PROJETO DE LEI N° 277/19

“DISPÕE SOBRE A PRIORIDADE PARA ATENDIMENTO E EMISSÃO DE LAUDOS PELO INSTITUTO MÉDICO LEGAL - IML, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.”

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ APROVA:

Art. 1º As mulheres vítimas de violência doméstica e familiar terão prioridade para atendimento no Instituto Médico Legal - IML, visando à realização de exames periciais para constatação de agressões e outras formas de violência física.

Parágrafo único - Para efeitos desta lei configura violência doméstica o disposto nos artigos 5º e 7º da Lei Federal nº 11.340, de 07 de agosto de 2006 - Lei Maria da Penha.

Art. 2º Em caso de agressão ou qualquer outra forma de violência física praticada contra a mulher e que venha a ser submetida a exame(s) no IML, o laudo técnico que comprova o ocorrido deverá ser emitido em um prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, estando à disposição tanto da autoridade que investiga o caso quanto das partes envolvidas na agressão.

Art. 3º Eventuais despesas decorrentes da aplicação desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias consignadas no orçamento vigente e suplementadas, se necessário.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após sua publicação.

 

NEZINHO FARIAS

DEPUTADO

 

JUSTIFICATIVA

A relevância deste Projeto é propiciar uma maior celeridade à apuração dos casos de violência contra a mulher ocorrida em nosso Estado, visando à prioridade na realização de exames periciais para constatação de agressões e outras formas de violência física.

Para efeitos da Lei nº 11.340, 07 de agosto de 2006, configura-se violência doméstica nos artigos 5º e 7º, a saber:

“Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”

 

Vale salientar que o Brasil ocupa a quinta colocação no ranking de mortes violentas de mulheres no mundo. Somente em 2018, foram notificados às autoridades 1.173 casos de feminicídio, sendo que no Ceará houve 447 homicídios dolosos contra as mulheres e 26 correspondiam a feminicídio. Já nos dois primeiros meses de 2019, a imprensa contabilizou nada menos do que 200 assassinatos de brasileiras. Segundo dados do Nudem da Defensoria Pública do Ceará, essas estatísticas são refletidas no machismo e na falta de informação de mulheres sobre seus direitos. No ano passado, o Nudem (Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher) realizou 4.388 atendimentos, dentre as principais demandas estão queixa crime, medida protetiva e dissolução de união estável. (Fonte: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2019/06/05)

A Lei 13.721, de 02 de outubro de 2018, alterou o Código de Processo Penal, mais precisamente o artigo 158, dispondo em seu parágrafo único, incisos I e II, que á realização de exames de corpo de delito envolvendo mulheres, crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência, terão prioridade, cujo objetivo outro não é, senão, agilizar a apuração e gravidade da violência praticada com vistas a mais célere responsabilização do agressor.

“Art. 158.  Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Parágrafo único. Dar-se-á prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva:  (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018)

I - violência doméstica e familiar contra mulher;   (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018)

II - violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.”

 

Observou-se que a legislação não colacionou nenhum prazo estabelecido para a realização dessa perícia, limitando-se, pois, a mencionar que as pessoas pertencentes ao grupo social acima mencionado tenham prioridade no que diz respeito à obtenção do laudo de exame de corpo de delito, o que, nos faz concluir, que aludida norma federal fixou princípio geral, cabendo, pois, a cada Estado da Federação, complementar ou suplementar para o preenchimento dessa lacuna.

A Constituição Cidadã/88, em seu artigo 24, inciso XI, dispõe que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre procedimentos em matéria processual. O parágrafo 2º, em continuidade, preceitua que a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

XI - procedimentos em matéria processual;

(...)

§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.” (Grifo nosso)

 

Nesse passo, o presente projeto de lei, estabelecendo prazo para a elaboração e disponibilização do laudo pericial a que faz referência o artigo 158, § único, I e II, do Código de Processo Penal, enquadra-se nos limites de competência legislativa concorrente, de modo que não se ressente do vício de inconstitucionalidade. A propósito, elucidador e didático se faz trazer à luz tópico do voto proferido pela Ministra Ellen Gracie, no âmbito da ADI 2396/MS que, ao enfrentar o tema, assim deixou consignado:

 

"Segundo a conclusão exposta em exame do pedido liminar, respaldada pela melhor doutrina, o espaço de possibilidade de regramento pela legislação estadual, em casos de competência concorrente abre-se: a) toda vez que não haja legislação federal,quando então, mesmo sobre princípios gerais, poderá a legislação estadual dispor; b) quando, existente legislação federal que fixe os princípios gerais, caiba complementação ou suplementação para o preenchimento de lacunas, para aquilo que não corresponda à generalidade; ou ainda para a definição de peculiaridades regionais"

 

Por fim, ante as razões jurídicas acima expostas, cabendo então Lei Federal fixar princípio geral, e cada estado-membro, no uso da competência suplementar, preencher os vazios daquele normativo de cunho geral, a fim de afeiçoá-la às peculiaridades locais, por força do artigo 24, § 2º, da Constituição Federal, sem que tal prática venha a incidir em vício de inconstitucionalidade.

Diante da grande relevância da matéria, submeto o presente à apreciação de meus nobres pares, contado com o apoio necessário para sua aprovação.

 

NEZINHO FARIAS

DEPUTADO