PROJETO DE LEI N.º 341/17
“ DISPÕE SOBRE A LEGITIMAÇÃO DE TERRAS DOS REMANESCENTES DAS COMUNIDADES DOS QUILOMBOS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. “
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º A expedição dos títulos de propriedades de terra aos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos dos arts. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, atenderá aos princípios estabelecidos nesta Lei.
Art. 2º O Estado expedirá títulos de legitimação de posse de terras públicas estaduais aos remanescentes das comunidades de quilombos com a finalidade de regularizar a ocupação ou efetuará a doação de áreas de terras estaduais incidentes sobre os territórios de quilombos, nos termos dos incisos I, II e III do art. 11, da Lei nº 5.315, de 23 de dezembro de 1991.
§1º A expedição dos títulos de que trata o caput deste artigo se fará sem ônus, independentemente do tamanho da área medida, demarcada topograficamente e reconhecida como de ocupação pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, após discriminação, matrícula e registro prévios, em nome do Estado.
§2º A legitimação de posse em favor dos remanescentes das comunidades de quilombos não se aplica o limite de 50 ha (cinqüenta hectares), de que trata o art. 12 caput, da Lei nº 5.315, de 23 de dezembro de 1991.
§3º A regularização da ocupação dos territórios dos remanescentes das comunidades de quilombos se fará de forma coletiva, em favor da comunidade beneficiada, também, não se aplicando o limite individual de até 200 ha (duzentos hectares), bem como a exigência do pagamento do valor da terra nua, acrescido das despesas de vistoria e taxas administrativas, previstos no art. 13, caput, da Lei nº 5.315, de 23 de dezembro de 1991.
Art. 3º Os títulos de que trata o artigo anterior serão conferidos em nome de associações legalmente constituídas, constando obrigatoriamente a cláusula de inalienabilidade.
Art. 4º Havendo domínios, posses e benefícios de boa fé incidentes sobre as áreas definidas como áreas remanescentes de quilombos, estas serão devidamente indenizadas.
Art. 5º O Poder Executivo, no prazo de 90 (noventa) dias, contados da publicação desta Lei, estabelecerá, mediante decreto, diretrizes para a identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos beneficiados, inclusive os critérios de territorialidade para demarcação de suas posses.
Parágrafo único. É garantida a participação das sociedades de remanescentes dos quilombos legalmente constituídos nos procedimentos de que trata o caput deste artigo.
Art. 6º As despesas decorrentes da aplicação da presente Lei correrão à conta de créditos orçamentários constantes do orçamento em vigor.
Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 8º Revogam-se todas as disposições em contrário.
ELMANO FREITAS
DEPUTADO
Justificativa
As ameaças aos direitos históricos e constitucionais dos quilombolas voltam a se intensificar no Brasil. Ainda no último dia 18 do corrente, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta pela Procuradoria Geral
da República (PGR), firmando o entendimento de que “a regularização de terras ocupadas por quilombolas ou comunidades tradicionais não pode ocorrer em nome de terceiros”. Essa decisão se fez necessária porque, segundo a PGR, dispositivo da lei 11.952/2009 abria espaço para ocupação, por terceiros, de terras tradicionalmente ocupadas por quilombolas.
A importância das comunidades quilombolas para a história e a cultura brasileiras pode ser aquilatada pelo tratamento destacado que recebeu na Constituição federal. Pelo parágrafo primeiro do artigo 215, o Estado se obriga a proteger as “manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório brasileiro”. Pelo artigo 216, os quilombolas adquirem o status de “patrimônio cultural brasileiro” e, como tal, têm o direito de receber a proteção estatal (parágrafo 1º do citado artigo) e ficam tombados “todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos” (parágrafo 5º).
A nossa Carta Magna nacional concluiu o reconhecimento da importância dos afro-brasileiros para o processo civilizatório nacional ao definir, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que aos “remanescentes das comunidades dos quilombolas que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
Surpreendentemente, a Constituição do Estado do Ceará não acompanhou a Constituição federal nesse tocante, embora haja replicados todos os dispositivos de outros capítulos. A surpresa se torna ainda maior se levarmos em conta a pioneira contribuição que o Ceará deu ao Brasil no tocante à política de combate à escravidão negra. Não só fomos o primeiro Estado a abolir a escravidão, como nosso território foi talvez o maior espaço de liberdade para os fugidos da escravidão em outros Estados nordestinos.
Dos muitos quilombos aqui instalados como espaço de luta e resistência durante a batalha abolicionista até os remanescentes quilombolas atualmente existentes em praticamente em todo o Ceará, há uma continuidade histórica que enriquece o patrimônio cultural do nosso
povo e que o Estado tem o dever de proteger e apoiar, em especial nesse momento em que pairam ameaças sobre o futuro dessas comunidades.
A dívida social e cultural do Estado para com quilombolas já é antiga e não tem qualquer justificativa. Ao propor este Projeto de Lei, que complementa a PEC já apresentada e aprovada, nossa intenção é contribuir para que a Assembleia Legislativa do Ceará possa pagar a sua quota dessa dívida social e cultural para com essas comunidades, incluindo na nossa Constituição o que já está consolidado na Constituição federal.
Confiando que os/as demais parlamentares desta Casa Legislativa mantêm os mesmos compromissos de fidelidade com a nossa história social e com o constitucionalismo fraternal expresso por Carta Magna brasileira, esperamos contar com o apoio de todos
Fortaleza, 04 de dezembro de 2017.
ELMANO FREITAS
DEPUTADO