PROJETO DE INDICAÇÃO N° 87/19
DISPÕE SOBRE A CRIAÇÃO DO PROGRAMA UNIVERSIDADE SEM DROGAS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO CEARÁ INDICA:
Art. 1º - Fica instituído o Programa Universidade sem Drogas que dispõe ações para prevenir o uso de drogas ilícitas em universidades públicas estaduais.
Art. 2º - As universidades públicas estaduais deverão criar órgãos colegiados compostos por representantes discentes, docentes e de demais servidores para discutir, planejar e implementar meios que visem a prevenção do uso de drogas ilícitas em todo o campus universitário.
Parágrafo único - Os meios de prevenção devem considerar:
I - as drogas ilícitas mais utilizadas na comunidade;
II - a redução dos fatores de risco detectados;
III - o reforçamento dos fatores de proteção identificados;
IV - as características específicas do público-alvo, tais como idade, sexo e etnicidade.
Art. 3º - Durante todo o ano letivo serão realizadas campanhas de prevenção e conscientização sobre drogas ilícitas.
Parágrafo único - As campanhas de prevenção e conscientização poderão tratar também do uso abusivo e dependência de substâncias psicoativas lícitas.
Art. 4º - Todo o corpo discente das universidades públicas estaduais deverá se submeter a exames toxicológicos na forma desta lei.
§ 1º - Os exames toxicológicos deverão detectar pelo menos drogas canabinóides, cocaína e anfetaminas.
§ 2º - Os exames toxicológicos deverão ter larga janela de detecção, de no mínimo 90 dias.
§ 3º - Os exames previstos no caput poderão ser substituídos por aqueles realizados para os fins do art. 148-A, da Lei 9.503, de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, observado o prazo de validade previsto no § 1º, do art. 5º.
Art. 5º - Para realização das matrículas nos cursos ofertados pelas universidades públicas estaduais, serão exigidos os exames toxicológicos na forma que trata esta lei, sendo assegurado ao examinando o direito ao contraditório e a confidencialidade dos resultados.
Art. 6º - Os alunos deverão apresentar anualmente, para realização da rematrícula nos cursos oferecidos por universidades públicas estaduais, um dos seguintes documentos:
I - comprovante de coleta de exame toxicológico;
II - laudo com resultado do exame toxicológico;
III - documento emitido por médico confirmando o recebimento do resultado de exame toxicológico e mencionando a data em que foi coletado.
§ 1º - O exame deve ter sido coletado no máximo 30 dias antes da realização da matrícula, e para os alunos matriculados, o exame deverá ser apresentado no início de cada ano letivo.
§ 2º - Os documentos referentes aos exames toxicológicos não serão arquivados, devendo ser devolvidos imediatamente ao aluno, sendo consignado no registro escolar apenas que foi apresentado e seu resultado final.
§ 3º - Estão dispensados dessa obrigação, os alunos idosos e aqueles matriculados em cursos totalmente a distância.
Art. 7º - Ao interessado matriculado em cursos das universidades públicas estaduais ainda que tenha resultado positivo no exame toxicológico de larga escala, pleiteie pelo ingresso e/ou manutenção na instituição, devendo ser encaminhado para o serviço de saúde para tratamento especializado.
§ 1º - Na hipótese que trata o caput deste artigo, será assegurado sua matrícula no curso para qual está vinculado, devendo apenas o examinando comprovar a regularidade da realização do tratamento na qual está sendo realizado.
§ 2º - A comprovação da regular realização do tratamento será feita por meio de declaração emitida pelo estabelecimento prestador do serviço, sob pena de indeferimento da rematrícula para o semestre seguinte.
§ 3º - Para que se comprove o fim do tratamento que trata esta lei, será exigida declaração a ser emitida pelo prestador do serviço, que deverá constar o nome do paciente e o período de regular tratamento realizado.
Art. 8º - As universidades públicas estaduais deverão promover, na primeira semana de aulas após o período de matrículas, atividades educativas, aberta a todos os servidores e à comunidade, visando a prevenção do uso de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas.
§ 1º - Durante toda essa semana devem ser disponibilizados serviços médicos para orientação sobre os riscos associados consumo, aconselhamento e encaminhamento de pacientes para tratamento que assim desejarem.
§ 2º - Durante toda essa semana devem ser ofertadas atividades educativas extracurriculares visando o desenvolvimento das seguintes habilidades sociais direcionadas a resistência às drogas, entre outras:
a) autoestima, autoeficácia, assertividade e resiliência;
b) comunicação e relacionamentos interpessoais;
c) hábitos de estudo e apoio escolar;
d) resolução de problemas relacionados à violência, problemas sociais e autocontrole.
§ 3º - Terão preferência de inscrição nas atividades descritas no parágrafo anterior os alunos que estiverem matriculados no primeiro ano do curso de graduação.
Art. 9º - Os discentes provenientes de grupos considerados especialmente vulneráveis para uso de drogas ilícitas deverão receber especial atenção por parte da direção da universidade estadual, incluindo:
I - atenção psicossocial individualizada;
II - prioridade para recebimento de benefícios assistenciais, quando houver, tais como alojamento estudantil, alimentação universitária, transporte coletivo;
III - prioridade para participação em atividade esportivas e culturais;
IV - prioridade para reserva de livros em bibliotecas;
IV - prioridade para participação em programas de monitoria, estágio remunerado e iniciação científica;
V - prioridade para participação de programas que favoreçam a socialização.
Parágrafo único - O discente que receber qualquer benefício em razão da prioridade prevista neste artigo deverá participar de curso de formação de multiplicadores na prevenção ao uso indevido de drogas, ou semelhante; e participar de atividades comunitárias de orientações e prevenção do uso de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas, em horário compatível com suas atividades universitárias.
Art. 10 - Consideram-se grupos especialmente vulneráveis para uso de drogas ilícitas:
I - pessoas sem moradia habitual ou em situação de rua;
II - pessoas com diagnóstico pregresso ou atual de dependência de substâncias psicoativas lícitas ou ilícitas;
III - pessoas com pai, mãe ou irmão com dependência de substâncias psicoativas lícitas ou ilícitas;
IV - pessoas oriundas de famílias com relações significativamente disfuncionais, vínculos afetivos precários e ausência de regras e normas claras dentro do contexto familiar;
V - pessoas com comportamento marcadamente agressivo e violento, ou diagnóstico de depressão;
VI - pessoas com déficits significativos em habilidades sociais e rede social de apoio insuficiente;
VII - pessoas com dificuldades acadêmicas relevantes.
Art. 11 - Poderão ser adotadas políticas visando a redução de danos para pessoas com quadro de dependência de drogas ilícitas.
Parágrafo único. As ações previstas nas políticas de redução de danos devem ser disponibilizadas de forma individualizada, inseridas dentro de um projeto terapêutico singular para o dependente.
Art. 12 - Discentes em tratamento de dependência de drogas ilícitas poderão solicitar a transferência entre unidades da mesma universidade, ou para outras universidades, desde que seja do mesmo estado, independentemente da existência de vagas nos locais de destino, processo seletivo ou período do ano letivo, se ficar comprovado que a remoção do local habitual de trabalho, estudo e/ou moradia se fizer necessária para o tratamento da dependência.
§ 1º A transferência deverá ser para o mesmo curso em que foi aprovado em processo seletivo, ou equivalente.
§ 2º Os discentes transferidos com base nesse artigo deverão apresentar anualmente para realização da matrícula um laudo de exame toxicológico com resultada negativo para todas as substâncias pesquisadas.
§ 3º Em apresentando teste toxicológico positivo após a transferência, o discente deverá retornar à instituição de origem, sem prejuízo de novo pedido de transferência.
§ 4º - Nos casos em que o resultado positivo possa ser decorrente do uso de medicamentos administrados sob prescrição médica, o exame deve vir acompanhado de relatório médico informando qual medicamento foi prescrito para o paciente e qual resultado alterado do exame toxicológico pode ser decorrente do uso correto deste medicamento.
Art. 13 – As despesas provenientes dos exames e tratamento que trata esta lei serão custeadas pelo Governo do Estado.
Art. 14 - Esta lei entra em vigor após decorridos cento e oitenta dias de sua publicação oficial.
ANDRÉ FERNANDES
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA
O uso e dependência de drogas ilícitas em universidades públicas é tema de
extrema relevância tanto a nível estadual, bem como também a nível nacional.
Esta população tem seus estudos pagos pela sociedade, e o abandono do curso em
decorrência do uso de drogas representa um investimento que podemos considerar
como desperdiçado.
Do ponto de vista pessoal o ingresso na universidade representa um passo saindo da adolescência em direção à vida adulta. É um período de aquisição de novos conhecimentos, não apenas acadêmicas, mas também experiências sociais, afetivas e pessoais.
Assim, este é um período de grande risco para experimentação, uso e abuso de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas. Assim, estas pessoas devem ser educadas, protegidas e receber informações cientificamente embasadas para fazer suas escolhas de vida de forma responsável.
Devemos considerar dados do “I Levantamento nacional sobre o uso de álcool, tabaco e outras drogas entre universitários das 27 capitais brasileiras”, elaborado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) mostram que quase metade (48,7%) dos universitários que participaram da pesquisa relatou já ter consumido alguma droga ilícita pelo menos uma vez na vida, mais de um terço (35,8%) relatou uso alguma droga ilícita nos últimos 12 meses que antecederam a pesquisa, e cerca de um quarto (25,9%) nos 30 dias anteriores ao levantamento (BRASIL, 2010).
Sabemos que a distribuição de drogas ilícitas não ocorre aleatoriamente em uma população. Deste modo, existe a possibilidade teórica de identificar características que definem grupos que concentram maior número de pessoas usuárias de drogas.
Obviamente, esta associação baseada em diferenças de distribuição de frequências entre grupos é meramente estatística e nunca determinística. Deste modo, algumas características apontam determinado risco, por haver maior probabilidade de encontrar maior prevalência dessa característica (por exemplo, a pessoa ter pais usuários de drogas) nos grupos em que há maior prevalência do comportamento avaliado (por exemplo, a pessoa ser dependente de drogas), mas não se pode afirmar que haja uma relação causal entre a característica e o comportamento (ou seja, não podemos afirmar, necessariamente, que aquele que tem pais usuários de drogas vai se tornar dependente de drogas).
Relacionado ao conceito de risco, está o de vulnerabilidade: pessoas com risco aumentado, são mais vulneráveis.
Se uma pessoa que apresenta um fator de risco pode ou não apresentar o efeito a ele associado estatisticamente, então existe a possibilidade teórica de intervir para que este efeito não se verifique. E aqui, entra a ideia de “prevenção”.
Sobre a prevenção, explica Sanchez (2014):
Existem duas classificações bem estabelecidas sobre os níveis de prevenção atingidos por um determinado programa ou atividade de prevenção. A primeira classificação foi proposta na década de 1970 e definiu três níveis de prevenção, de acordo com a fase de consumo. Nessa classificação, as estratégias de prevenção podem ser primárias, secundárias ou terciárias.
Prevenção primária: objetiva evitar a experimentação inicial de drogas e é destinada a sujeitos que ainda não as experimentaram.
Prevenção secundária: destinada a sujeitos que já experimentaram e que fazem um uso ocasional de drogas, para evitar que esse uso se torne abusivo e problemático, reduzindo as chances de que o abuso se transforme em dependência.
Prevenção terciária: destinada a usuários que já apresentam uso problemático; e, nesse caso, a intervenção preventiva é a indicação de tratamento a profissionais especializados para redução dos danos associados ao abuso.
A segunda classificação de níveis de prevenção, mais recente, não exclui a anterior, mas a complementa e se baseia na diferenciação de grupos por nível de risco de exposição às drogas. Nessa classificação, um programa de prevenção pode ser universal, seletivo ou indicado.
A prevenção universal é dirigida à população geral, sem qualquer estratificação de grupos por fatores de risco. Um exemplo é a divulgação pela mídia de programas que apresentem os danos decorrentes do consumo de drogas. Nas escolas, as estratégias universais são realizadas com todos os alunos de uma determinada série (ou diversas séries), sem a preocupação de selecionar apenas alunos com maior vulnerabilidade para o consumo de drogas.
A prevenção seletiva é voltada para populações com alguns fatores de risco já identificados para o uso de drogas, ou seja, é destinada a sujeitos de maior risco para o consumo. Programas seletivos não são, necessariamente, destinados a pessoas que já consomem drogas, mas àquelas que têm mais chance de fazê-lo. Um exemplo seria um programa realizado em uma escola de uma região de alta criminalidade e oferta de drogas (fatores de risco aqui são a alta criminalidade da região e a oferta da droga).
A prevenção indicada engloba intervenções destinadas a sujeitos identificados como usuários ou com comportamentos de risco relacionados, direta ou indiretamente, ao uso de substâncias, em programas que visem reduzir não só o consumo de álcool e de outras drogas, mas também a melhora de aspectos da vida do sujeito, como a reinserção social.
A redução de danos faz parte de programas de prevenção terciários e indicados.
É possível perceber que nas duas classificações de níveis de prevenção há uma gradação do geral para o específico.
Na primeira classificação, as ações começam na prevenção primária, direcionadas a toda população. Nesta população, apesar das ações de prevenção primária, uma parte entra em contato com as drogas, e para essas há as ações de prevenção secundária, visando evitar a progressão do consumo. Mas algumas pessoas também são refratárias às medidas de prevenção secundária, desenvolvendo um padrão de uso nocivo e dependência de drogas. Para estas, há as ações de prevenção terciária, visando o tratamento do vício e a prevenção do desenvolvimento de outros problemas relacionados ao consumo de drogas.
Na segunda classificação, as ações são inicialmente direcionadas para a população em geral, em um segundo nível são focadas em grupos específicos, e no último nível o alvo da ação é o sujeito.
As principais diferenças entre essas classificações são em relação ao foco da prevenção e a variável que move as ações entre os níveis.
Na primeira classificação, baseada no célebre trabalho de Leavell e Clarck (1960), o foco é o sujeito e a variável é a doença. Assim, no primeiro nível o indivíduo não apresenta doença (não consome drogas) e o objetivo é evitar que fique doente (ou consuma drogas); no segundo nível o sujeito já está doente (já consome droga) e o objetivo passa a ser evitar a progressão e o surgimento de complicações dessa doença (evitar que faça uso problemático ou se torne dependente); no terceiro nível o sujeito já apresenta complicações (já é dependente) e o objetivo é tentar promover a reabilitação e reduzir incapacidades (evitar que o uso de drogas cause sequelas ou provoque comportamentos em conflitos com a lei).
Na segunda classificação, baseada no trabalho de Gordon (1983) adaptado pelo Institute of Medicine (1994) (FOXCROFT, 2014), o foco é a ação preventiva e a variável é a generalidade/especificidade do público alvo. Assim, no primeiro nível (universal) as ações preventivas se dirigem genericamente a toda a população; no segundo nível (seletiva) as ações preventivas se dirigem a grupos de risco; no terceiro nível (indicada) as ações preventivas se dirigem especificamente ao sujeito. Percebe-se que não necessariamente o grupo ou o sujeito alvo das ações precisam ser consumidores ou dependentes de drogas.
Em relação à primeira classificação, o Projeto de Lei ora proposto tenta atuar nos três níveis com ações direcionadas a evitar o uso de drogas ilícitas (prevenção primária), a detecção precoce de usuários (prevenção secundária) e encaminhamento para tratamento médico nos casos mais graves (prevenção terciária).
A prevenção primária é dirigida a toda a população – e nesse caso se confunde com a prevenção universal.
Novamente explica Sanchez (2014):
Há consenso no meio científico de que o uso e abuso de substâncias psicotrópicas é multifatorial e que os principais fatores envolvidos são a curiosidade, obtenção de prazer, influência do grupo, pressão social, baixa autoestima e dinâmica familiar. Nesse contexto, as escolhas feitas por nós estarão sujeitas a inúmeros fatores externos e internos que, no balanço final, irão gerar uma atitude diante da decisão de consumir ou não drogas.
No âmbito da prevenção primária, fatores de risco são aqueles que aumentam a chance do início do uso de drogas ocorrer. Os fatores de proteção são, por sua vez, aqueles que reduzem o risco desse uso ocorrer.
É possível compreendermos a dinâmica desses conceitos por meio de uma balança de dois pratos, representando a relação do ‘peso’ de risco contra o ‘peso’ de proteção, inferindo-se que a determinação do consumo seria norteada pelo lado mais pesado da balança [...]
Um fator de risco ou de proteção não determina o uso ou não uso de drogas. Esse uso depende de qual prato da balança pesa mais e como cada fator afeta determinado sujeito. Além disso, um fator de risco é identificado por intermédio de cálculos matemáticos que evidenciam o que esse fator representa para a maioria dos casos. Há, no entanto, fatores que certamente são de risco para algumas pessoas e de proteção para outras.
Seguindo esta linha, a própria Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (SENAD) definiu entre os princípios que devem nortear os programas de prevenção:
Fatores de risco e fatores de prevenção
PRINCÍPIO 1
Os programas de prevenção devem reforçar fatores de proteção e reduzir fatores de risco:
* risco de se tornar um abusador de drogas envolve a relação entre a quantidade e o tipo de fatores de risco (por exemplo, as atitudes e os comportamentos negativos) e fatores de proteção (por exemplo, o apoio dos pais);
* o impacto potencial dos fatores de risco e de proteção varia conforme a idade. Por exemplo, fatores de risco na família têm maior impacto sobre uma criança mais jovem, enquanto que o abuso de drogas por amigos pode ser um fator de risco mais significativo para um adolescente;
* a intervenção precoce em fatores de risco (por exemplo, comportamento agressivo e pouco autocontrole) frequentemente tem um impacto maior do que a intervenção mais tardia, alterando;
* a trajetória do curso de vida de uma criança, distanciando-a dos problemas e aproximando-a dos comportamentos positivos; apesar de os fatores de risco e de proteção afetarem pessoas de todos os grupos, esses fatores podem ter um diferente impacto dependendo da idade, do sexo, da etnicidade, da cultura e do ambiente social da pessoa.
PRINCÍPIO 2
Os programas de prevenção devem abranger todas as formas de abuso de drogas, isoladamente ou em combinação, incluindo o uso de substâncias psicoativas lícitas de menores de idade (por exemplo, tabaco ou álcool), o uso de drogas ilícitas (por exemplo, maconha ou ecstasy) e o uso inadequado de substâncias obtidas legalmente (por exemplo, solventes), medicamentos prescritos ou a automedicação.
PRINCÍPIO 3
Os programas de prevenção devem abordar o tipo de droga de abuso que é problema na comunidade local, focar nos fatores de risco modificáveis e reforçar os fatores de proteção identificados.
PRINCÍPIO 4
Os programas devem ser adaptados para abordar riscos específicos da população ou características do público-alvo, como idade, sexo e etnicidade, para melhorar a efetividade do programa.
[...]
Nesse sentido, este Projeto de Lei propõe que se faça uma identificação e análise dos fatores de riscos e de proteção mais importantes em cada universidade pública, de modo a atenuar os primeiros e reforçar os últimos. Assim, a ideia deste Projeto de Lei é que as atividades preventivas universais sejam definidas localmente, observando as especificidades de cada comunidade acadêmica.
Este Projeto de Lei não aprofunda em medidas de prevenção primária, pois como se vê, as ações de prevenção dirigidas à população em geral devem se ater às particularidades locais, deve dialogar com a comunidade que vai ser objeto das intervenções, usando uma linguagem adequada ao público-alvo, atentando aos problemas locais.
As abordagens a serem adotadas vai depender do perfil epidemiológico e populacional em cada universidade. Cabe notar que a literatura científica aponta diversas alternativas, mas não há uma cartilha a ser seguida que vai garantir resultados 100% satisfatórios em termos de prevenção. A obtenção de resultados caminha de forma intuitiva, com tentativa e erro. O conhecimento científico ajuda reduzindo o leque de alternativas, apontando aquelas com maiores chances de êxito.
Contudo, é preciso lembrar que o foco deste Projeto de Lei é a população universitária, onde a realidade mostra que houve falhas em ações preventivas que deveriam ter sido realizadas em momentos anteriores na vida dessas pessoas. Dados do “VI Levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio das redes pública e privada de ensino nas 27 capitais brasileiras – 2010” mostram que na população de estudantes do ensino médio, nas faixas etárias imediatamente anteriores ao ingresso no ensino universitário (16 anos ou mais), cerca de 43% relatou já ter consumido alguma droga ilícita pelo menos uma vez na vida, aproximadamente 16% relatou uso alguma droga ilícita nos últimos 12 meses que antecederam a pesquisa, e cerca de 9% afirmou uso nos 30 dias anteriores ao levantamento (CEBRID e SENAD, 2010).
A partir dos dados coletados a nível nacional, este será mais um passo dado no sentido de prevenirmos e coibirmos o uso e incentivo a qualquer substância lícita e ilícita nas instituições de ensino do estado do Ceará.
Por outro lado, analisando ainda os levantamentos realizados sobre o consumo de drogas entre estudantes de ensino médio e universitário é possível supor que o primeiro contato com drogas ilícitas ocorre na maior parte das vezes antes do ingresso na universidade, e que há um aumento da frequência de uso nesse período. Isso mostra que as políticas preventivas direcionadas aos alunos do ensino fundamental e médio em alguma medida falharam.
Portanto, as atividades preventivas no ambiente universitário devem priorizar não apenas ações para evitar que a pessoa tenha um primeiro contato ou experimente drogas ilícitas pela primeira vez (prevenção primária), mas também prevenir que se torne usuário de drogas com padrão de consumo potencialmente nocivo (prevenção secundária), pois muitos estudantes já ingressam na universidade com experiência prévia de uso dessas substâncias.
Por isso, considerando a perspectiva de fortalecimento de fatores de proteção, há a necessidade de treinar competências socioemocionais que não foram suficientemente desenvolvidas durante a infância e adolescência, como por exemplo: resolução de problemas sociais, autocontrole, assertividade, autoestima (cf. SENAD). As ações de prevenção secundária se baseiam na detecção precoce de casos de uso de drogas pelo exame toxicológico e encaminhamento oportuno para intervenções específicas.
O exame toxicológico exigido não visa estigmatizar a pessoa, pois o resultado é confidencial. No caso do corpo discente, ninguém precisa ter acesso ao resultado a não ser o próprio aluno, pois exige-se apenas por exemplo uma declaração que o exame foi colhido. No caso do corpo docente, as informações já estão resguardadas pelo sigilo médico.
Deste modo, o exame toxicológico serve como uma oportunidade de autorreflexão para a pessoa que fez uso de drogas, pois o exame vai mostrar que a substância potencialmente danosa está realmente presente em seu organismo, e lá continuará durante todo o período de janela de detecção.
Esta autorreflexão está relacionada à proposta de haver uma semana no início do ano letivo de fornecimento de informações científicas sobre drogas e disponibilidade de aconselhamento para auxílio no processo de tomada de decisão; e encaminhamento para assistência especializada se esta for a decisão do usuário.
Este mesmo chamado à autorreflexão seria benvinda no caso de drogas opióides. Os Estados Unidos vivem uma epidemia de casos de dependência drogas opióides, muitas das quais, decorrente de prescrições médicas de substâncias lícitas. O resultado positivo para drogas desta categoria em um exame toxicológico permitiria ao paciente que faz uso desta medicação refletir que aquilo que lhe foi prescrito pode ser considerada uma droga, e seu uso deve ser, portanto, judicioso e racional. Contudo, uma vez que este problema ainda não atingiu o Brasil em grande escala, conforme os estudos epidemiológicos, sua testagem não foi considerada como obrigatória nos exames toxicológicos.
Aqui é oportuno explicitar que a relação de drogas que devem ser pesquisadas nos exames toxicológicos reflete os levantamentos sobre as drogas mais consumidas no Brasil. Cabe notar que por se tratar de estatísticas populacionais não se exclui a possibilidade de uma droga menos comum no Brasil seja um problema relevante em uma determinada universidade e/ou região do estado, o que vai demandar medidas específicas.
É de suma importância destacar também que os idosos foram eximidos da obrigatoriedade de apresentar exames toxicológico pois até o presente momento não há estudos apontando que o uso de drogas ilícitas seja relevante nessa população. Ao contrário, na população idosa os maiores problemas são relacionados a substâncias psicoativas lícitas, geralmente prescritas em serviços de saúde, mas usadas de forma abusiva. Contudo, este não é o foco deste Projeto de Lei, nem substâncias lícitas são requeridas no exame toxicológico.
Quanto ao nível terciário, as ações preventivas demandam uma avaliação individual do paciente e assistência por profissionais especializados. Dado o caráter individual e de extrema tecnicidade das medidas a serem tomadas, a lei se limitou apenas a garantir alguns instrumentos que possam ser utilizados, pois medidas específicas para determinado paciente não caberiam na generalidade da Lei.
Nos casos em que há dependência física e/ou psíquica de drogas, há necessidade de medidas mais incisivas para ajudar a pessoa doente, inclusive a retirada do meio em que se encontra, se isso for um fator de acesso fácil às drogas e se assim o paciente o desejar.
Assim, este Projeto de Lei cria a oportunidade para a pessoa dependente se desvincular do ambiente que lhe propicia o uso de drogas sem romper seus vínculos acadêmicos. Neste caso, se o novo local de trabalho ou estudo também for desfavorável ao tratamento, deve ser também retirado de lá, e se for do seu interesse, tentar outro local.
Importante frisar que a proposição ora apresentada também está de acordo com o título III, que trata das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de droga, da Lei nº 11.343, de 2006.
O Projeto de Lei ora proposto também atua sob a perspectiva da segunda classificação, uma vez que prevê ações direcionadas à toda população acadêmica e comunidade (prevenção universal), ações destinadas a grupos especialmente vulneráveis (prevenção seletiva) e intervenções específicas a pessoas já usuárias de drogas ilícitas, com padrão de consumo potencialmente nocivo à sua saúde (prevenção indicada).
Da mesma forma que intervenções no domínio da comunidade acadêmica demandam um conhecimento do grupo social, à medida que as intervenções afunilam para os níveis de prevenção seletiva e prevenção indicada, há uma necessidade de conhecer o sujeito, o que implica na individualização das intervenções.
Embora seja um assunto muito controverso, políticas de redução de danos tem seu lugar dentro dos programas de prevenção ao uso de drogas. Contudo, é uma aplicação muito restrita: apenas nos casos de prevenção terciária e indicada – ou seja, nos casos em que houve falha nos programas de prevenção primária e secundária, e o usuário já apresenta um padrão de uso problemático, potencialmente nocivo à sua saúde. Tais medidas devem ser aplicadas apenas a subgrupos muito específicos e não de modo indiscriminado.
Uma vez que as políticas de redução de danos têm um caráter extremamente pragmático, é indispensável que haja um monitoramento frequente de seus resultados, estando inserido em um projeto terapêutico individualizado para o dependente, e em não apresentado resultados satisfatórios devem ser interrompidos.
Os custos das atividades preventivas serão das universidades estaduais. Contudo, esta questão precisa ser vista de forma mais ampla, uma vez que também o custo de tratamento de uma pessoa dependente de drogas é imenso, sem considerar custos adicionais em razão de atos violentos relacionados ao vício e recursos públicos destinados ao enfrentamento do tráfico de drogas. Nesse sentido, todas as políticas que consigam reduzir o consumo e a dependência de drogas ilícitas acabarão sendo custo-efetivas.
Segundo a SENAD, para cada dólar investido em prevenção, há uma economia de até 10 dólares em tratamento por abuso de álcool ou outra substância.
Portanto, é indiscutível a necessidade de políticas de prevenção ao uso de drogas ilícitas em universidades. Contudo, a forma como ocorre esta prevenção é motivo de polêmicas, mas não devemos nos escusarmos desse debate. A proposta ora apesentada é baseada no conhecimento científico disponível e pode beneficiar muitos docentes e discentes. E é por isso que solicito gentilmente o apoio dos meus nobres pares para a aprovação da presente propositura.
Sala das Sessões da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, 02 de abril de 2019.
ANDRÉ FERNANDES
DEPUTADO