PROJETO DE INDICAÇÃO N.º 28/19
“ DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA INCLUSÃO DA “LITERATURA DE CORDEL”DE MODO INTERDISCIPLINAR NA REDE ESTADUAL DE ENSINO, CONSIDERANDO A “LITERATURA DE CORDEL” COMO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DO ESTADO DO CEARÁE DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. “
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ INDICA:
Art. 1º. Fica considerado como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Ceará a “LITERATURA DE CORDEL".
Art. 2º. Ficam os estabelecimentos da Rede Estadual de Ensino obrigados a incluir a “Literatura de Cordel” como gênero textual e fonte de saberes sobre as disciplinas normais do currículo escolar, observadas as exigências da nova BNCC - Base Nacional Curricular Comum e demais legislação pertinente em vigor.
§ 1º. Os estabelecimentos de ensino mencionados no “caput” deste artigo, compreendem as escolas e demais unidades de ensino da educação fundamental, ensino médio, inclusive na modalidade profissionalizante, centros de formação de professores e demais unidades educacionais do Estado do Ceará, ficando na responsabilidade da Secretaria Estadual de Educação,na condição de unidade gestora da educação no Estado, tomar as providências cabíveis e necessárias à implementação da presente Lei.
§ 2º. Ficam obrigadas as unidades de ensino públicas estaduais, por intermédio da Secretaria Estadual de Educação, a incluir em seu calendário, eventos voltados à difusão cultural e histórica da “Literatura de Cordel” e dos cordelistas.
Art. 3º. Sem prejuízo dos conteúdos disciplinares previstos no Plano Estadual de Educação, o emprego da “Literatura de Cordel” como gênero textual representativo da cultura regional, com toda a sua capacidade de contextualização de temas, será contemplado no ensino dos conteúdos curriculares das diversas disciplinas, utilizando-se os poemas de “Literatura de Cordel” identificados como: Folhetos, Romances, Folhas Soltas e nos formatos modernos de suportes, como: “Cordelivros”, CD’s, DVD’s,Blu-Ray’s, dentre outros meios legalmente admitidos.
Art. 4º. O critério basilar para a escolha dos títulos a serem adotados nas escolas, bibliotecas, eventos e programas de leitura é a observância no texto poético, das regras tradicionais da “Literatura de Cordel” e do “Repentismo” nordestinos, respeitando-se as normas técnicas reconhecidas pelos cordelistas e repentistas, suas associações e academias, na exigência da técnica de versificação que contém rima, métrica e oração, conforme a prática secular dos poetas populares nordestinos.
Art. 5º. As obras de “Literatura de Cordel” a serem adotadas na Rede Estadual de Ensino deverão abordar os assuntos tradicionais dos diversos ciclos temáticos reconhecidos pelos poetas e pesquisadores que são referência na área, contemplando, dentre outros, os folhetos e romances clássicos.
Parágrafo único - Serão abordados, também, os recontos de obras literárias dos escritores eruditos nacionais e estrangeiros, retrabalhados em “Literatura de Cordel”, os folhetos abordando fatos ocorridos importantes para o Brasil, especialmente para o Ceará, como também: poemas destinados ao público infantil e os de cunho didático, abordando temas de todas as disciplinas curriculares pertinentes.
Art. 6º. Os acervos relativos à “Literatura de Cordel”,abrangerão obras de xilogravura, por ser esta, a expressão visual das artes gráficas mais representativa da ilustração da produção poética e devidamente contemplada nesta lei.
Art. 7º. As bibliotecas escolares e as bibliotecas públicas do Estado do Ceará manterão em seus acervos, sessões intituladas “CORDELTECAS” que disporão de acervos, os mais amplos, de folhetos e romances da “Literatura de Cordel”, “cordelivros”, livros que versem sobre o assunto ora proposto, o repente, a xilogravura, livros que contém as obras de poetas populares nordestinos, dentre outras obras pertinentes ao presente tema.
Art. 8º. As bibliotecas escolares e as bibliotecas públicas do Estado do Ceará manterão, ainda, acervo audiovisual das obras mencionadas no art. 7º desta lei, dos tipos: CDs, DVDs, Blu-Ray dentre outros meios legalmente admitidos.
Art. 9º. Para o alcance do domínio da presente temática, serão promovidos regularmente seminários, oficinas, cursos, minicursos e eventos nas escolas e nas bibliotecas, destinadosaos professores e alunos, com a participação de poetas cordelistas, repentistas, xilógrafos.
Art. 10. A Rede Estadual de Ensino do Estado do Ceará será contemplada com Programas de Leitura que incluirão obras com textos em “Literatura de Cordel” nos seus mais variados e supracitados formatos, suportes gráficos, digitais, dentre outros, desde que, legalmente admitidos.
Art. 11. A presente Lei altera e amplia o disposto na Lei Estadual n° 13.549, de 23 de dezembro de 2004, que instituiu a Política Estadual do Livro e dá outras providências.
Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação oficial.
Art. 13. Revogam-se as disposições em contrário.
LEONARDO PINHEIRO
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA
A literatura de cordel é um dos gêneros literários mais conhecidos no Brasil. Geralmente apresentado na forma de folhetos, o cordel tem raízes na tradição oral, com origens que remontam à Idade Média e ao Renascimento.
Por meio da impressão, a poesia de cordel se popularizou em nosso país, especialmente na Região Nordeste. Em geral, as temáticas do cordel giram em torno do cotidiano, da mitologia, da religiosidade popular e das histórias de vida de personalidades conhecidas.
Os textos são apresentados em forma de versos rimados, normalmente impressos em folhetos ilustrados por meio da técnica da xilogravura. A forma de exposição dos folhetos por meio de barbantes (cordas) em uma espécie de varal deu origem ao nome do gênero, embora no Brasil eles sejam vendidos em feiras e mercados públicos das mais diversas maneiras.
O cordel é a forma escrita da poesia popular conhecida como repente (porque de improviso), ainda hoje muito comum no Nordeste, em que o poeta faz seus versos acompanhado de viola ou de pandeiro, conforme o caso.
Os desafios de duplas de violeiros repentistas são a forma mais comum de manifestação deste gênero, que se expressa também por meio de canções ou poemas previamente elaborados.
Com profundas origens na cultura popular, o cordel vem sendo cada vez mais estudado e venerado como gênero literário rico e de grande relevância para a constituição da identidade cultural brasileira.
Em razão disso, instituições culturais têm se dedicado ao estudo e à salvaguarda da literatura de cordel, além disso, o gênero está ganhando cada vez mais visibilidade em veículos de comunicação de massa e da imprensa em geral.
É difícil conhecer um nordestino que não tenha tido contato com o cordel em algum momento da vida. No Nordeste e nas regiões do Brasil com grande concentração de nordestinos e descendentes, a poesia popular está impregnada nos modos de vida, na linguagem e no entretenimento. É desde criança que se toma contato com os versos, com o improviso e com o universo do cordelista.
Estudar o cordel e o repente na escola, significa ter contato com o mundo da poesia a partir do cotidiano, com uma carga de significados que dificilmente outra forma literária tem no Brasil, especialmente no Nordeste. O cordel é a porta de entrada para o mundo da literatura para grande parcela da população e pode ser o mote para a criação do hábito de leitura para os nossos estudantes.
Junto com o aprendizado da poesia, da rima, da expressão oral, o cordel e o improviso podem ser importantes aliados para o conhecimento da diversidade brasileira, para o exercício da tolerância e para o fortalecimento dos laços que ligam nosso povo à Língua Portuguesa e à nossa civilização dos trópicos, como dizia Darcy Ribeiro.
No dia 19 de setembro de 2018, foi reconhecido, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, como Patrimônio Imaterial Cultural do Brasil a literatura de Cordel. Tendo como berço o Norte e Nordeste do Brasil, a Literatura de Cordel hoje é disseminada em todo o Brasil, graças aos esforços dos Poetas, declamadores, editores, ilustradores, desenhistas, artistas plásticos, xilogravadores,“folheteiros” e seus apoiadores.
Sendo o Ceará um dos nascedouros desta forma de expressão cultural, literária e artística, é obrigatório, por parte desta Casa Legislativa, o reconhecimento da Literatura de Cordel como PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DO ESTADO DO CEARÁ.
Desta feita, é cada vez maior a consciência da importância de se utilizar a Poesia, a Música e a Contação de Histórias como ferramentas didático-pedagógicas para suporte e alavancagem do desenvolvimento da Oralidade, da Leitura e da Escrita, desde a Educação Infantil, a Educação dos Jovens e Adultos, passando, inclusive, pelos bancos das faculdades e universidades do Brasil.
Cabem às instituições de ensino otimizar os conhecimentos trazidos pela criança desde o seu nascimento numa construção que se realiza nas vivências que impactam todos os seus sentidos e sensibilidades que constroem sua percepção, audição, visão e memória.
A Literatura de Cordel, dentre suas inúmeras manifestações, preenchem tais requisitos, desenvolvendo essas habilidades e permitindo ao professor explorar estes conhecimentos historicamente produzidos mesmo na mais tenra infância, começando a exercitar na criança a sua curiosidade intelectual no manejo de atividades interdisciplinares, introduzindo assim, no seu universo, as bases para as disciplinas e competências futuras, servindo de base para a educação de jovens e adolescentes.
Ao chegarem no ambiente escolar as crianças já trazem consigo significativo repertório de saberes adquiridos no contexto das diversas linguagens com que conviveram, sendo a Poesia uma das mais fortes influências, posto que, esta, lhe chega desde as Cantigas de Ninar e as Cantigas de Roda e através dos vários meios de comunicação presentes no seu lar e na vida em geral, sempre acompanhada da música, arte do som, linguagem que age para além da compreensão e penetra no íntimo dos seres humanos, independentemente do grau de maturidade ou de compreensão.
No Nordeste brasileiro, especialmente em nosso Estado, a Literatura de Cordel é, sem sombra de dúvidas, a mais popular e mais abrangente expressão da poesia brasileira.
Além de todos os impactos que as novas tecnologias, televisão, computador, celular e games causam nas crianças e adolescentes, elas continuam submetidas aos prazeres dos brinquedos populares e das brincadeiras infantis, lúdicas, de transmissão oral, como as Cantigas de Roda, que se fazem acompanhar da Música e da Dança.
A Literatura de Cordel, visualmente enriquecida com a arte da Xilogravura, permite às crianças e adolescentes o exercício do trabalho com imagens, com traços originais, permitindo leituras outras que só vêm a enriquecer o aprendizado, cumprindo o que preconizam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em todos os seus graus, no que concerne ao trabalho com a oralidade, a leitura e a escrita com o fim de proporcionar à criança e ao adolescente a aquisição do conhecimento de si e do seu mundo, favorecendo a imersão deles nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por eles de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical.
Deste modo, pode-se avançar nos fundamentos para criar as bases das demais competências almejadas pela nova Base Nacional Curricular Comum, quais sejam: O desenvolvimento do Senso Estético que lhe permita fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, a capacidade de usar diversas linguagens para expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos, utilizando-se de diferentes tecnologias de comunicação, estabelecendo relações e interfaces através da vivência com a diversidade de saberes e relações multiculturais, pensando e agindo com liberdade e autonomia, trabalhando a realidade cultural circundante, exercitando livremente as próprias emoções, exercendo a empatia e o diálogo e aprendendo a agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação.
A presente proposição, trata da mais genuína cultura literária nordestina, ultrapassando o tempo e o espaço da Educação e se constituindo, mais rica ainda, quando observamos as possibilidades de uso da Literatura de Cordel nas salas de aula no Ensino Fundamental I e no Ensino Fundamental II, inclusive, nos conteúdos do Ensino Médio, pois a diversidade de títulos abrangendo as mais diversas áreas do conhecimento humano faz com que se possa encontrar nesta expressão poética da nossa Literatura regional a possibilidade de cobrir conteúdos ensinados em todas as disciplinas e, levando-se em conta que o Ceará do Cego Aderaldo, de Patativa do Assaré, de José Bernardo, de Geraldo Amâncio, dentre outros.
Além do maior núcleo brasileiro de grandes xilógrafos, ora reunidos na Lira Nordestina, tipografia que representou um dos papéis mais importantes na produção em escala industrial da Literatura de Cordel no auge dos anos 50 e 60, bem como novas editoras de folhetos e “cordelivros” que se destacam nacionalmente, conforme restou provado nas duas últimas Bienais Internacionais do Livro de São Paulo, com o “Espaço do Cordel e do Repente”, sob a coordenação da CCL – Câmara Cearense do Livro, que, nas duas feiras citadas, foi um dos dois espaços mais visitados daquele que é o maior evento literário da América Latina.
Assim, em razão da riqueza cultural do cordel e dos versos de improviso, propomos a sua inclusão no currículo da educação básica do nosso Estado. Temos consciência de que muitas escolas e profissionais da educação já realizam trabalhos com esses temas e promovem o conhecimento e a cultura por meio da poesia em suas salas de aula. Eles merecem reconhecimento e apoio.
Nosso objetivo é que seu exemplo seja utilizado para expandir essas experiências para todas as escolas do Ceará, de forma a proporcionarmos para as nossas crianças e jovens uma educação de qualidade e rica de significados.
Em razão do exposto, solicito de meus ilustres pares a aprovação deste Projeto.
Sala das Sessões da Assembleia Legislativa do Ceará, 25 de fevereiro de 2019.
LEONARDO PINHEIRO
DEPUTADO