PROJETO DE INDICAÇÃO N° 220/19
“ REGULAMENTA NO ÂMBITO ESTADUAL, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 24, § 2º, DA CF/88, C/C ARTIGOS 115 E 118 DA LEI N. 8.666/93, A DEFINIÇÃO DE APLICAÇÃO DO ART. 57, II, § 4º, DA LEI N. 8.666/93, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. “
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ INDICA:
CAPÍTULO
1
DO OBJETO E FINALIDADE
Art. 1° - Esta Lei regulamenta, nos termos do que possibilitam os artigos 24, §
2º, da CF/88, c/c arts. 115 e 118 da Lei Federal n. 8.666/93, as situações em
que permitidas prorrogações de contratos de serviços de natureza contínua.
Parágrafo único. Define a aplicação de regra legal em nível estadual, e em caráter complementar, garantindo segurança jurídica, para, independentemente de interpretações distintas e até controversas, tornar clara a regra contida no artigo 57, inciso II, § 4º, da Lei Federal n. 8.666/93.
CAPÍTULO
2
DAS DEFINIÇÕES
Art. 2° Para atender o objeto e finalidade desta Lei, são considerados serviços
de trato e de natureza contínua, os essenciais e habituais, comuns e/ou
simples, específicos e/ou complexos, para adequação à regra do artigo 57,
inciso II, § 4º, da Lei n. 8.666/93, desde que haja, obrigatoriamente, previsão
editalícia sobre a matéria no caso em concreto:
I - Serviços de assessoria e consultoria jurídica;
II - Serviços de assessoria e consultoria contábil;
III - Outros com caracterização de trato contínuo, habituais e essenciais ao funcionamento do serviço público.
Parágrafo único. Para os casos em que as prorrogações, nos termos do artigo 57, inciso II, § 4º, da Lei n. 8.666/93, sejam somente de prazo, sem aumento no valor anterior do contrato, restará demonstrada a vantajosidade em favor do erário, e por isto, desnecessária a pesquisa prévia de mercado/preço, entretanto, não admitidos reajustes, realinhamentos e/ou atualizações ou outras espécies que importem em majoração que exceda o índice inflacionário oficial do período.
Art.3º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
LEONARDO ARAÚJO
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA
DA ADMISSIBILIDADE/FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA e POSSIBILIDADE DE REGULAMENTAÇÃO EM CARÁTER SUPLEMENTAR
Inicialmente, é importante destacar, no que concerne a competência legislativa, que os Estados organizam-se e regem-se pelas constituições e leis que adotarem, e, nessas circunstâncias, o Estado do Ceará exerce, em seu território, as competências que, explícita ou implicitamente, não lhes sejam vedadas pela Constituição Federal (art. 22 caput, c/c art. 24 caput, § 2º e 3º, da CF 88).
Nesse sentido, é importante destacar que o presente projeto de indicação trata de matéria complementar, que é atinente ao regramento de licitações, e não havendo, no texto da lei federal, uma definição clara sobre a matéria, nem mesmo em caráter exemplificativo, necessário o poder e caráter discricionário do Estado, não ferindo a lei.
O art. 115 da Lei Federal n. 8.666/93 prevê:
“Os órgãos da Administração poderão expedir normas relativas aos procedimentos operacionais a serem observados na execução das licitações, no âmbito de sua competência, observadas as disposições desta lei.”
Considerando-se uma situação patente e atual, que tem se observado nas relações entre prestadores de serviços no âmbito estadual, e o entendimento esposado, na maioria das vezes de forma individual, por técnicos de nosso Egrégio Tribunal de Contas do Estado, estribando-se em manifestações de acórdãos do TCU datados de 2004, já ultrapassados, enquanto mais recentes posicionamentos, até mesmo do TCE, a exemplo do ilustre Conselheiro Ernesto Sabóia, presencia-se, para os fins do entendimento do artigo 57, inciso II, § 4º, da Lei Federal n. 8.666/93, tão somente a existência prévia de tal previsão em edital.
Na busca de se garantir segurança jurídica, faz-se imprescindível que seja regulamentado em nível de Estado do Ceará, a normal aplicação do texto da lei, não se permitindo que a discricionariedade prevaleça sobre o texto legal, com a interpretação restritiva à Lei de Licitações, artigo 57, inciso II, § 4º, para além do nela contido, sustentando uma suposta ilegalidade de serem aditados contratos de serviços de relação continuada.
Vejamos o que dispõe a Constituição Federal, quanto à competência exclusiva da União, e a competência do Estado para legislar de forma concorrente:
O art. 22 da CF/88 versa sobre a competência privativa da União, não constando no caput, nem em seus incisos, uma linha sequer tratando de ser competência exclusiva da União legislar sobre licitações.
O artigo 24 da CF/88, § 2º E § 3º, prescreve:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
§ 2º. A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º. Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
Para respaldar a presente pretensão legislativa, faz-se a juntada de artigo em notícias do STF, publicada em 29 de maio de 2012, em processo no qual se discutia a constitucionalidade de lei da Câmara Municipal de Brumadinho, na qual eram feitas exigências e impedimentos legais de participação em licitações no âmbito municipal, na verdade, aumentando as restrições de participação em licitações.
Na referida proposta de lei municipal, esta chegou a ser declarada inconstitucional pelo TJ de Minas Gerais, por entender que lei municipal não poderia impor restrições em licitações, além daquelas previstas nos artigos 22, inciso XXVII e 37, inciso XXI, da CF, regulamentado pela Lei n. 8.666/93.
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, sob a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, entendeu que a Câmara de Vereadores de Brumadinho, tão somente exerceu o seu direito de legislar complementarmente à Constituição Federal e à do Estado de Minas Gerais. Ressalta-se que, no julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3670, de relatoria de Sepúlveda Pertence, a Suprema Corte admitiu que estados e municípios possam editar normas locais.
Quanto ao contido no parágrafo único do art. 2º deste projeto de indicação, esta definição se encontra no informativo n. 153/2013 do Tribunal de Contas da União (TCU), que sugeriu que se entendesse desnecessária a realização de pesquisa junto ao mercado e a outros órgãos/entidades da administração pública para a prorrogação de contratos de natureza continuada, vide acórdão n. 1214/2013-Plenário, TC 006.156/2011-8, Rel. Ministro Aroldo Cedraz, 22.05.2013.
Por essa razão, a iniciativa ora proposta se coaduna com o objetivo de garantir segurança jurídica, mediante a definição de aplicação do artigo 57, inciso II, § 4º, Lei n. 8.666/93.
Nessa perspectiva, salutar pôr em relevo que a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados (CF/88, art. 24, § 2º).
Ressalta-se que o projeto em questão não visa contrariar ou se sobrepor à legislação federal vigente, mas busca estabelecer procedimentos relacionados à definição de quais são ou não serviços de natureza e trato contínuo, para que se estabelecendo uma definição quanto a matéria, não possam prevalecer juízos diversos e, por motivações diversas, desconhecer-se das relações de fato contínuas e a serviço da administração pública.
Deve ser considerado, como entrave e excesso de burocracia para a administração pública, o fato de, a cada ano e exercício, serem firmados novos contratos de uma mesma relação previamente licitada, com base em um contrato preexistente, e que pode, de acordo com o caráter discricionário do administrador público, e considerando a necessidade, ser ampliado em prazo nos termos do que já prevê a própria lei.
Dessa forma, fica evidente que a incursão do Estado do Ceará no terreno das temáticas retratadas na presente proposição não constitui usurpação de competência legislativa federal.
No âmbito do Estado, a competência para a iniciativa de leis a que se refere a Constituição Estadual, no art. 60, I, é conferida aos Deputados Estaduais. No entanto, essa competência é remanescente, ou seja, remanesce aos Deputados Estaduais a iniciativa de assuntos não atribuídos aos legitimados nos demais incisos do mencionado artigo (CE/89, art. 60, II, III, IV, V e VI, § 2º e suas alíneas, e § 3º.).
A proposição não fere a competência de iniciativa do processo legislativo atribuída privativamente ao Governador do Estado, haja vista que não enfoca matéria relacionada com a estrutura organizacional e o funcionamento do Poder Executivo, especificamente disposição e funcionamento da administração estadual, prevista no art. 88, incisos III e VI, da Carta Magna Estadual, tampouco adentra a iniciativa legislativa do Governador do Estado no que tange às matérias elencadas no art. 60, II, § 2º e suas alíneas.
Ressalte-se ainda que, no Estado do Rio de Janeiro, a Assembleia Legislativa aprovou Projeto de Lei, de iniciativa de Deputados Estaduais, e não do Governador do Estado, o que só reforça a competência dos parlamentares para legislar sobre a matéria.
Abaixo, elucida-se parecer sobre a matéria e propositura, de autoria de advogados com expertise no assunto, conforme se observa adiante:
PARECER JURÍDICO
EMENTA: LEI DE LICITAÇÕES - SERVIÇO CONTINUADO - LEGISLAÇÃO SUPLEMENTAR ESTADUAL - POSSIBILIDADE
I - RELATÓRIO
Trata-se de parecer jurídico sobre a possibilidade do Estado legislar em caráter suplementar sobre licitações e contratos, tendo como objetivo dispor sobre serviços contínuos, conforme previsão no inciso II do art. 57 e § 4º da Lei 8.666/93.
É o sucinto relatório. Passando-se a análise jurídica.
II - PARECER
II.I - Da iniciativa, competência e legalidade
A Lei nº 8.666/1993 é a norma responsável pela definição dos princípios gerais de licitação. Como lei federal, determina os parâmetros que serão adotados pela administração pública no momento da aquisição de bens e serviços. A Constituição Federal, no art. 22, destaca ser competência privativa da União legislar sobre normas gerais de licitação.
Art. 22. compete privativamente à União legislar sobre:
XXVII - Normas gerais de licitação e contratação em todas as modalidades para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais, obedecido o disposto no art. 37, XXI e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III.
Contudo, o mesmo artigo estabelece em seu parágrafo único que:
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.
No caso em concreto, merece destaque que não estaria o Estado legislando sobre as regras licitatórias, mas sim, regulamentando as situações decorrentes do texto da lei, considerando, ser esta omissa quanto aos serviços e contratos que se inserem como de natureza contínua. Uma omissão que tem levado as mais diversas interpretações, num claro caminho de insegurança jurídica, e ao bel prazer ou critérios de momentos e casos.
Nesta linha, o §2º do art. 24 da Constituição da República, por sua vez, destaca que a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
Em consonância constitucional, a Lei nº 8.666/1993 autoriza a edição de normas de natureza supletiva, como expressamente dispõem os arts. 115 e. 118.
Art. 115. Os órgãos da Administração poderão expedir normas relativas aos procedimentos operacionais a serem observados na execução das licitações, no âmbito de sua competência, observadas as disposições desta Lei.
Art. 118. Os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as entidades da administração indireta deverão adaptar suas normas sobre licitações e contratos ao disposto nesta Lei.
Destarte, resta claro que Estados e Municípios não podem legislar em absoluto sobre licitações, mas legislar em paralelo e de forma complementar à Lei n° 8.666/93 é absolutamente viável e resguardado pela própria Lei de licitações.
Diante disto, sobre os serviços de natureza contínua a Lei de Licitações estabelece:
Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:
II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses;
Por natureza contínua, o Tribunal de Contas da União assim decidiu:
[…]
28. Sem pretender reabrir a discussão das conclusões obtidas naqueles casos concretos, chamo a atenção para o fato de que a natureza contínua de um serviço não pode ser definida de forma genérica. Deve-se, isso sim, atentar para as peculiaridades de cada situação examinada.
29. Na realidade, o que caracteriza o caráter contínuo de um determinado serviço é sua essencialidade para assegurar a integridade do patrimônio público de forma rotineira e permanente ou para manter o funcionamento das atividades finalísticas do ente administrativo, de modo que sua interrupção possa comprometer a prestação de um serviço público ou o cumprimento da missão institucional (TCU. Acórdão n° 132/2008 - Segunda Câmara. Relator: Ministro Aroldo Cedraz. Data do julgamento: 12/02/2008).
Adentrando-se sobre a matéria de fundo, relevante pontuar-se que diversos julgados já vem se repetindo em nível de TCU, Tribunal de Contas do Estado do Ceará, e muitas outras Cortes Administrativas pelo país, em recente julgado o TCE do Ceará, acórdão n. 01094/2019, processo n. 31811/2018-1, de Várzea Alegre, chegou a reconhecer assessoria para a celebração de convênios como serviço de natureza contínua, o que só reforça a tese enfrentada em proposta de lei para definir de forma complementar a Lei n. 8.666/93, já que está silente, deixando ao cargo das mais diversas interpretações, em sua grande maioria, recheadas de subjetivismo.
Diante de todo o exposto, consta a necessidade de se legislar de forma suplementar sobre a natureza contínua de serviços essenciais para a administração pública, listando-os para que se evite o caráter subjetivo da matéria, o que ocasiona interpretações diversas sobre o tema.
Por fim, salvo melhor juízo, opina-se pela possibilidade legislativa suplementar do Estado quanto à matéria apresentada, sendo necessário inclusive preencher a lacuna que hoje se instala perante as administrações públicas quanto as suas contratações e prorrogações de serviços continuados, por ser matéria suplementar conforme preceitos constitucionais e ditames da Lei Federal nº 8.666/1993.
Por todas estas razões, requeremos o apoio dos Parlamentares desta Casa Legislativa para integral apoio e o voto favorável à presente proposição.
LEONARDO ARAÚJO
DEPUTADO