casos por ano e mais de 200 mil óbitos.
Os dois principais tipos de câncer são o de pulmão e o de mama. Na contramão do que foi apresentado, estudos da OMS mostram que mais de 30% do câncer poderia ter sido prevenido. O câncer pode ser reduzido e controlado por meio da implementação de estratégias baseadas em evidências para a prevenção, a detecção precoce e o tratamento de pacientes com a doença. Muitos cânceres têm uma alta chance de cura se detectados precocemente e tratados adequadamente.
Temos realizado grandes esforços no combate a doença, inclusive tendo uma rede de profissionais de alta qualidade e justamente eles são os principais responsáveis pelos avanços obtidos, agora muito ainda se faz necessário melhorar, principalmente no tocante ao investimento na saúde. Enquanto o Brasil investe menos de 4% do PIB em saúde, países de mesmo porte econômico e com status de países em desenvolvimento tem investido quase 5% do PIB e os países desenvolvidos investindo em media 8% do PIB, esses dados mostram o fosso que existe entre o investimento e a necessidade da população. Temos um dos maiores índices de pacientes diagnosticados com câncer e que necessitam de tratamento, más apresentamos um dos menores investimentos em saúde se comparado a países de desenvolvimento econômico comparado ao nosso.
Diante dos fatos e da responsabilidade do estado em promover a melhoria da qualidade de vida da população, acredito que precisamos avançar na legislação estadual que vise atender esse segmento que tanto necessita de uma intervenção de forma pratica no cotidiano dos pacientes.
Precisamos pensar desde a prevenção, o tratamento, a integração do paciente na sociedade e nas atividades laborais, aos cuidados psicológicos e acesso aos medicamentos.
Com base nessa premissa proponho a criação do Estatuto da Pessoa com Câncer, afim de reafirmarmos e ampliarmos os direitos e de criarmos um ambiente mais qualificado para o cotidiano desses cidadãos.
A partir do Estatuto da Pessoa com Câncer conseguiremos dar clareza nos deveres e direitos do cidadão e também aos deveres do Estado do Ceará com os mesmos, permitindo aos cearenses uma fiscalização e cobrança efetiva da implementação das políticas públicas cearenses para o combate a doença e acolhimento devido das pessoas.
Outra questão de suma importância que o estatuto vem tratar é sobre o combate a discriminação existente na sociedade que recai sobre os indivíduos portadores de câncer, estes muitas vezes são vistos como aqueles que não podem continuar a sua atividade laboral, continuarem os estudos ou sua vida cotidiana. Estes cidadãos jaó são submetidos a uma carga excessiva de medicamentos, a um processo lento e doloroso, sendo preciso em vários casos serem submetidos a medidas extremamente invasivas ao corpo, precisando de solidariedade, afeto, carinho e apoio; então é inadmissível o preconceito ou discriminação.
O Estatuto da Pessoa com Câncer vem contribuir para o aperfeiçoamento do acesso ao atendimento de qualidade. Não podemos negar que grandes avanços já foram conquistados, diferente do que é reportado pela imprensa os dados estáticos e a legislação permite afirmarmos que temos um dos serviços públicos de maior abrangência do mundo, o Sistema Único de Saúde – SUS garante a universalidade do serviço, concedendo atendimento a população desde a mais carente a de maior renda, do atendimento básico a cirurgia de alta complexidade, esse sistema é fruto do espírito de fraternidade, solidariedade e luta por justiça do povo brasileiro que proporcionou uma legislação que impede o cidadão de ter procedimentos recusados no serviço público por razão de não ter condições de pagar suas despesas. O SUS merece o nosso elogio de forma efusiva e calorosa, além da defesa do sistema de forma ardorosa.
Apresentamos o Estatuto da Pessoa com Câncer no intuito da defesa do SUS, contribuindo com a evolução da nossa legislação em prol de uma efetivação de políticas públicas que visem melhorar a qualidade de vida do nosso povo. A cada passo que damos na melhoria do bem estar das pessoas é mais um passo na construção de um país mais justo. Só poderemos afirmar que vivemos numa sociedade plenamente racional e evoluída no dia me que atendermos a todas as pessoas de forma digna.
Sala das Sessões da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, aos 29 dias do mês de março do ano de 2019.
CARLOS
FELIPE
DEPUTADO